Quem são os portugueses que vêm estudar espanhol no Cervantes? Bem, os centros do Instituto Cervantes em todo o mundo são diferentes em termos de público, usuários e alunos. Aqui em Portugal, dada a grande semelhança entre os dois idiomas, o Instituto tem um perfil muito específico. Os alunos tendem a ser profissionais, pessoas na faixa etária dos 30 anos ou mais, e geralmente estão interessados em comprovar a sua proficiência no idioma, porque pretendem ou já se comprometeram a trabalhar ou estudar na Espanha. Usamos todos um pouco de portunhol no dia à dia, para comunicar. Nós, espanhóis, achamos que falamos português muito bem, e vocês, portugueses, acham que falam muito bem espanhol, mas, na hora da verdade, para estudar ou trabalhar num contexto profissional, é preciso provar esse conhecimento formal. Então, buscam no Instituto Cervantes um lugar onde a profissionalização do corpo docente lhes pode dar o que precisam, que é a acreditação oficial, porque aqui fazemos muitos exames DELE, o Diploma de Espanhol como Língua Estrangeira, o Diploma de Espanhol do Ministério da Educação da Espanha, e exames SIELE, Serviço Internacional de Avaliação da Língua Espanhola.Quando esses profissionais procuram o Cervantes em Lisboa, é sempre pelo castelhano, ou seja o espanhol, ou há cursos oferecidos também em outras línguas de Espanha, como o catalão, o basco ou o galego?Ensinamos as línguas cooficiais, por meio da cultura. Existem instituições em Lisboa onde podem ser ensinadas, como a Universidade de Lisboa, onde se pode estudar catalão e também se pode estudar galego. Já oferecemos aulas de catalão e galego no passado aqui em Portugal, mas no momento não temos procura. Depende sempre da procura, se os alunos têm um interesse pessoal em viver ou trabalhar nessas comunidades autónomas da Espanha. Quando isso acontece, por exemplo, nos nossos centros de Inglaterra ou na Alemanha, onde há muito contacto com a Catalunha e o País Basco, então há a necessidade de oferecer esses cursos a esse grupo. Quando não há procura, o idioma e a cultura dessas comunidades autónomas são promovidas pela cultura. As línguas, especialmente as línguas minoritárias demograficamente, têm a sua saúde medida, digamos, por algo chamado vitalidade etnolinguística. E essa vitalidade etnolinguística pode ser reforçada se promovermos a sua cultura. Temos um amplo programa de atividades culturais no qual incluímos muitos autores catalães, galegos, bascos, asturianos e até mirandeses. A pluralidade linguística da Espanha procura estar sempre presente no Cervantes? Sim, sim, sim. A nossa missão inclui promover a língua e a cultura dos países hispânicos. Isso inclui, é claro, a Espanha e todas as culturas espanholas, e todos os diferentes idiomas estão presentes. Por exemplo, na biblioteca do Cervantes em Lisboa encontramos livros das diversas línguas? Claro, em espanhol, catalão, basco e galego. E também temos em asturiano, mas estou a sublinhar isso porque sou asturiano… A propósito, também em português. Vem à mente, que, recentemente, fizemos uma atividade cultural para a promoção da cultura espanhola voltada para a população prisional da prisão de Caxias, que consistiu numa leitura dramatizada de excertos de Dom Quixote, e doámos um exemplar de Dom Quixote em português para a biblioteca deles. Em Portugal, temos a sensação, como já disse, de que não precisamos aprender espanhol, que o portunhol é suficiente. Mas há muitas pessoas, cada vez mais, um pouco por todo o mundo que querem aprender espanhol. Sei que dirigiu o Cervantes em Nova Iorque. Havia muitas pessoas que falavam inglês e queriam aprender espanhol nos Estados Unidos? Sim, por muitas razões. A ligação dos Estados Unidos com a Europa e a América Latina é muito forte. Então, havia uma necessidade. Essa é a necessidade a que me referi antes. Quando há uma necessidade do público, eles exigem essas aulas. Então, havia muitos participantes nos nossos cursos e atividades culturais. Além disso, não se esqueça de que existem aproximadamente 62 milhões de falantes de espanhol nos Estados Unidos. Isso não significa que todos sejam potenciais usuários das salas de aula de Cervantes, porque todos, quase todos, muitos deles, cerca de 45 milhões, são falantes nativos. Mas eles têm outros interesses. Talvez gostem mais de aprender sobre a cultura. Havia muita mistura entre americanos e membros das diferentes comunidades falantes daqueles países. Estamos a falar de pessoas de