Mais 2 anos e 9 meses. Juiza dá lição de vida a ex-líder skinhead
Mário Machado ia sair em liberdade condicional mas acabou condenado a mais tempo de prisão por um crime que cometeu a partir da cela
Mário Machado entrou na sala de audiências aparentemente convencido de que iria sair da prisão. Altivo e inconformado com o facto do processo que o levara ali - um crime de extorsão tentado cometido a partir da prisão contra antigos membros do movimento neonazi Portugal Hammerskins (PHS) - ter impedido que saísse em liberdade condicional este mês, depois de cumprir parte da pena de sete anos e dois meses a que tinha sido condenado em 2010.
Prometeu aos jornalistas que falaria com eles no final, mas acabou por sair sem prestar declarações. As última palavras que se lhe ouviram, de cabeça baixa, foram para a juíza, depois desta lhe ter lido a sentença (mais dois anos e nove meses de prisão) e de lhe ter dado, provavelmente, a maior lição de vida que jamais ouvira. "Sim, tem razão, tem razão", anuiu para a magistrada.
Filipa Rodrigues, com pouco mais de 30 anos, não se limitou a ler mecanicamente a sentença. Explicou-a minuciosamente a Mário Machado, fê-lo recordar o seu passado, os anos que já passou na prisão, a vida de violência, até a legitimidade dos seus ideais nacionalistas ("mas uma luta de ideais, não de violência",assinalou), para depois falar nas suas "qualidades", na sua família, nos seus filhos e "na capacidade que até o tribunal reconheceu, de ser afetuoso".
A juíza disse acreditar que o ex-líder skin, de 39 anos - que teve a sua primeira condenação há quase 20 anos por agressões a seis negros no bairro alto, no mesmo grupo que assassinou no mesmo dia Alcino Monteiro - estava a esforçar-se para mudar a sua conduta e que já tinha dado sinais, embora ténues, desse esforço, depois de tantos anos de prisão. "Sr. Mário Machado pode ser que haja alguma hipótese de recuperação, uma pequena semente de esperança", disse a magistrada sempre a olhar para o antigo dirigente da Frente Nacional.
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Machado ouvia imóvel e em silêncio, mãos atrás das costas. Tinha vestidas calças de ganga e uma camisa branca deixando a espreitar no pescoço as suas tatuagens. "Todos os factos, testemunhos e provas foram milimetricamente analisados", assinalou Filipa Rodrigues, explicando que os motivos que a levaram a atenuar a pena (podia ter sido 10 anos). "Acredito que haja aqui um possível processo de recuperação, mas parece-me que está ainda numa fase muito inicial e precisa de uma prevenção especial. Não está ainda em condições de voltar aos sítios onde pode vir a cometer crimes", justificou a juíza. Lembrou a Machado que dias antes, numa das sessões do julgamento, quando questionado se seria capaz de não recorrer à violência quando fosse libertado, respondeu que não podia garantir isso e que ia "dançar conforme a música". É por isso, disse, que o ex-líder skin tinha de voltar à prisão.
"Aproveite o tempo para refletir. Já fez um curso de direito (na cadeia, faça agora um mestrado ou uma pós graduação mas, principalmente pense no que quer para a sua vida e para a dos seus filhos. Já percebeu que está sempre na mira das autoridades", afirmou.
A carta ameaçadora
A magistrada leu linha a linha, incluindo as muitas asneiras, a carta ameaçadora que Mário Machado mandou entregar a Rute Pereira, companheira de Bruno Monteiro, antigo colega de Mário Machado no PHS. "Como se a ameaça de morte não bastasse Sr. Mário Machado ainda teve a perversidade de dizer que o faria na frente dos filhos...", salientou Filipa Rodrigues. Esta carta, escrita em janeiro de 2014, foi a peça chave para a sua decisão.
"Considero-te a inimiga número 1, colaboradora do Ministério Público, fizeste-me uma emboscada com a Cândida Vilar (procuradora do MP titular de algumas dos inquéritos-crime sobre Mário Machado) em Saldanha, pois levaste-me ali para que eu a insultasse e denunciaste-me. (...) Vou sair em liberdade em breve e juro pelos meus filhos que és a pessoa que mais odeio e vão-te matar à frente dos teus filhos, juro pela minha saúde, sua informadora de merda se não entregares 30 mil euros ao Joãozinho (João
Dourado, skinhead já condenado no passado), vais pelo cano", escreveu Mário Machado.
A missiva, com oito páginas, tinha, além da parte para Rute Pereira, outras instruções, desde "encomendas" para agredir pessoas, incluindo "tiros na pernas", até recomendações de mudanças de conteúdos que deviam ser publicadas na sua página de facebook.
Mário Machado entregou a carta a João Dourado com a ordem expressa de não a dar a ninguém. Nem sequer deitá-la fora "porque a PJ vai aos caixotes", mas acabou mesmo por chegar ao Ministério Público e à Polícia Judiciária. Uma alegada traição de Dourado foi apenas mais um episódio na cisão do PHS desde que o seu líder foi preso.