Da ponte de comando do Trieste avista-se a zona ribeirinha lisboeta junto a Alfama, também ao longe Almada com o Cristo Rei, e depois ainda, no sentido da foz, a Ponte 25 de Abril. De olhos postos no Tejo, que se mostra, tal como o céu, de um azul magnífico nesta manhã de agosto, o comandante Francesco Marzi comenta a beleza de Lisboa, umas das cidades incluídas na primeira viagem do navio anfíbio polivalente Trieste, descrito como o maior navio de guerra construído em Itália depois da Segunda Guerra Mundial. E elogia o próprio Trieste, um produto italiano de excelência, construído no estaleiro naval de Castellammare di Stabia e finalizado no estaleiro naval de Muggiano. “Trata-se de tecnologia italiana. O navio foi encomendado a duas grandes indústrias, a Fincantieri e a Leonardo. A Fincantieri tratou da construção do navio e de todas as tecnologias relacionadas com o uso dos motores, geradores a diesel, e a automação do navio, etc. A Leonardo, basicamente, construiu os sistemas de combate do navio e o sistema de gestão que faz com que os diferentes sistemas comuniquem entre si e funcionem como um único sistema de combate”, explica num inglês impecável. Também descrito como um porta-helicópteros (ou LHD, na sigla inglesa, para Landing Helicopter Dock), o Trieste navega neste momento sem quaisquer aeronaves a bordo, pois está num período experimental, depois de ter entrado ao serviço no final de 2024. No futuro poderá até ter aviões a bordo, como acontece com o Cavour, o porta-aviões italiano. Na atualidade, a Marinha Italiana conta com dois tipos de helicópteros, o NH90 e oEH101. E em termos de asa fixa, os aviões propriamente ditos, tem vindo a substituir o Harrier AV2 Bravo pelos F-35. É um período de transição que pode durar uns 10, 15 anos, dependendo do cronograma de entrega dos F-35, explica o comandante Marzi, que acrescenta: “o ITS Trieste é um navio de assalto anfíbio, então a capacidade básica é transportar tropas e usar até helicópteros para apoiar as atividades em terra. Mas Itália tem apenas um porta-aviões, o ITS Cavour. Por isso, considerando o tamanho e o tipo de navio, a Marinha decidiu conceder-nos a capacidade de operação como porta-aviões alternativo. O que significa que, caso, por exemplo, o ITS Cavour seja imobilizado para manutenção, o que pode levar até meses, o ITS Trieste poderia operar com os F-35. É um processo longo, porque não se trata apenas de conseguir pousar e fazer com que descole. É uma questão de gerir o avião a bordo, todo o apoio logístico e assim por diante. Estamos a concluir as certificações. A previsão é de que sejam concluídas até final de 2026”.O ITS Trieste esteve três dias ancorado no Terminal de Cruzeiros de Santa Apolónia, e num deles aberto aos visitantes, que foram numerosos, mais de 5000. Houve também uma receção oficial a bordo, com o embaixador Claudio Miscia. É um navio que impressiona, pelo comprimento (245 metros) e também pela altura (são 19 metros só da linha de água até ao deck de descolagem). De dimensões semelhantes ao Cavour, tem, porém, uma tonelagem superior. E impõe respeito, além de admiração pelas suas linhas, ou não se tratasse de design italiano. Mas falta-lhe ainda receber o que em italiano se chama “bandiera di combattimento”, uma tradição, mas também uma certificação de que tudo no navio está operacional a 100% em caso de conflito.Esta viagem, que incluiu já passagens pelos portos de Toulon, em França, e de Málaga, em Espanha, é, pois, de teste. “O navio foi comissionado no final de 2024. E o primeiro ano é o que chamamos de período de garantia. Isso significa que a Marinha está a tentar usar o máximo possível o navio para verificar se tudo está a funcionar corretamente, porque nesse período, como quando se compra um carro, qualquer coisa que não funcione bem, o construtor conserta de graça. No final do ano, o navio retornará ao estaleiro para uma revisão geral. Isso levará