O Instituto Italiano de Cultura está em Portugal desde 1936. Tem a sua sede histórica na rua do Salitre, e agora estas novas instalações temporárias na avenida Infante Santo. Quem estuda italiano aqui em Lisboa?Em Lisboa vêm públicos de todas as idades, por interesses diferentes. Vêm as pessoas que estão reformadas, que têm mais tempo e que podem dedicar-se a uma paixão, um sonho que tiveram a vida toda ou que desenvolveram visitando a Itália. O desejo de poder perceber não só as pessoas quando falam ou falar diretamente em italiano com os italianos, mas também aprofundar livros e cinema. Depois há quem utilize o Instituto para objetivos profissionais. Pessoas que têm que falar com clientes italianos, então as empresas precisam que se formem em italiano. E no final há também os jovens estudantes que fazem cursos para prosseguir os estudos nas universidades italianas ou vão para um Erasmus. Queremos aumentar este último público, e este ano vamos fazer uma parceria com o Cartão Jovem, para que quem tinha o cartão, que é para os entre os 16 e 30 anos, tenha uma redução. A partir de outubro vamos ter uma app para facilitar a inscrição e incluir a nossa programação cultural dentro dessa mesma app. Falou também das atividades culturais, porque não se trata apenas de aulas de língua italiana. O Instituto Italiano também promove a cultura italiana em sentido amplo. Pode dar dois ou três exemplos?Sim, o nosso objetivo é promover a cultura e a língua italiana e fazemo-lo dividindo as nossas atividades, diria 50% organizando as aulas de italiano e 50% organizando os eventos. Temos Lisboa no nome, mas o nosso campo de atividade é Portugal todo. E atividades culturais significa apoiar as forças que já existem em Portugal e que querem mais Itália nas suas programações, coorganizando a vinda de artistas ou outras personalidades culturais italianas. Mas significa também criar algo que não existiria sem o nosso impulso. Penso, por exemplo, numa conferência que organizámos no ano passado no Museu da Farmácia com o diretor do Museu Egípcio de Turim, Christian Greco, com apresentação do seu livro sobre a descoberta de Tutankamon, mas, sobretudo, para falar do novo conceito de museu que aplicou em Turim. E surgiu uma interessantíssima conversa a envolver muita participação do público. Trabalhamos em conjunto com realidades já existentes, como o (iminente) Festival TODOS, para sair do centro da capital e chegar a bairros onde dificilmente entraríamos sozinhos, concebendo propostas que criam pontes entre Itália e Portugal: street art, DJ e fotografia são os nossos objetivos principais, porque todos conhecem a Itália pela sua gastronomia, arquitetura e música. É mais difícil chegar a novos públicos, por isso estes âmbitos culturais que as pessoas não conhecem, tão ricos de histórias a contar desde a Itália.Esta entrevista está a ser em português. Como aprendeu a língua?Tinha o desejo de ser colocado no estrangeiro pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano. E sabia que um lugar num país lusófono seria aberto em 2021. Comecei a estudar mais o português do Brasil com aplicações e vídeos no YouTube. E também comecei a ler. Lembro-me, o mais fácil foi O Principezinho. Depois passei a Paulo Coelho, O Alquimista. Continuei com Ensaio sobre a Cegueira e acabei com Pessoa. Era um nível de dificuldade crescente. Comecei com o português do Brasil, mas quando percebi que Lisboa seria o meu destino, com muita felicidade, passei a ler em português europeu. Neste caso, foi a minha esposa que conseguiu ajudar-me muito, porque ela é francesa da Bretanha, mas morou oito anos no Algarve. Então, graças a Margaux, conseguia falar e ser corrigido na minha pronúncia. Depois fui praticando em ocasiões como esta, em Portugal, e consegui ter mais fluidez. O problema é que nunca aprendi de maneira formal, com professores. Então, há alguns erros que vão seguir-me na minha maneira de falar.O Stefano é de Turim. Turim liderou a unificação italiana na segunda metade o século XIX. E quando a Itália, unificada, teve de escolher uma língua, optou pelo italiano de Florença, o florentino, certo?Sim. O florentino era falado pelas pessoas cultas, mas o que é bom é que nunca foi escolhida formalmente uma língua, porque já era óbvio que esta seria a versão oficial do italiano, a língua nacional. Porque a Itália nasceu