"A Ópera é um tipo de espetáculo que foi concebido em Itália no final do século XVI"
É justo dizer que a Ópera é sinónimo de Itália, apesar de haver grandes óperas em alemão, francês, russo e até checo?
Dizer que Ópera é sinónimo de Itália poderá suscitar a ira de muita gente, por exemplo, dos wagnerianos, e não quero correr riscos. Pode parecer estranho, mas as claques do século XIX existem ainda hoje. Sem dúvida podemos dizer que a ópera, tal como a conhecemos, é um tipo de espetáculo que foi concebido em Itália. No final do século XVI, em Florença, alguns intelectuais respaldados por mecenas aristocratas tentaram recriar aquilo que achavam que podia ser o teatro grego antigo, um género que juntava poesia e música. Descobriram algo totalmente novo, que mais do que um passado teria um futuro radioso. Depois, muito mais compositores, em toda a Europa, reinventaram à sua maneira aquela invenção primeira.
Que grandes compositores italianos destacaria para um principiante da Ópera?
Giuseppe Verdi tem tudo: melodias encantadoras, orquestrações e ritmos arrasadores, choque violento de paixões, histórias que atravessam épocas e ambientes diversos: desde a Idade Média mais belicosa até aos dramas burgueses mais íntimos. Naturalmente há mais compositores com essas caraterísticas, a começar por Puccini, claro. Mas Verdi é Verdi. E não é preciso ser um especialista, mas só deixar-se andar.
Há alguma obra que lhe seja pessoalmente muito especial?
La traviata. É uma ópera perfeita tanto na música como na dramaturgia, mas é também uma história extraordinariamente moderna: as subtilezas psicológicas com que Germont consegue convencer Violetta a separar-se de Alfredo podiam entrar, hoje mesmo, num diálogo cinematográfico. A nossa sociedade não tem menos preconceitos, tem outros. E depois há o tema da doença, que será sempre atual enquanto o ser humano for mortal. Em Paris, houve uma mulher jovem e bela que morreu há quase dois séculos abandonada por todos. Foi como um astro que ardeu depressa, mas deixou um rasto de luz. Esta luz acende-se todas as noites em que La traviata é representada, num teatro qualquer do mundo. É como uma missa laica, porque, como a missa para um crente, a cada representação repete o sacrifício de uma vítima antiga.
La Scala em Milão e Teatro de L’Opera em Roma são experiências a não perder?
São teatros lindos e, cada um à sua maneira, únicos. Mas em Itália há teatros bonitos e surpreendentes em todo o lado. Às vezes funciona lindamente a operação de levar a ópera para fora dos teatros, em outros “palcos naturais”. Por exemplo, tenho uma recordação saudosa de uma das primeiras Bodas de Fígaro a que assisti, nos anos da Faculdade, no claustro de um convento recém restaurado na minha cidade, Lecce.
As óperas na Arena de Verona são mais espetaculares, mas menos autênticas?
Confesso que nunca vi nada em Verona e, por isso, partilho essa ideia de serem talvez espetáculos “menos autênticos”. Mas isso acaba por levar-nos para outra reflexão: o que é um espetáculo autêntico? Acredito que se eu fosse à Arena de Verona mergulharia na magia daquele espetáculo sem grandes resistências.
Óperas filmadas e filmes baseados em óperas. Que tradição há em Itália?
Curiosamente, quando penso em filmes/óperas que me deixaram uma marca penso em dois trabalhos realizados por artistas não italianos: o Don Giovanni de Joseph Losey, que de Sevilha foi trasladado para Veneza, e uma Carmen minimalista e deliciosa de Peter Brook. Mas desde sempre existe a tradição de gravar e deixar um testemunho da obra de arte evanescente por excelência: o teatro. Filmes/óperas há muitos, talvez não sejam todos particularmente memoráveis nem do ponto de vista cinematográfico, nem do ponto de vista teatral, porque são produtos que vivem entre dois mundos, mas são obras certamente interessantes. A grande novidade agora é o streaming, isto é, mostrar a ópera em direto em todo o mundo, como um evento desportivo. Isso muda a forma de pensar a encenação teatral e a realização audiovisual. Também para os cantores é um desafio novo, como o cinema representou um desafio novo para os velhos atores de teatro.
Associado à próxima Festa do Cinema Italiano também haverá em Lisboa óperas exibidas no cinema. Qual será a primeira e quando?
As óperas apresentadas nas salas de cinema do El Corte Inglês são: La forza del destino (12/04) de Giuseppe Verdi, com a direção musical de Riccardo Chailly e a encenação de Leo Muscato; La rondine (14/04) de Giacomo Puccini, com a direção musical de Riccardo Chailly e a encenação de Irina Brook (a filha do grande Peter Brook); La traviata (16/04) de Verdi, com a direção musical de Daniele Gatti e a encenação/realização de Mario Martone, ótimo encenador e realizador napolitano cujos filmes o público português bem conhece. Esta terça-feira vamos conversar em Lisboa sobre estes temas com o público e vamos apresentar a programação no “Âmbito cultural” do El Corte Inglês, às 18:30.