Tripulantes da Ryanair presos entre contratos inferiores ao salário mínimo e emigração
De acordo com documentação a que a Lusa teve acesso, trabalhadores da Crewlink, agência de emprego temporário que tem como única cliente a companhia irlandesa de baixo custo Ryanair, receberam cartas dos recursos humanos a informar que um "número limitado" de tripulantes iria ser convidado a integrar os quadros da Ryanair.
Em caso de recusa da proposta, os trabalhadores - baseados em Ponta Delgada, Lisboa e Porto - serão relocalizados para vários destinos da rede da Crewlink no Reino Unido e na Irlanda a partir de 1 de setembro.
Segundo uma troca de documentação entre um trabalhador e a empresa a que a Lusa teve acesso, perante a recusa do trabalhador em assinar um contrato com a Ryanair que propunha uma remuneração-base de 588 euros brutos, abaixo dos 635 euros consagrados na lei como salário mínimo nacional, a empresa sugeriu a relocalização para o Reino Unido (East Midlands ou Southend) em 1 de setembro.
"A sua remuneração total foi calculada para incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo, incluindo mas não se limitando a relatórios antes e depois de voos, atrasos e todas as tarefas a bordo", pode ler-se na proposta de contrato.
O mesmo documento indica também que o salário do trabalhador inclui "um prémio por trabalho desempenhado aos domingos e feriados", excluindo "incrementos automáticos ou aumentos salariais".
Para além da remuneração-base, de acordo com os contratos, o trabalhador tem "direito a receber o Flight Pay [pagamento de voo]", que "não será devido quando não se encontra disponível para voar, independentemente dos motivos que indicar à empresa", e que segundo a empresa inclui subsídio para refeições, bebidas e conservação da farda.
Os trabalhadores são ainda elegíveis para um bónus de venda arbitrário, que "possui estatuto extracontratual", podendo a Ryanair, "em qualquer momento, mudar, alterar ou retirar o prémio", avisando com um mês de antecedência.
O contrato possui adicionalmente uma cláusula em que o trabalhador declara "não ter quaisquer reclamações/créditos contra a empresa" à data de 1 de setembro de 2020.
"Como declinou confirmar qual seria a sua base preferida, a sua nova base foi selecionada a partir das necessidades operacionais, de acordo com o seu contrato de emprego", pode ler-se numa das missivas enviadas pela Crewlink, indicando ao trabalhador o local de trabalho efetivo a partir de 1 de setembro.
De acordo com números do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), há nestas circunstâncias três trabalhadores da base de Ponta Delgada, 14 de Lisboa (num total de 32), e cerca de 15 no Porto já contactados (num total de 85).
O mesmo sindicato já tinha alertado, na quarta-feira, que "teve conhecimento de que os tripulantes da base do Porto, à imagem do que já tinha acontecido na base de Lisboa e de Ponta Delgada, estão a receber cartas para uma passagem para a Ryanair, sendo uma forma ilícita da empresa para pressionar os associados a aceitar condições inqualificáveis".
O mesmo sindicato também já se tinha queixado de pagamentos feitos pela empresa, em julho, abaixo do valor do salário mínimo nacional.
De acordo com trocas de informação entre trabalhadores e a empresa consultadas pela Lusa, um interlocutor do lado da empresa referiu que as tripulações não têm direito a "nenhum pagamento residual por março de 2020", associado às rubricas às quais estão habitualmente associados os salários, exceto pagamentos complementares.
No entanto, noutra troca de informação, o interlocutor da empresa afirmava, sem certeza, que o trabalhador em causa iria "receber o pagamento de março" durante o mês em que as tripulações regressassem às operações normais.
Numa carta dos recursos humanos da empresa consultada pela Lusa, pode ler-se que "a pequena minoria" de trabalhadores baseados em Portugal que não aceitou os cortes implementados pela empresa na sequência da pandemia "não está imune aos efeitos" sobre o negócio, pelo que a Ryanair acabou por implementar várias medidas específicas para esses trabalhadores.
"A pequena minoria de tripulantes que não aceitou estas medidas [cortes] não está imune aos efeitos no nosso negócio e terá [...] mudanças implementadas que são necessárias e proporcionais ao desafio" associado à pandemia de covid-19, de acordo com o documento.
Segundo pode ler-se na carta, a Ryanair anunciava em julho que "a escala 5/3 [cinco dias de trabalho e três de folga] não mais se aplicará" especificamente a esses trabalhadores, acrescentando que "estarão numa escala não fixa de forma a lidar com as mudanças nos horários dos voos e com a redução do programa de voos".
* Jornalista da agência Lusa