"A Cristoforo Colombo, La Patria”, lê-se no pedestal da estátua que homenageia o descobridor da América, o mais célebre dos navegadores italianos, mas não o único. O monumento dedicado a Cristóvão Colombo é a primeira visão que quem chega de comboio a Génova tem da cidade que, em séculos passados, foi uma república marítima, tal como Veneza e também Pisa e Amalfi. E apesar de haver quem insista na origem portuguesa de Colombo, e também de recentemente ter surgido em Espanha a tese de que Colombo (ou Colón) era um judeu sefardita de Valência, essa origem genovesa está bem fundamentada.Eis a explicação do historiador José Manuel Garcia: “Colombo trouxe à Europa a notícia do seu descobrimento da América em 1492 quando chegou ao Restelo, em 4 de março de 1493. O cronista português Rui de Pina, que o terá conhecido, assinalou tal facto em 1504 ao referir: ‘Cristóvão Colombo, italiano, que vinha do descobrimento das ilhas de Cipango, e de Antilia.’ O seu contemporâneo Garcia de Resende reproduziu a mesma informação. Mais tarde o grande cronista João de Barros declarou que: ‘Segundo todos afirmam, Cristóvão Colombo era genovês de nação.’ Colombo, tendo nascido em Génova, em 1451, veio para Portugal em 1476, aqui tendo concebido o projeto de chegar a Ásia navegando para Ocidente. Como tal projeto não foi aprovado por D. João II ele dirigiu-se para Castela em 1485, onde começou por ser conhecido por ‘português’. Tal designação resultava do facto de ele ter vivido em Portugal durante dez anos e de então aí ter alcançado experiência nas navegações atlânticas, o que lhe permitiu a formação necessária para poder descobrir a América.”Em Génova, há ainda uma Casa de Colombo, que continua a atrair visitantes, e o navegador é também figura importante no Museu Marítimo da cidade, onde se conta a fortíssima ligação dos genoveses com o mar.Se foram os Reis Católicos, e nomeadamente Isabel, que confiaram em Colombo para a missão de 1492, descobrindo, ao serviço de Castela, um novo continente onde pensava ir encontrar a Ásia, foi, de facto, em Portugal que o genovês aprofundou o conhecimento de navegação e cartografia, e daqui terá navegado até ao Golfo da Guiné. Lisboa, cidade cada vez mais cosmopolita, estava então pejada de gente de várias nacionalidades, italianos também. E a relação com Génova era antiga, pois foi um almirante dessa república que D. Dinis contratou para fundar a Marinha Portuguesa, em 1317. Aliás, Manuel Pessanha, ou Emmanuelle Pessagno, ainda há dias foi referido como símbolo das relações luso-italianas pelo embaixador Claudio Miscia, numa cerimónia durante a escala em Lisboa do Trieste, o maior navio militar construído em Itália depois da Segunda Guerra Mundial. Pessanha foi igualmente referido pelo ministro da Defesa, Nuno Melo, numa recente visita de trabalho a Itália, o que diz bem do simbolismo dessa figura.Depois de Pessanha, serviram a Coroa Portuguesa muitos outros italianos, desde várias gerações da família Perestrelo (a que pertencia Filipa, que casou com Colombo), a António de Noli, descobridor das ilhas de Cabo Verde. E não esquecer que foi ao geógrafo veneziano Fra Mauro que D. Afonso V encomendou um mapa-múndi, provavelmente a pedido do Infante D. Henrique, ainda os Descobrimentos estavam muito no início. Veneza, pelos seus tradicionais laços mercantis e políticos com o Oriente, possuía informações várias sobre as Índias, devem ter alertado os italianos que trabalhavam para o Infante D. Henrique, como o navegador Alvise Cadamosto.Não foram, porém, só os reinos de Portugal e de Espanha que recorreram aos serviços dos marinheiros e cartógrafos italianos, sobretudo genoveses e venezianos, gente do Mediterrâneo, mas que se afoitou no Atlântico.“Giovanni Caboto (João Caboto), natural de Veneza, pôs-se ao serviço do rei inglês Henrique VII com o propósito de encontrar terras asiáticas no noroeste do Atlântico. Em 1497, ele partiu de Bristol e explorou terras do atual Canadá. Há a considerar, contudo, a possibilidade de ele ter sido orientado na viagem que então fez por um açoriano chamado João Fernandes Lavrador, que deu o nome ao território do Lavrador (no Canadá), como afirmam fontes castelhanas. Lavrador já lá teria ido com Pêro de Barcelos entre 1492 e 1495. O florentino Giovanni da Verrazano, tendo-se colocado ao serviço do rei francês Francisco I, explorou em 1524 a costa da América do Norte tendo em vista descobrir uma passagem que lhe permitisse chegar à Ásia, o que não aconteceu”, explica José Manuel Garcia, que acaba de publicar, na Presença, Muito Para Além do Mar - A Nova História dos Descobrimentos Portugueses. Garcia é igualmente biógrafo de Afonso de Albuquerque, Pedro Álvares Cabral e de Fernão de Magalhães. Outro marinheiro italiano que trabalhou para Portugal e para Espanha e por um acaso da História deu nome ao Novo Mundo, foi Amerigo Vespucci, ou Américo Vespúcio. Como explica José Manuel Garcia, “a História tem por vezes enormes paradoxos, sendo dois deles relativos à História da América. O primeiro consistiu no grande erro cometido por Cristóvão