alguns meses, basicamente durante o próximo ano. E nesse período, concluiremos também o dito processo de certificação para o emprego dos F-35. Então, em 2026, o navio estará praticamente indisponível para operação, pois estará estacionado”, diz Francesco Marzi. No caso do Trieste, este período experimental é ainda importante, “pois é o primeiro da sua classe, o que significa que não vimos navios do mesmo tipo antes. Não é como um segundo ou terceiro da mesma classe. Portanto, precisámos iniciar um programa de treino com o Comando de Treino da Marinha, que fica em Taranto. Participámos já do principal exercício da Marinha Italiana, o Mare Aperto, que acontece uma vez por ano, que decorreu de final de março até meados de abril deste ano. Depois participámos no principal exercício conjunto das Forças Armadas Italianas, chamado Joint Stars, realizado durante o mês de maio”. .Enquanto o comandante Marzi mostra à equipa de reportagem do DN várias zonas do Trieste, até uma sala de convívio onde se serve um autêntico café expresso, é possível ver que além da tripulação, empenhada em várias tarefas, a bordo está um grupo de cadetes. “Esta é a campanha de verão para os cadetes do primeiro ano. Normalmente, o cadete da Academia Naval Italiana passa o primeiro ano, a sua primeira experiência, a bordo do ITS Amerigo Vespucci. Mas o veleiro fez uma volta ao mundo, concluída em junho em Génova, de onde partira há dois anos. E agora está no estaleiro para a manutenção. Ainda assim, antes de embarcar no Trieste, os cadetes tiveram a oportunidade de passar um mês no Vespucci, na sua última etapa até Génova”, diz o comandante.Junta-se à conversa o tenente-comandante Simone Ceccolini, responsável pelos cadetes a bordo, 146 no total, 39 dos quais mulheres. “Esta é uma ótima oportunidade para estes cadetes terem esta experiência no Trieste, porque é única. Navegaram no Vespucci, o navio mais antigo da nossa Marinha, e agora estão no mais jovem. Durante o tempo no Vespucci, aprenderam a ser marinheiros. Ali testa-se o caráter, o trabalho em equipe. No Trieste podem dar-se ao luxo de lidar com a mais moderna tecnologia naval”, explica o responsável pela formação dos futuros marinheiros. Há também seis cadetes estrangeiros, no âmbito de um programas de intercâmbio: três da Líbia, um do Djibuti, um da Tunísia e um do Azerbaijão.“O Trieste é um navio muito grande. Podemos estudar para aprimorar os nossos conhecimentos e nos tornarmos futuros oficiais da Marinha Italiana. É um navio onde podemos ter uma preparação de 360 graus. No Vespucci, que é um navio antigo, aprendemos muitas tradições, importantes para a nossa formação”, diz a cadete Giulia Interlandi. Oriunda de Siracusa, na Sicília, a cadete Interlandi conta estar na Marinha por vocação pessoal. E que tem interesse pela geopolítica, e “fascínio pelo papel que a Marinha desempenha”.O comandante Marzi relembra que a Itália tem mais de 8000 quilómetros de litoral, e uma economia em que o mar conta muito, sendo não só uma velha nação marítima, herdeira nessa matéria das repúblicas de Veneza, Génova, Amalfi e Pisa, mas tendo também que responder hoje a uma geopolítica que exige ação a nível global: “é por isso que, por exemplo, realizamos muitas operações ao redor do mundo, como no Golfo da Guiné, onde há interesses nacionais a defender, mas isto pode ser percebido como algo distante e, às vezes, não fica claro para a maioria da população qual a ligação entre operar navios da Marinha Italiana lá longe e os benefícios no país. Mas, na verdade, existe. Agora, descobrimos com a situação geopolítica a importância dos cabos submarinos. Estamos a conduzir operações para tentar proteger toda a infraestrutura submarina para troca de dados, por exemplo, caso haja interrupção da conexão com a internet. Hoje em dia, muito se opera por cabos submarinos. Será um problema para a economia se houver interferências. Também temos de defender os gasodutos submarinos. Então, basicamente, considerando o mar na sua conceção geral, digamos, este traz muita coisa, em especial a um país como Itália. E também temos que considerar que, na verdade, nós, como seres humanos, sabemos muito mais sobre a Lua do que sobre o que acontece no fundo do mar. Então, até para explorar novos recursos há que investir no mar”..