Nunca ninguém tinha visto tal movimento nos mercados de mercadorias. O preço do barril de crude negociado em Nova Iorque (West Texas Intermediate - WTI) atingiu valores negativos fechando na segunda-feira nos -37,63 dólares, ou seja, os vendedores estavam disponíveis a pagarem aos compradores para ficarem com o petróleo. Mas porque estaria alguém disposto a perder dinheiro? "Porque quem detém os contratos não tem capacidade de armazenamento dos barris", responde Ricardo Marques analista de mercados da IMF..O problema foi sobretudo este, a que se junta a fraca procura internacional dado o confinamento mundial com excesso de oferta. "O consumo global nos Estados Unidos terá caído 30%", indica Ricardo Marques, admitindo que essa quebra deverá estar muito acima desse valor..A queda do preço do barril de crude ficou limitada aos contratos de futuros relativos a maio com vencimento nesta terça-feira, dia 21 de abril, e quem tivesse posições abertas estava a tentar livrar-se desse peso, caso contrário teria de ir fisicamente recolher os barris de petróleo à cidade de Cushing, no estado norte-americano de Oklahoma..É aqui que entram os especuladores, que apenas transacionam contratos e não barris. E cada um tem 159 litros de petróleo. Quem não conseguiu vender e com o mercado inundado de matéria-prima tinha mesmo de tentar limpar a posição. E mesmo que quisesse armazenar não há onde. "O petróleo não se pode queimar, nem deitar fora", lembra Ricardo Marques, portanto, tem de ficar em algum sítio. E já nem há disponibilidade para alugar petroleiros para ficarem ao largo.."Outra explicação possível para os preços negativos é a venda adicional de petróleo por produtores dispostos a pagar para que alguém recolha o petróleo armazenado, a fim de libertar algum espaço de armazenamento para o petróleo atualmente produzido e evitar paragens de produção, que são sempre muito dispendiosas", acrescenta André Pires, analista da corretora XTB..As entregas físicas são muito raras e representam uma pequena parcela do mercado (até 10% do total de mercados de futuros), mas na segunda-feira existiam 16 milhões de barris de petróleo no final da sessão para armazenar.."Nunca o mercado de petróleo tinha enfrentando uma situação sequer semelhante. Embora não seja inédito um ativo descer abaixo de zero, tais eventos são muito raros", indica André Pires..Petróleo Infogram.E o Brent?.Esta é uma das principais diferenças com o mercado europeu de petróleo negociado em Londres. Os contratos de Brent, que serve de referência aos preços em Portugal, não têm uma liquidação física..Ou seja, mesmo que existam muitos contratos a terminar, "os investidores podem fechar as posições através de uma liquidação financeira", indica Ricardo Marques, da IMF, adiantando que os contratos para entrega em junho já estão mais líquidos e para "entregas em dezembro os futuros já estão a negociar acima dos 33,5 dólares"..Os preços do Brent também caíram como nos Estados Unidos, mas nunca tocaram níveis negativos. Na segunda-feira fecharam abaixo dos 20 dólares, pela primeira vez em 18 anos. E ontem mantinham-se no mesmo patamar..O crash registado na segunda-feira nos Estados Unidos dificilmente deverá repetir-se. "Vamos ter mais de um mês para que o próximo contrato para entrega em junho expire", refere Ricardo Marques. "E não vão cometer os mesmos erros", acrescenta este analista de mercado, acreditando que a solução terá de passar "por um corte na produção nos Estados Unidos"..É de esperar que os próximos meses sejam de preços baixos da matéria-prima, sobretudo pela falta de procura mundial..Portugal sem refinação.A falta de espaço de armazenamento e a fraca procura também estão a causar paragens nas refinarias em todo o mundo. E Portugal não é exceção. As refinarias de Matosinhos e Sines vão ficar com a produção suspensa durante cerca de um mês. Sines para no dia 04 de maio..Na terça-feira, a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) revelou que a capacidade de armazenagem de combustíveis está quase esgotada, encontrando-se "90% preenchida".."Está integralmente garantido o abastecimento de combustíveis a todo o território nacional, sem exceção, pelo que o combustível não vai escassear nos postos de abastecimento, muito menos nos postos REPA (Rede de Emergência de Postos de Abastecimento) que obedecem a um regime especialíssimo em caso de emergência energética", assegurou a ENSE em comunicado..A entidade que gere o mercado de combustíveis apontou como "fundamental a redução de refinados podendo a suspensão temporária das refinarias de Matosinhos e de Sines contribuir, decisivamente, para evitar o colapso da capacidade de armazenagem", concluiu..Mas "parar uma refinaria é mais simples do que um poço de petróleo", lembra Ricardo Marques e muitas empresas de extração não conseguirão sobreviver a esta crise.