Ucrânia sobre Mário Machado: "Não queremos este tipo de pessoas no nosso país"
"A ausência de condenação por crimes, comprovada através do registo criminal, é um dos critérios chave para a aceitação de candidatos na Legião Internacional de Defesa Territorial das Forças Armadas da Ucrânia. A pessoa que refere não pode ser aceite."
A afirmação é do coronel Sergii Malyk, adido militar da Embaixada da Ucrânia em França e, segundo esclarecimento da embaixada deste país em Portugal, o responsável a quem as perguntas do jornal sobre os critérios de admissão de combatentes estrangeiros e o caso do cadastrado nazi Mário Machado devem ser endereçadas (a representação diplomática em Lisboa não tem adido militar).
Em conversa telefónica esta terça-feira, Malyk assegura que o nome de Machado será transmitido "a todos os serviços" e agradece a informação. "Se sabem de pessoas deste tipo que queiram ir para a Ucrânia digam. Não queremos indivíduos deste género no nosso país." E acrescenta, no mail que a seguir envia ao jornal : "Queremos impedir a infiltração de elementos criminosos e não confiáveis na Ucrânia e nas suas Forças Armadas."
Recorde-se que se soube, esta sexta-feira, que o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa deferiu o pedido de Mário Machado - condenado, no passado, a mais de 10 anos de prisão por diversos crimes, incluindo ofensas à integridade física, discriminação racial e posse de arma proibida, e em novembro de novo detido por este último crime - de levantamento da medida de coação de apresentação quinzenal, que lhe havia sido aplicada, para "ir para a Ucrânia prestar ajuda humanitária e, se necessário, combater ao lado das tropas ucranianas".
Esta decisão da juíza Catarina Vaz Pires fundamenta na "situação humanitária vivida na Ucrânia" e nas "finalidades invocadas pelo arguido para a sua pretensão" a "atenuação das exigências cautelares" que determinaram a aplicação da medida de coação. Essa atenuação, porém, apenas vale "enquanto o arguido estiver no estrangeiro, designadamente na Ucrânia"; em Portugal a magistrada considera manterem-se "os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas", pelo que obriga o arguido a manter as apresentações quinzenais.
Como o DN noticiou esta sexta-feira, o Ministério Público vai recorrer desta decisão, mas o recurso não tem efeito suspensivo, o que quer dizer que Machado pode sair do país pelo tempo que entender - o despacho da juíza não estabelece qualquer prazo para o seu regresso.
Mantendo-se todavia a medida de coação básica - o termo de identidade e residência, automático para qualquer arguido - Machado terá de indicar ao tribunal uma morada na qual possa ser contactado.
A informação divulgada pela Ucrânia sobre os passos a seguir por estrangeiros que queiram participar na defesa contra a invasão prescreve que estes devem dirigir-se à embaixada do país de origem, "fisicamente, por telefone ou email", apresentando documentos - passaporte válido, registo de serviço militar e participação em combate, "entre outros" - ao que se seguirá uma entrevista com o adido militar.
O DN quis saber, junto da embaixada da Ucrânia em Portugal, se Mário Machado preenche os requisitos necessários e se apresentou a sua candidatura.
"Quem quer participar e lutar contra a Rússia no nosso território é bem-vindo. Estão a matar as nossas crianças", começa por dizer o diplomata que em nome da embaixadora Inna Ohnivets responde ao jornal. "E há muitos portugueses que querem participar, temos recebido muito apoio."
Chamando a atenção para o decreto exarado pelo presidente Volodymyr Zelensky a 28 de fevereiro, ao quarto dia de invasão da Ucrânia pelas Rússia, isentando os voluntários estrangeiros (com a exclusão de nacionais russos) que queiram participar na defesa do país da necessidade de visto, sublinha no entanto que qualquer candidato às forças armadas ucranianas tem de, à imagem do que sucede em Portugal, apresentar o registo criminal.
Sobre Mário Machado e os critérios de aceitação de estrangeiros na defesa territorial da Ucrânia, o citado diplomata remete, como mencionado, para o adido militar da embaixada em França. Ainda assim, assegura: "Já estamos ao corrente dessa situação. Parece-nos que é uma questão antes de mais portuguesa, porque se trata de um português, e se é uma pessoa perigosa cabe a Portugal tomar medidas. Mas penso que alguém que tem os crimes mencionados no cadastro não pode entrar nas nossas forças armadas. Não é qualquer pessoa que pode servir o nosso país."
Como já referido, o adido militar em França, coronel Sergii Malyk, confirma as informações adiantadas pela embaixada da Ucrânia no nosso país: cadastrados não podem ingressar na legião criada para estrangeiros. Mas não explica como decorre o processo de eliminação no caso de Portugal, onde não existe adido.
As questões do DN sobre a quem, e em que momento, são apresentados os documentos exigidos, incluindo o registo criminal - se submetidos por um português, serão nessa língua, o que implica a capacidade de quem os vai avaliar de a compreender - não são respondidas.
Do mesmo modo, a pergunta "que estão as autoridades ucranianas a fazer para assegurar que criminosos e extremistas perigosos como Mário Machado não aproveitam a situação do país para ter acesso a armas e cometer crimes" fica sem resposta.
O coronel ucraniano é ainda assim taxativo quanto à afirmação, atribuída nos media portugueses a Mário Machado, de que este terá partido de Portugal esta segunda-feira, com outros prospetivos combatentes, para se juntar a uma milícia de extrema-direita na zona de Lviv: "Isso não é possível. Não pode juntar-se a milícia nenhuma. Não, não, isso não acontece."
Não explica o porquê da impossibilidade, porém. E invoca a guerra como motivo para não dizer mais sobre como a Ucrânia lida com o fluxo de estrangeiros que, respondendo ao apelo de Zelensky, a demandam para participar na luta: "Não podemos dar mais informação porque tem a ver com a segurança do nosso país, que está em guerra e a combater o agressor russo."
"Glória à Ucrânia!", grita a última linha do email.