Ambos lideram com poderes cada vez mais reforçados países que não primam na defesa dos valores do Estado de direito das democracias liberais e que nos últimos tempos multiplicam sinais de que poderão invadir territórios sobre os quais não escondem pretensões. Xi Jinping e Vladimir Putin reúnem-se hoje em videoconferência, uma semana depois de Joe Biden ter confrontado o homólogo russo, e um dia depois de o secretário de Estado norte-americano ter instado Pequim a deixar as "ações agressivas" no Indo-Pacífico. O porta-voz do presidente russo confirmou que entre os temas internacionais a discutir, irá estar "a retórica extremamente agressiva da NATO e dos Estados Unidos"..A reunião virtual é a segunda este ano, depois da ocorrida em junho, quando os países da Aliança Atlântica comprometeram-se em enfrentar as ameaças não só da Rússia mas também da China. De então para cá a retórica inflamou-se e culminou na recente bofetada de luva de pelica do presidente dos Estados Unidos Joe Biden a líderes autocratas, com a realização da cimeira da democracia. No domingo, os chefes da diplomacia do G7 condenaram "a escalada militar da Rússia e a retórica agressiva em relação à Ucrânia", o mais recente de vários avisos a Moscovo..No que respeita à China, o secretário de Estado norte-americano, ao discursar na Indonésia, durante a primeira viagem pelo sudeste da Ásia, declarou que os EUA irão "proteger o direito de todos os países em escolher o próprio caminho, livre de qualquer pressão ou intimidação". Disse ainda Antony Blinken: "Há muita preocupação, do nordeste asiático ao sudeste asiático e do rio Mekong às ilhas do Pacífico, pelas ações agressivas de Pequim.".Twittertwitter1470704367472984068.O regime chinês não tardou pela resposta, com o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros a pedir a Washington para "não traçar linhas ideológicas, formar cliques, ou provocar confrontos de grupo"..Wang Wenbin, o porta-voz, disse ainda que na reunião entre Xi e Putin estes "farão uma análise completa das relações e da cooperação sino-russa em vários domínios este ano", e que irão lançar "projetos de alto nível para o desenvolvimento das relações bilaterais". Mais vago seria difícil. Valeu que, mais tarde, o porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov disse algo de substantivo. "Vão trocar pontos de vista sobre assuntos internacionais. Os recentes desenvolvimentos, especialmente no continente europeu, estão agora muito tensos e isto requer em definitivo uma discussão entre os aliados, entre Moscovo e Pequim", disse..Além disso, queixou-se de "uma retórica muito agressiva tanto da NATO como dos EUA", o que também "precisa de ser discutido", segundo Peskov..As táticas dos dois homens fortes da China e da Rússia podem não ter sido aprendidas pelo mesmo manual - o conflito fronteiriço sino-soviético de 1969 está aí para prová-lo -, mas na essência Xi Jinping e Vladimir Putin partilham um propagandeado desígnio de restituir a cada país uma mítica glória passada..O dirigente chinês reafirmou o papel do Partido Comunista como a solução para todos os problemas, pôs em prática um ambicioso plano de "grande rejuvenescimento", em paralelo ao crescimento económico que já se verificava há anos, fruto da inaudita aliança do capitalismo a um partido comunista..Esse rejuvenescimento passou por um propalado combate à corrupção, mas também à contínua repressão de opositores individuais ou de massas, como a população muçulmana em Xinjiang ou os pró-democratas de Hong Kong. Também pela modernização do aparelho militar e pelo programa bilionário de investimentos em infraestruturas no estrangeiro (Uma faixa, uma rota), os quais foram acompanhados pela diplomacia do "lobo guerreiro". A apropriação de atóis e posterior construção de bases militares no mar do sul da China, a constante ameaça a Taiwan, ou o conflito fronteiriço com a Índia demonstram uma crescente agressividade..Vladimir Putin, o homem providencial que ascendeu no caos pós-soviético, fez uso dos ensinamentos de agente do KGB e da rede de poder dos serviços secretos para construir um aparelho apoiado nas fortunas dos oligarcas e no fortalecimento militar. O incipiente processo de democratização foi revertido e há muito que o líder não tem um adversário. Meses depois de ter exposto o seu palácio à beira do mar Negro, o seu inimigo de estimação, o nacionalista Alexei Navalny, cumpre pena de prisão. Este foi agraciado com o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu..E por falar em Sakharov, em mais um sinal de perseguição a tudo o que possa não fazer parte do discurso oficial, a organização de defesa dos direitos Memorial, fundada por aquele físico nuclear está ameaçada de dissolução. Nas relações externas, depois de ter visto o Báltico e os Balcãs saírem da esfera de influência (exceto na Sérvia e na Bósnia) Putin não se deteve em tomar regiões da Geórgia ou da Ucrânia por interpostas repúblicas ou pela anexação. E Kiev continua a ser o pomo da discórdia com os países da UE e da NATO, com o russo a exigir garantias de que os ucranianos não acedam à organização de defesa..Poder É o secretário-geral do Partido Comunista Chinês desde 2012. No ano seguinte sucedeu a Hu Jintao na presidência do país. Em 2018, foi aprovado o fim da limitação de mandatos, pelo que pode em teoria manter-se no poder até ao fim da vida..Como primeiro-ministro ou chefe de Estado, tem as rédeas do Kremlin desde 1999. Em 2020, os russos aprovaram em plebiscito alterações constitucionais que lhe permitem concorrer a um quinto e sexto mandato, ou seja, até 2036..Família Quando nasceu, há 68 anos, o pai era chefe da Propaganda do Comité Central, mas mais tarde foi vítima da revolução cultural de Mao Tsé-Tung. Xi filho foi enviado para o campo, quando tinha 16 anos, e aí passou sete anos. É casado com a popular cantora Peng Liyuan e têm uma filha..Nasceu no pós-guerra, há 69 anos, mas marcado pelo conflito (pai gravemente ferido em combate, irmão e avós mortos). Foi casado com Lyudmila Putin durante 30 anos e dessa relação nasceram duas filhas. Manterá uma relação com a ex-ginasta Alina Kabaeva, com a qual terá três filhos..Percurso Estudou engenharia nos anos 70 e em 2002 obteve o doutoramento em direito e ideologia. Percorreu vários postos do PCC até que, também em 2002, ascende ao comité central. Em 2008 é designado vice-presidente..Formado em direito, entrou para o KGB em 1975 e saiu em 1991, após o golpe falhado contra Gorbachev. Já após ter iniciado a carreira política na São Petersburgo natal, foi diretor do FSB, sucessor do KGB, altura em que rapidamente ascendeu ao governo e depois à presidência..Ideal O seu pensamento, que recupera Confúcio, está no preâmbulo da constituição, e o PCC declarou-o "essência da cultura chinesa", ao lado de Mao..Saudosista da União Soviética, Putin é nacionalista e conservador..cesar.avo@dn.pt