“Capacidade integrada de defesa aérea e antimíssil é essencial na postura de dissuasão da NATO".Sendo um navio de guerra, o Trieste está preparado também para ações de paz, e equipado nesse sentido. A própria expressão polivalência o diz, como explica o comandante Marzi, que nos mostra agora as instalações médicas do navio italiano. “O Trieste tem três capacidades. A primeira é a capacidade anfíbia. A segunda é a capacidade de transporte alternativo. A terceira é a capacidade médica. O navio tem a bordo um hospital de 700 metros quadrados com duas salas de cirurgia, capacidade de diagnóstico, tomografia computadorizada, laboratório de análises médicas, etc. A ideia é a Marinha estar preparada, como aconteceu no passado, em caso de operações de socorro em zonas de desastre. Por exemplo, quando houve um grande terremoto no Haiti, em 2010, enviámos o Cavour, que tem uma capacidade médica semelhante à do Trieste. Mais recentemente, o ITS Vulcano chegou muito perto da Faixa de Gaza para prestar assistência à população. A ideia é ter uma área capaz de fornecer até mesmo assistência médica muito específica e avançada. Obviamente, se ativarmos a área médica, precisaremos embarcar toda a especialização necessária, como cirurgiões e anestesistas. A Marinha Italiana está pronta para ser acionada, porque, quando a necessidade de socorro em caso de desastre acontece, não há tempo para nos prepararmos. Basta ser chamado, ir lá e agir. Portanto, é só uma questão de tempo mínimo para embarcar pessoal médico, que pode ser da Marinha, das Forças Armadas, mas também de organizações civis”, explica o comandante do Trieste enquanto mostra no navio salas impecáveis, equipadas com o que de mais moderno há na tecnologia médica, como se de um novíssimo hospital em terra se tratasse. É a pensar no eventual embarque de pessoal médico, também nos cadetes, ou na própria Brigada São Marcos, os fuzileiros italianos, assim como nos pilotos e mecânicos dos aviões e helicópteros, que o Trieste tem acomodações para 1064 pessoas, apesar de a tripulação ser de 438. “Na última parte da campanha de verão, participaremos num exercício anfíbio no Egito, no início de setembro. Nessa ocasião, embarcarei um batalhão da Brigada de São Marcos. Teremos assim a bordo em simultâneo os cadetes e a Brigada de São Marcos. E é por isso que temos mais acomodações do que o número de tripulantes”, sublinha o comandante do maior navio italiano, um colosso náutico, já de volta ao deck, onde volta a elogiar o azul do rio, e a destacar a ligação de Lisboa às grandes descobertas marítimas.A acompanhar a visita ao Trieste nesta escala em Lisboa está o adido de Defesa adjunto da embaixada de Itália, Giuseppe Radicchio, que já tinha, ainda no cais, comentado com a dupla de repórteres do DN que a relação histórica no mar entre portugueses e italianos é estreita. E conhecida! Pois, destaca o capitão de mar e guerra Radicchio, é comum ser referido que Cristóvão Colombo, genovês, viveu e trabalhou em Lisboa antes de descobrir a América ao serviço de Espanha; ou que Américo Vespúcio, o florentino que dá nome ao novo continente descoberto em 1492, também serviu a Coroa Portuguesa; e sobretudo que o fundador da Marinha Portuguesa foi o genovês Manuel Pessanha, ou Emanuele Pessagno.Mesmo sendo inverno, quão belo estaria o Tejo naquele dia 1 de fevereiro de 1317 em que o italiano Pessanha entrou ao serviço de D. Dinis como almirante-mor do reino de Portugal?.A bordo do Tourville. Submarino nuclear de ataque francês passou por Lisboa a caminho das “águas frias”