antes como nação no sentido cultural e depois, pelo menos 700 anos depois, político. Então, a língua de Dante, Boccaccio e Petrarca era a língua comum à Itália, culturalmente.Portanto, a escolha do novo Reino da Itália, formado em 1861, foi mais ou menos óbvia, porque a língua da cultura já era o florentino.Sim, tão óbvia que nunca foi formalizada. O que era mais difícil de formalizar era escolher a capital. Foi precisamente este o meu projeto de tese de mestrado, a transferência da capital de Turim para Florença. Em particular, porque foi o único caso onde uma decisão tão nacional, que faz parte da soberania de uma nação, foi objeto de uma convenção internacional entre o novo Reino da Itália e o Segundo Império Francês de Napoleão III. Em 1864.E quando passou Roma a ser a capital? Em 1870, quando acabam os Estados Papais?Exatamente. Então, Florença foi capital mais anos do que Turim, mesmo se Turim foi a primeira, porque ali havia o impulso da dinastia de Savoia e, sobretudo, do visionário Conde de Cavour para a unificação de toda a Itália.Havia esse fascínio cultural por Florença, mas o peso histórico de Roma acabou por ser decisivo.Estava no programa do Conde Camillo Benso de Cavour chegar à unificação, chegando a Roma. Mas também no programa de quem era diametralmente oposto, como Mazzini e Garibaldi. “Roma ou morte”, era a célebre frase de Garibaldi. A esmagadora maioria estava convencida que o Reino de Itália não podia existir sem Roma e, politicamente, militarmente, teria um dia de ter Roma como capital.A língua italiana tem muita diversidade regional ainda hoje?Antes teria tido a tentação de dizer que em Itália há uma língua, o italiano, e muitos sotaques, mas não é exato. Há muitas línguas, ainda que a oficial seja só a italiana, exceto em algumas regiões com estatuto especial, o francês no Valle d’Aosta e o alemão na província autónoma de Bolzano. Isto é para dizer que não são só sotaques, são verdadeiras línguas, com a tradição cultural, literária e a gramática delas. Penso no sardo, por exemplo, que não seria compreensível para uma pessoa que fala italiano e que é muito falada, não a nível oficial, mas pela gente. Em Itália, muitos têm duas línguas maternas, o italiano e a língua que se fala em casa e com a família. O meu caso é um pouco diferente porque a minha família vem do sul da Itália, então a minha mãe costumava falar a língua calabresa com a minha avó. E eu achava que era um sotaque, que todo o mundo percebia. Até ao dia em que amigos da escola vieram à minha casa e me perguntaram em que língua é que falava a minha mãe. E eu fiquei surpreendido: não conseguiam perceber o que ela falava. E ali percebi que era uma verdadeira língua. Mas não tenho sorte de saber falar uma segunda língua italiana, além do italiano.O italiano, com mais de 80 milhões de falantes, além da Itália, é língua oficial na Suíça, São Marino e Vaticano, e depois, essencialmente, é uma língua que existe na diáspora. Há ainda países em que o italiano tem força dentro dessa diáspora?Sim, seguramente tem a nível familiar onde as comunidades emigrantes se estabeleceram. Na América do Sul, primeiramente, mas também nas comunidades na América do Norte ou na Austrália. Mas o poder do italiano é que também é estudado em âmbitos culturais para quem quer seguir percursos de excelência no restauro, na ópera, na música. Cantores incluem dentro do seu currículo um estudo italiano em todos os lados do mundo, mesmo na China ou no Japão. E também há a força da Igreja. É quase impossível imaginar um cardeal que não fale italiano.Temos o famoso soft power , ou poder suave, da Itália. Há um muito evidente para todos, que é a gastronomia, porque provavelmente é a cozinha mais espalhada pelo mundo, e muito imitada igualmente. Mas a literatura, o cinema, a ópera, são igualmente soft power?Sim, e acho que difundiram-se mesmo antes que existisse o conceito de soft power, que traz consigo a ideia que através da cultura utilizada como instrumento se pode ter mais poder de dissuasão ou hegemónico. A cultura italiana circulava como soft power já em 1500, quando nem existia uma unidade política, uma consciência que queria absorver na sua esfera de soft power. Então, por isto, diria sweet power, porque quando perguntamos aos nossos alunos por que querem aprender italiano, é sempre por prazer. Nessa lógica de