origem porto-riquenha, mexicana, dominicana, colombiana... Sim. Muitos estavam a procurar mais a parte cultural, por serem falantes nativos. Mas havia outro grupo, aqueles que nasceram na segunda ou terceira geração nos Estados Unidos e estavam a perder o espanhol. Queriam algo muito específico, que era o que o sistema educacional americano não lhes oferecia. Cursos de imersão ou recuperação linguística. Mais latino-americanos…Os espanhóis eram os menos numerosos e tendiam a permanecer por períodos mais curtos. Eram um número muito pequeno comparado aos colombianos, por exemplo. Há 525.000 colombianos em Nova Iorque. Isso diz tudo. Existem áreas nos Estados Unidos onde já se consegue sobreviver falando espanhol? Sim, com certeza. Principalmente no Sudoeste. A integração de falantes de espanhol nos Estados Unidos aumentou com a assinatura do Tratado de Guadalupe Hidalgo, em meados do século XIX, pelo qual o México perdeu os territórios do Texas, Novo México e Alta Califórnia para os Estados Unidos. Quando isso aconteceu, essas pessoas permaneceram em terras onde realmente deixaram de ser falantes nativos para se tornarem falantes de uma língua estrangeira. Porque os Estados Unidos fizeram incursões nesse território. Mas depois, já no século XX, muitos cubanos também vieram para o Sudeste e muitos porto-riquenhos para o Nordeste. O que aconteceu depois? Com o tempo, à medida que muitas ondas diferentes de imigrantes da América do Sul e da América Central continuavam a chegar, diversificaram-se e expandiram-se por todo o país, criando uma nova língua, um vernáculo específico dos Estados Unidos. É uma nova variante que não é espanhol colombiano, não é espanhol mexicano, não é espanhol da Espanha. Digamos que adquire elementos de todas as variantes do espanhol que existem nos Estados Unidos. É como um espanhol internacional falado na América, nos Estados Unidos. Como espanhol, quando ouve um mexicano, um argentino ou um colombiano falar é imediatamente óbvio para si que não são espanhóis? Claro, automaticamente, sim. Principalmente por três razões. Primeiro, por causa do léxico, ou seja, as palavras, a sintaxe, a estrutura da frase, e depois, é claro, a pronúncia e a entoação. Note que, desde a infância, estamos acostumados a ouvir todas as variações, graças à televisão, ao cinema, às redes sociais, aos livros e às viagens. E quando lê também sente essa diferença? Um jornal não tem pronúncia geralmente, mas dá para perceber diferentes maneiras de se expressar, muitas vezes pela sintaxe, pelo vocabulário e, é claro, por causa das referências culturais locaisÉ filho de pai espanhol e de mãe inglesa, então tem duas línguas maternas. Existe competição entre inglês e espanhol internacionalmente? Existem muitas línguas fortes, como mandarim, hindi e árabe, mas quando falamos de línguas internacionais, faladas em muitos países e com muitas pessoas a aprender, mais do que com o português e o francês, o espanhol compete em influência sobretudo com o inglês? A classificação das “grandes” línguas rege-se por indicadores que não são linguísticos e a sua escolha é por vezes subjetiva. Nas classificações dos especialistas, o espanhol encontra-se geralmente entre os três e os cinco primeiros, consoante os indicadores utilizados. A demografia não é o único fator, é claro; pelo número de falantes é o chinês, transbordando como a língua materna número um, quase mil milhões de falantes nativos. Mas a segunda língua materna mais falada no mundo não é o inglês, mas sim o espanhol, que tem 500 milhões de falantes. O inglês tem 370 milhões de falantes nativos. Entretanto, juntamente com os falantes de inglês como idioma estrangeiro, somam 1,4 mil milhões no total. Já o espanhol, com falantes nativos e falantes com capacidade não nativa, soma 600 milhões. Depois, há o número de países onde cada língua é falada. São cerca de 20 os países com o espanhol como língua oficial? Sim, existem 21 países onde é falado como língua oficial, mas, por exemplo, os Estados Unidos não estão incluídos, e há mais falantes de espanhol nos Estados Unidos do que na Espanha. É o segundo com mais falantes de espanhol. Nos Estados Unidos, fora das comunidades de origem latino-americana, o espanhol é hoje mais amplamente aprendido do que, por exemplo, o francês? Sim, sim, claro. Em todos os níveis de ensino, a língua estrangeira mais estudada nos Estados Unidos é o espanhol. Bem, tudo o que dissermos sobre os Estados Unidos daqui para frente