Um jantar que terminou "de forma escabrosa". A história de Diana e Iuri e de como mataram Amélia
Dia 1 de setembro de 2018. Diana Fialho, 23 anos, e o marido, Iuri Mata, 27 anos, sentaram-se à mesa do jantar com Amélia Fialho, 59 anos, mãe adotiva de Diana. A noite começou de forma tradicional, mas terminou "de forma escabrosa e com requintes de barbárie". Pouco depois da refeição, a professora de Físico-Química na Escola Secundária Jorge Peixinho dormia por ter tomado, sem saber, medicação para ter sono. Seguiram-se vários golpes desferidos pelo casal na cabeça de Amélia com um martelo.
Tudo isto ficou provado em tribunal, esta segunda-feira. Diana Fialho, adotada por Amélia ainda em criança, foi condenada a 24 anos de prisão e perdeu o direito à herança da mãe e Iuri Mata a 23 anos de cadeia. Ambos por homicídio qualificado e por profanação de cadáver. Embora o procurador do Ministério Público tenha pedido a pena máxima, 25 anos de cadeia, sem atenuantes, tendo em conta que o crime foi premeditado.
A descrição dos factos foi dada como provada pelo tribunal.
Diana e Iuri planearam aquele fim de noite de sábado. No entanto, não o suficiente para ocultarem os passos dados. Deixaram um rasto de migalhas atrás de si. Envolveram Amélia na manta do animal de estimação desta e levaram o corpo, no elevador do prédio, até à bagageira do carro estacionado na garagem do prédio, contando somente com a sorte para não serem vistos. Entraram na viatura e seguiram para uma bomba de gasolina, onde Iuri pagou por um garrafão de cinco litros de combustível e, a seguir, Diana comprou um isqueiro, sob a vigilância das câmara que se encontravam no local. A gasolina servia para atear fogo ao cadáver pouco tempo depois num terreno agrícola em Pegões, no concelho de Montijo, no quilómetro 38.5 da Estrada Nacional 4.
Na mesma madrugada seguiriam ainda até à Ponte Vasco da Gama, de onde atiraram os óculos, a carteira, já sem documentos, e o martelo usado para matar Amélia ao rio Tejo. E regressariam a casa desta, onde viviam os três desde 2014, ano em que Diana e Iuri se casaram. Antes mãe e filha viviam sozinhas e, segundo o testemunho dado em tribunal de pessoas próximas, mantinham uma boa relação. Os conflitos terão começado com a chegada de Iuri. Diana e Amélia passaram a discutir frequentemente e a primeira chegou a agredir fisicamente a mãe por mais do que uma vez. Numa dessas situações, Amélia apresentou queixa à polícia da filha por maus tratos. A origem da maior parte dos contitos seria comum: dinheiro. O casal era sustentado por Amélia, mas queria mais dinheiro.
Não é possível dizer quando é que a ideia nasceu ou quem a sugeriu. Até porque durante todo o julgamento os réus mantiveram o silêncio sobre a morte de Amélia, apenas aceitando falar sobre o seu quotidiano no estabelecimento prisional e pouco mais. Mas o relatório sobre os equipamentos informáticos do casal confiscados pelos inspetores mostram que a vontade estava lá. O histórico de pesquisas do computador de Iuri revelava informações sobre o local onde o corpo de Amélia foi encontrado, a bomba de gasolina, sobre "como rastrear telemóvel mesmo com GPS desligado" ou sobre medicamentos para dormir.
Provas que motivaram a reabertura da audiência, a pedido das duas advogadas de defesa, que pediram os dias previstos na lei para analisar este relatório chegado ao tribunal apenas um dia antes da sentença, inicialmente agendada para o dia 19 de junho. A audiência foi reaberta esta segunda-feira e a sentença produzida passadas poucas horas.
O juiz responsável pelo caso, Nuno Salpico, considerou que o casal atuou "sem respeito pela vida da vítima", tendo agido "com frieza de ânimo". O homicídio "era um projeto que já existia", declarou o magistrado, durante a leitura da sentença. Tudo acusações que a defesa negou durante o julgamento, tendo pedido a absolvição do casal por considerar que não foi provada a participação no crime. As duas advogados preparam-se agora para interpor recursos - no plural - à decisão do Tribunal de Almada.