Colombo quando em 1492 descobriu a América, pensando que tinha chegado à Ásia. O segundo consistiu na circunstância de o nome dado ao novo continente ter sido América, o que aconteceu em 1507, quando o alemão Martin Waldseemüller assim o chamou num livro e num mapa que então publicou. Ele queria então homenagear Américo Vespúcio por alegadamente ter descoberto o novo continente, cometendo desta forma mais um erro. Com efeito aquele florentino limitara-se a navegar na América do Sul em navios castelhanos e portugueses, entre o final do século XV e o início do século XVI, tendo-se tornado conhecido por ter escrito e publicado cartas sobre essas viagens, as quais revelavam estar perante um novo mundo. De assinalar que foram os portugueses os primeiros a adquirirem, em 1501, a consciência de estarem perante um novo continente.”Vespúcio dá hoje nome ao navio-escola da Marinha Italiana, e América é nome que ninguém parece discutir, nem sequer aqueles que querem derrubar as estátuas de Colombo, atribuindo-lhe todos os males da colonização europeia, a começar pela escravização dos índios (não esquecer que o navegador pensou ter chegado às Índias, navegando para Ocidente). Mas têm os italianos de hoje, cidadãos de um país que só se unificou na segunda metade do século XIX, consciência do papel dos compatriotas na navegação atlântica? “Infelizmente não. Este papel dos italianos não é suficientemente desenvolvido nas escolas (nos livros escolares) e no contexto social. Diferente é a consciência académica onde este tema é amplamente abordado e bem desenvolvido”, afirma Mariagrazia Russo, reitora da Università degli Studi Internazionali de Roma. A académica, grande conhecedora da História de Portugal e dos Descobrimentos, diretora da Cátedra do Instituto Camões ‘Vasco da Gama’, não tem dúvidas de que os navegadores italianos ajudaram a moldar o nosso mundo: “Sem dúvida. Os italianos participaram muito ativamente na construção de um mundo diferente, mais amplo mas também mais em contacto.”Também em Portugal, apesar de a Marinha Portuguesa ter celebrado vivamente os sete séculos da sua fundação por Pessanha e de os discursos oficiais destacarem o facto, também este protagonismo dos italianos nos Descobrimentos não é conhecido de muitos, que veem naturalmente os espanhóis como a outra nacionalidade envolvida na gesta, por causa do Tratado de Tordesilhas.Mas academicamente é reconhecido, sublinha o historiador José Eduardo Franco: “O papel dos italianos nos Descobrimentos portugueses foi relevantíssimo, pois acrescentaram a qualidade e especialização tão necessária ao desenvolvimento técnico das ciências náuticas, como foram responsáveis pela produção de cronística que divulgou pela Europa as realizações portuguesas nas viagem de descobrimentos de novos caminhos marítimos transoceânicos. Não seria injusto afirmar que os italia- nos foram importantes protagonistas da História de Portugal na sua dimensão bem-sucedida e mais internacionalizante. Ainda está por fazer aquela que podemos chamar a ‘História Italiana de Portugal’. É um dívida que temos para com Itália e que é justo lembrar e reconhecer.” . José Eduardo Franco, professor catedrático na Universidade Aberta e autor de livros como O Mito de Portugal, sublinha o conhecimento náutico (e não só) que os italianos, desde logo a começar por Pessanha, ofereceram a Portugal, antes, durante e até depois dos Descobrimentos: “Diversos italianos tiveram, ao longo da nossa História, um papel discreto, mas muito relevante na qualificação de vários setores de atividade em Portugal. O setor da construção naval, da navegação e do comércio marítimo é um desses setores relevantes para os quais Itália dispunha de homens altamente qualificados, quer vindos dos Estados Pontifícios, quer das cidades-estado italianas com ampla experiência e conhecimento técnico nas artes náuticas e comerciais. Como também é relevante lembrar a vinda de professores e especialistas contratados pela corte, pelas universidades portuguesas e através das redes internacionais das ordens religiosas, nomeadamente através dos jesuítas, franciscanos e dominicanos, desde o dealbar da época moderna até ao Século das Luzes, os quais contribuíram para enriquecer o nosso ensino e desenvolver alguns setores da nossa ciência, em particular a astronomia.”Curiosa é a importância de Marco Polo como uma das fontes para os portugueses nos primórdios dos Descobrimentos, quando ainda não tinham chegado à Ásia. Neste seu recente livro, o historiador José Manuel Garcia relembra que o Infante D. Henrique tinha um exemplar da obra a descrever as viagens pela Ásia, na segunda metade do século XIII, pelo mercador veneziano, exemplar oferecido pelo irmão D. Pedro, que o trouxera de Veneza. E Vasco da Gama - e cito de novo o autor de Muito Para Além do Mar - levou para a sua segunda viagem à Índia, em 1502, uma edição portuguesa do livro de Marco Polo, impressa em Lisboa. .Mariagrazia Russo: “O mito de Vasco da Gama deve-se muito a Luís de Camões”.Da ponte do ‘Trieste’, o maior navio italiano, avista-se o azul do Tejo