Professores e diretores temem não haver profissionais para cumprir plano do Governo
Mais 2500 professores em horário completo é o plano do Governo para garantir a recuperação das aprendizagens junto dos alunos no próximo ano letivo. Feitas as contas, representará um acréscimo de cerca de três docentes por agrupamento, "manifestamente insuficiente" para fazer face às necessidades das escolas no ano que se avizinha, alerta a Federação Nacional dos Professores (Fenprof). O problema maior, contudo, é outro, denunciam professores e diretores: aberto o concurso para a contratação destes docentes, grande parte dos lugares podem ficar vazios, pois "pode não haver professores suficientes" para responder.
"Em muitas regiões do país, pode não ser possível [cumprir o plano da tutela]", diz Filinto Lima, representante dos diretores de escolas, alertando para os custos de deslocações dos docentes, significativamente mais elevados na região de Lisboa e no Algarve, que têm obrigado vários a desistir das vagas, nos últimos anos. Olhando para a crise sentida na classe, adianta, "pode não haver professores suficientes e corremos o risco de ver um ato de boa vontade do Governo sair furado".
Ao longo dos últimos anos, somaram-se os concursos para a docência que ficaram praticamente vazios, sem candidatos, abalando o normal funcionamento das escolas. Mais de um mês após o arranque do ano letivo passado, havia turmas sem professores - no Algarve, por exemplo, mais de cinco mil alunos ainda não tinham docentes para assegurar as suas disciplinas. O cenário obrigou a Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) a enviar, em janeiro, uma nota às escolas em que denunciava a existência de horários ainda por preencher no início do 2.º período, o que obrigava a "reajustamentos no circuito delineado para a satisfação das necessidades ligadas à docência" de determinadas disciplinas, nomeadamente Português, Inglês, Geografia e Informática.
Reajustamentos que permitiriam, então, que aulas de Português passassem a poder ser dadas por professores de línguas estrangeiras, por exemplo. Em novembro, a falta de professores de Informática, o grupo mais atingido pela escassez de docentes, já obrigava à contratação de profissionais sem habilitação. Entretanto, o Ministério da Educação garantia não ter "reporte de qualquer situação anómala ou de uma falta sistémica de docentes".
Apesar das diversas tentativas de solucionar o cenário nas escolas, quer por parte da DGAE quer por parte dos diretores que estavam a esgotar todos os caminhos legais de contratação, não bastaram. Pelo menos até março deste ano, algumas escolas ainda denunciavam turmas sem professores. Os diretores previam dias difíceis, a encomendar horas extraordinárias a docentes que se mostrassem disponíveis para lecionar turmas com disciplinas em falta e esticar o horário diário dos alunos. Em casos extremos, as passagens administrativas seriam a alternativa.
A chegada da pandemia a Portugal, em março, e o desafio do ensino à distância abafaram o alvoroço que se vivia nas escolas e permitiram uma gestão mais tranquila do problema denunciado. No entanto, "o problema não se atenuou", frisa o secretário-geral da Fenprof. "Pelo contrário", continua Mário Nogueira, "pois os jovens não passaram a procurar mais os cursos de formação de docentes, os que abandonaram a profissão não regressaram em número significativo e algumas situações que não se agravaram resultaram, principalmente, da vinda de docentes do privado para o público, estando em muitos colégios a surgir o problema que já afetava escolas públicas". Findo o ano letivo, há questões ainda sem resolução e que vão voltando a assombrar a aparente tranquilidade da comunidade educativa.
No final de junho, o ministro da Educação anunciou um pacote de mais 125 milhões de euros para o reforço de recursos humanos das escolas, entre eles docentes, pessoal não docente e técnicos especializados - incluindo assistentes sociais, psicólogos e mediadores. Relativamente ao reforço dos professores, adiantou, em entrevista ao jornal Expresso, que está prevista a entrada de cerca de 2500 em horário integral já no próximo ano letivo, para auxiliar a recuperação das aprendizagens e o fomento dos planos de tutorias, alargados ao ensino secundário.
No entanto, 2500 pode ser um número avultado para uma classe que está a desaparecer das escolas e "a solução terá de ser mais profunda", alerta Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
Numa profissão envelhecida - o último relatório "Educação em números 2019", da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), dava conta de que havia apenas mil professores abaixo dos 30 anos -, os pedidos de reforma seguem em sentido crescente. "Se a isto juntarmos a saída de professores para a aposentação e a sua não compensação, ficamos conversados: em 2019 aposentaram-se 1409 docentes e no primeiro semestre de 2020 foram 691, isto é, 2100 no total. Nos quadros, neste ano, a 1 de setembro, entrarão 872 docentes", alerta Mário Nogueira, da Fenprof.
A equação complica-se quando se recua na hierarquia: as licenciaturas para Educação veem o número de inscritos cada vez mais reduzido, assinalando que, dentro de alguns anos, as entradas no mercado podem não ser suficientes para colmatar as saídas. No ano passado, 38 cursos de Educação ficaram vazios.
"Voltamos ao mesmo: é preciso tornar a profissão atrativa, acrescentar valor aos professores, que se sentem desgastados e sem condições de trabalho", remata o dirigente da ANDAEP.
Embora já se falasse de burnout (exaustão) na classe docente, a discussão aguçou-se com os desafios impostos pelo ensino à distância, por força da pandemia de covid-19. "É previsível que o stress e a exaustão emocional estejam [agora] a níveis mais elevados", dizia Filinto Lima, numa entrevista ao DN em maio. Uma realidade que se confirmava na chegada de "inúmeras" solicitações de atestados psicológicos e psiquiátricos nas últimas semanas, denunciava ainda a Associação Nacional de Professores (ANP), alertando para "um grave risco de aumento" com o decorrer dos meses.
O ano letivo terminou, mas o problema parece não ter desaparecido. De acordo com a presidente da ANP, Paula Carqueja, continuam a ser vários os "docentes que meteram baixa ou solicitaram atestados médicos por doença". "Os professores, neste tempo de pandemia, ficaram muito sobrecarregados para darem respostas de excelência aos seus alunos e num ambiente desconhecido, nomeadamente as tecnologias. À parte, também tinham os filhos e a sua família para acompanhar. Foram momentos muito maus de gestão, trabalho, família, mais os medos e as incertezas de um vírus", disse.
Com a pandemia longe do fim, professores e diretores temem que a exaustão da classe afete o próximo ano letivo, deixando mais turmas sem acompanhamento.
Na perspetiva da Fenprof, não os admiraria que o número de baixas tivesse aumentado significativamente neste final de ano letivo, comparativamente ao período homólogo. "Porque o corpo docente está envelhecido" e, "face à situação epidemiológica e tendo sido retirados do grupo de risco os diabéticos e hipertensos, é natural que esses tivessem necessitado de meter baixa porque deixaram de ser resguardados", escreveu o secretário-geral da federação, Mário Nogueira, em resposta ao DN.
O dirigente lembra que um docente "não fica de baixa porque quer e decide", pois deve ser "confirmada por atestado médico e pode ser confirmada pela autoridade de saúde local". E remata: "Se houver rejuvenescimento do corpo docente a situação altera-se logo. Agora não se espere que 60 mil docentes com mais de 50 anos, a maior parte com mais de 60, muitos portadores de doenças crónicas, consigam dar as respostas como davam quando tinham 30 anos."