Chegados a casa, Diana e Iuri desempenharam o papel da filha e do genro que dão pela falta da mãe/sogra. No dia seguinte, dirigiram-se à esquadra da polícia, acompanhados por uma amiga e ex-colega de Amélia, para comunicar o desaparecimento da professora de Físico-Química. Mas já na altura não pareciam, segundo o testemunho da professora reformada prestado no tribunal, encarnar a personagem com talento. Diana terá perguntado de imediato à polícia como é que teriam acesso aos bens da mãe adotiva: "Se ela tiver mesmo desaparecido, agora como é que chegamos às coisas dela?".
Também nas redes sociais espalhou mensagens sobre o desaparecimento de Amélia, dando conta de que a viram sair de casa, sem saber para onde se dirigia, e desde então não respondia a telefonemas. "Avisou que iria sair e desde então que não temos notícias dela. O telemóvel encontra-se desligado e não há meio possível de contacto", escreveu no Facebook. Onde ia também respondendo às ofertas de ajuda das pessoas que conheciam a mãe. Num comentário à mesma publicação respondia: "A minha mãe jantou em casa comigo e o meu marido e depois avisou que iria sair depois do jantar, mas não sabemos onde nem com quem".
O corpo foi encontrado quatro dias depois do homicídio pelo proprietário do terreno onde o cadáver foi queimado. Nuno Caseiro contou ao tribunal que recebeu um telefonema da GNR na quarta-feira da mesma semana, em que os agentes lhe perguntavam se tinha feito uma queimada no domingo à noite. Foi nessa altura que Nuno Caseiro ficou a saber que havia dias os bombeiros tinham estado no seu terreno a apagar as chamas de um incêndio. Estranhou. Tinha o terreno lavrado. Por isso deslocou-se até ao local, onde encontrou um corpo carbonizado.
A inspetora da Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal Fátima Mira fez a correlação com o desaparecimento que havia sido comunicado dias antes. A autópsia confirmou a suspeita: o corpo era o de Amélia Fialho. E a investigação mudou de direção: como é que Amélia chegou até ali?
A PJ levou apenas 36 horas a chegar a Diana e Iuri. Mesmo assim, Diana ainda teve tempo de contar a sua versão dos acontecimentos à comunicação social. Ainda sem saber que o corpo da mãe adotiva tinha sido recuperado, mas já depois de isto ter acontecido, a filha manifestava, em entrevista à CMTV, a sua preocupação. "Vimos a chave do carro em cima da mesinha. A nossa preocupação foi no domingo ao almoço porque, às 9.00 da manhã, ela vai sempre à missa e não voltou", dizia na altura.
Poucas horas passaram entre a entrevista e a chegada da polícia a casa de Amélia, onde o casal se encontrava, de acordo com Fátima Mira. A roupa que vestiam e os sapatos que calçaram na noite de 1 de setembro ainda cheiravam a lixivia, os documentos identificativos de Amélia tinham sido enrolados em papel higiénico e colocados na sanita. E havia sangue percetível a olho nu, que mais tarde se viria a confirmar ser da professora, na roupa e nos sapatos do casal, no teto, no corrimão, numa máquina de costura e no porta bagagens do carro.
Diana Fialho, atualmente no Estabelecimento Prisional de Tires, e Iuri Mata, no do Montijo, foram detidos e presentes a tribunal a 7 de setembro de 2018, quando ficou decidido que ficariam em prisão preventiva. Apesar, de o julgamento só ter começado no dia 4 de junho deste ano.
Na altura da detenção, Iuri terá, segundo a inspetora, confessado o crime. Durante o interrogatório inicial, o jovem indicou ainda aos inspetores que utilizaram um martelo para por fim à vida de Amélia, que atiraram posteriormente ao rio Tejo, para além de ter identificado a bomba de gasolina onde adquiriram o combustível e o isqueiro.
À semelhança da detenção também o processo judicial não foi demorado. O julgamento teve quatro sessões. E mesmo com o adiamento da sentença, por causa do relatório sobre as perícias informáticas, a sentença foi conhecida no mesmo dia em que foi reaberta a audiência. "Não vejo necessidade de ver o julgamento prolongado por muito mais tempo", afirmou o juiz Nuno Salpico.
Para o magistrado, a "prova é exuberante" e não houve "qualquer dúvida" na decisão.