é imprevisível, porque com a nova administração no país, nem sabemos o que vai acontecer. .Foi criado em duas culturas, com o privilégio de poder ler Miguel de Cervantes no original, mas também William Shakespeare. É uma grande vantagem ter acesso a dois grandes idiomas, não é? Sim. Há também uma outra circunstância. Eu, especificamente, sou formado em Filologia Inglesa, mas tenho doutorado em Filologia Espanhola. E eu gosto muito de apreciar a diferença entre as línguas, porque, além disso, sempre fui um amante da música. Eu cantei, estudei música, estudei canto. E estas duas línguas são muito diferentes em termos de pronúncia, mas também em termos de ritmo e entonação. O inglês tem um ritmo acentual. O espanhol é silábico. Então, eu sempre gostei muito de ver como, bem, analisando, como os falantes de espanhol tentavam aplicar um ritmo silábico ao inglês e não conseguiam. No entanto, em português, há algo muito semelhante. Em português, vocês usam a redução de vogais, e o ritmo é mais parecido. É por isso que é tão difícil para um espanhol entender português, porque vocês reduzem as vogais e isso afeta o ritmo da frase. É esse o principal motivo pelo qual os espanhóis têm mais dificuldade em entender o português do que o contrário? Sim, porque, como eu dizia antes, é mais difícil entender uma língua estrangeira do que falá-la. Eu consigo falar com erros e com gestos, mas preciso esperar que o outro repita o que diz, porque é ele que tem controlo sobre o que está a produzir, entende? Então vocês têm 14 sons vocálicos, nós temos cinco. E isso é um problema para quem fala espanhol. Agora, falando um pouco sobre Miguel de Cervantes, que dá nome a este Instituto e é um grande nome da literatura espanhola e mundial. Entre Cervantes e os romancistas contemporâneos espanhóis, que são muitos e de grande qualidade, há algum nome do passado que considere que um português culto deveria conhecer? Dois ou três nomes? Há muita literatura em espanhol, mas algumas pessoas que talvez tenham um apelo especial por Portugal, por causa da conexão, seriam Miguel de Unamuno, por exemplo, eu diria. E, como asturiano, preciso mencionar Leopoldo Alas Clarín. E, claro, se eu não voltar completamente, se eu não for para Cervantes e não for para os atuais, eu diria, talvez também pela sua sensibilidade especial, Emilia Pardo Bazán. E entre os escritores portugueses, e agora sem limitações de época, há algum escritor português de quem goste particularmente? Vários, e por motivos diferentes. Eu diria Eça de Queirós, que é um grande escritor, claro, mas há algo especial que me atrai nele, especialmente Cartas da Inglaterra, porque ele foi cônsul em Newcastle-upon-Tyne, que é a cidade de onde a minha família vem, na Inglaterra. E, curiosamente, os relatos descritivos e severos que ele escreve sobre a Espanha e Portugal em comparação com a Inglaterra, e com o norte da Europa, pareciam muito atuais. Naquela época, as coisas eram diferentes, mas eu achei as crónicas muito interessantes porque me fizeram reviver muitas coisas da minha infância. Já agora, há pouco falou do bilinguismo; eu, na verdade, falo mais sobre biculturalismo, porque, por exemplo, foi muito marcante para mim quando eu estudava na Espanha e, durante os verões íamos visitar a família na Inglaterra. A diferença na modernização e nos serviços no país era enorme em comparação com a Espanha e Portugal. Era um país muito mais moderno e avançado. Mas, felizmente, tudo mudou agora. Já não é assim, e isso é um motivo de orgulho Quantos anos tinha quando Franco morreu, faz agora meio século? Ele morreu a 20 de novembro e eu faço anos a 21. Tinha 11 anos e no dia seguinte estava a festejar o meu aniversário com os meus amigos da escola, com balões, músicas e bolo. Lembro-me de os meus pais a dizerem que tínhamos que fazer menos barulho e não cantar tão alto porque não queriam que na rua parecesse que estávamos a dar uma festa. Tinha alguma percepção política de que a Espanha ia mudar? Quando a notícia da morte do general Franco chegou, a sua família teve a ideia de que finalmente o país iria mudar? Ou não foi imediato? Não, acho que havia uma atmosfera de expectativa e incerteza. Mas era difícil prever exatamente o que iria acontecer. Não se tratava de algo como o 25 de Abril, que foi uma Revolução. Bem, era intuído que também em Espanha haveria mudança, mas não se sabia nem como nem quando. Depois vieram os anos do que chamamos Transição. Fiquei satisfeito, feliz