sweet power, poder doce, há muitas pessoas a dizer que o italiano é a língua mais bonita. Ouve esta expressão em Portugal?Sim, e nós até tínhamos na nossa sede em Lisboa a frase “o italiano é a segunda língua mais bonita do mundo”, depois do português. As pessoas associam a maneira de quase cantar dos italianos, estas vogais abertas, também com a sua cultura. Uma língua pode ser muito bonita de ouvir, mas se não é em conexão também com a cultura, a imagem, a expectativa que a gente tem, algo não funcionaria e não se poderia difundir tão facilmente.Está em Portugal desde 2021. Portugal e Itália, e deixando de lado o Império Romano, quando éramos todos o mesmo país, há momentos curiosos para si em que a história dos dois países se cruza?Sim, muito. Como costuma dizer o senhor embaixador Claudio Miscia, portugueses e italianos são tão similares porque não só têm uma grande história, mas porque estudam e amam a história do seu país. E para Portugal e Itália, nos cruzamentos curiosos das duas histórias, o mais óbvio é Cascais, que foi escolhida pelos reis da Itália quando, de maneira pacífica, a Itália passou da monarquia à república. O rei Humberto II ficou a viver em Cascais, e agora há a avenida Humberto II da Itália. Mas antes, houve um trisavô de Humberto II, que era o rei Carlo Alberto de Saboia, que nunca foi rei da Itália, que em 1849, numa viagem extremamente rápida pela época, veio de Turim até Porto e foi acolhido pelos cidadãos como “o rei do Porto”. E a sua vila, onde morou muito pouco, porque infelizmente morreu alguns dias depois da sua chegada, ainda se pode visitar, é o Museu do Romântico na Quinta da Macieirinha. A razão pela qual existem tantos Carlos Albertos em Portugal é por esta chegada do Carlo Alberto de Saboia. Como cláusula do tratado de paz entre o Reino de Sardenha e o Império Habsburgo, o rei Carlo Alberto, tão amigo dos liberais, tinha que ser exilado, e o filho dele, Vittorio Emanuele II, tinha que ser um novo rei.Turim, como já falámos, foi a cidade, a capital, a partir da qual se unificou finalmente a Itália. Porquê?Porque foi o único reino na Itália que, depois da derrota dos liberais nas guerras de 1848 e 1849, ficou liberal, como uma monarquia constitucional. E o rei Vittorio Emanuele II ficou conhecido como o “re galantuomo”, porque guardou a palavra dada pelo pai, Carlo Alberto, de manter o Estatuto Albertino, a primeira Constituição do Reino de Itália, que vai ficar até 1948.Portanto, é o reino liberal de Itália que lidera a unificação italiana?Exatamente, acolhendo refugiados políticos das outras partes da Itália, que não podiam exprimir-se livremente a favor da unificação de Itália ou de ideias liberais nos respectivos reinos. Voltando às partes da história onde Portugal e Itália se cruzaram, acho que também o período das explorações demonstra muito bem a inclusão dos navegantes italianos nos navios portugueses, às vezes mesmo com tarefas de liderança, graças aos conhecimentos que vinham aperfeiçoar em Portugal.Em Itália, há a noção que, por exemplo, Cristóvão Colombo viveu em Lisboa e que aprendeu muito de navegação em Lisboa, ou que, por exemplo, António da Noli era um italiano que descobriu Cabo Verde ao serviço do rei de Portugal?Isso, infelizmente, não é bastante estudado em Itália. Fala-se de Portugal nos nossos manuais da escola, precisamente sobre a altura das explorações marítimas, mas não se inclui bastante a intuição de Colombo dentro do conhecimento e das rotas já abertas pelos portugueses, tenho que admitir..Os italianos foram protagonistas nos Descobrimentos, e não só com Colombo.Uma última pergunta: quando um italiano ouve os portugueses falarem, no seu caso estudou a língua e a sua mulher ajudou, mas um italiano que chegue a Lisboa consegue perceber português ou esta língua latina já está tão afastada que é muito difícil perceber?Se um italiano chega a Portugal e não tem nenhum conhecimento, mas tem a oportunidade de ouvir falar durante uma semana, consegue perceber. É preciso pelo menos uma semana, porque antes ouve o português como russo, porque as vogais desaparecem, as consoantes ficam todas perto uma das outra e há muito “che”, então é completamente incompreensível a primeira vez. Mas após uma semana começa a entender o português. ."A Ópera é um tipo de espetáculo que foi concebido em Itália no final do século XVI"