com isso, porque a Transição foi bastante rápida e pacífica e, claro, a Europa claramente teve muito a ver com isso. Ainda assim, é claro, as infraestruturas e as mentalidades mudaram radicalmente.Sente que os espanhóis orgulham-se da sua cultura, da sua língua, da sua história? Do país que são hoje? É claro que temos orgulho de nosso país, apesar de ter passado por tantas guerras e tantas dificuldades, porque houve alguns períodos na história como a Guerra Civil, entre outros, em que parecia que nunca iríamos superar, e a Espanha sempre se manteve de pé. E também foi pioneira em muitas revoluções sociais, como em questões com as quais muitas pessoas podem não concordar, mas em questões como o divórcio, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto, questões que realmente deram aos cidadãos espanhóis um senso de igualdade, em um país que consideramos um exemplo de liderança e convivência, que também estavam mais avançadas do que muitos outros países que carregavam a bandeira de serem líderes em questões sociais. A Espanha foi pioneira...Há muitas coisas assim. E isso é motivo de orgulho, principalmente porque, embora se tenha passado muito tempo, em termos históricos, parece que a ditadura acabou praticamente anteontem.Costuma-se dizer que espanhol e português podem ser aliados na expansão linguística. Essa ideia faz sentido para si? Sim, mas são duas coisas diferentes. Digo isso como linguista. Estamos na mesma península e temos culturas e identidades partilhadas, e muitas coisas diferentes também, mas temos um rio de sangue que corre, irmão, porque as divisões geográficas são feitas pelos humanos, e as fronteiras são estabelecidas à medida que a história avança. Mas o que está claro é que são duas línguas diferentes, muito semelhantes, do mesmo ramo da língua. Podemos nos entender perfeitamente por escrito, mas há uma diferença linguística, que, claro, está ligada pela semelhança de identidade e, digamos, proximidade geográfica. Se nos concentrarmos nas nossas semelhanças, podemos avançar juntos e, para isso, precisamos de nos conhecer melhor. No Instituto Cervantes realizamos programas em todos os institutos onde atuamos para promover a língua e a cultura, projetados especificamente para a região onde estamos localizados. Então, por exemplo, criamos vários programas novos aqui este ano. Um deles é o “Diálogos Transfronteiriços: Visões partilhadas”. Trata-se de um especialista de cada área, um português e um espanhol, a discutir o mesmo tema. As suas diferenças, as suas semelhanças, como realizam seus projetos, qual o apoio institucional disponível - tudo isso. Uma das sessões será de jornalismo, outra de arqueologia e outra de gastronomia, mas haverá muitas outras. Então, a ideia deste projeto é falar sobre essas semelhanças e diferenças entre dois países irmãos como Espanha e Portugal. Essas semelhanças têm a vantagem de que cada pessoa fala a sua própria língua e mais ou menos todos entenderão. Sim, todos podem falar na sua própria língua, porque todos vamos entender, certo? Sim, graças ao facto de partilharmos origens linguísticas e identitárias. É por isso que, em novembro, organizamos a nossa primeira conferência anual sobre língua e identidade: variação linguística, tradição e cultura. Aproveitando isso, temos agora que passar à última pergunta. Toda a sua educação é o estudo de línguas. Sobre o português. Há um poema do brasileiro Olavo Bilac que diz que o português é “a última flor do Lácio”. Quer dizer, a última língua que veio do latim, isso faz algum sentido? Quer dizer, o italiano é muito parecido, o francês também, e o espanhol, mas o português e o galego já estão mais distantes, é assim? Bilac usa uma metáfora, com orgulho, para falar da língua portuguesa como a última evolução do latim, nascida longe de Roma, na Península Ibérica, que tem uma beleza natural como uma flor, e é assim, se pensarmos em toda a riqueza que adquiriu e partilhou ao longo da sua história pela sua evolução e pelo contacto com outras línguas românicas das quais incluiu palavras, como o francês, o espanhol, o italiano, etc., compreendemos a referência à “última flor do Lácio”. Mas é claro, como estou neste país há pouco tempo, convido-o a voltar a fazer esta entrevista comigo daqui a dois anos e veremos como as respostas evoluem. .Jeferson Tenório. “O discurso da extrema-direita é muito sedutor para o jovem da periferia".Mais uma exposição de projeto em “metamorfose” até ao fim do ano