Prémio Nobel da Física distingue descobertas sobre os buracos negros

Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghenz são os laureados. "É um dia especialíssimo", diz o investigador português Vítor Cardoso, que colabora com a equipa de Reinhard Genzel
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E o Prémio Nobel da Física 2020 vai para Roger Penrose "pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma predição robusta da teoria da relatividade geral" e para Reinhard Genzel e Andrea Ghez "pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro da nossa galáxia".

Em resumo: os buracos negros. Os três laureados partilham o Nobel da Física deste ano pelas suas descobertas "sobre os segredos mais obscuros do universo", nas palavras da Academia Real Sueca.

Físico e matemático britânico, Roger Penrose, de 89 anos, "usou de forma engenhosa os métodos matemáticos para comprovar que os buracos negros são uma consequência direta da teoria geral da relatividade de Einstein", esclarece a Academia Real Sueca.

Einstein não acreditava na existência de buracos negros, mas Roger Penrose, que chegou a trabalhar com Stephen Hawking sobre essa questão, pensou de forma diferente. E em 1965, dez anos após a morte do criador da teoria da relatividade geral, conseguiu demonstrar, num artigo científico seminal, que os buracos negros são objetos cósmicos reais. Nesse ano, Penrose descreveu-os pela primeira vez em detalhe.

O astrofísico alemão Reinhard Genzel, de 68 anos, e a também astrofísica americana Andrea Ghez, de 55 anos, partilham a outra metade do prémio, pela descoberta de que a Via Láctea tem no seu centro um desses objetos que se tornaram quase míticos no imaginário popular e que são os buracos negros.

Cada um dos dois laureados liderou independentemente uma equipa de astrónomos que confirmou essa presença bem no coração da nossa galáxia, observando persistentemente uma região designada Sagitário A, no centro da Via Láctea.

Esta é a quarta vez na história do Nobel que uma mulher é distinguida com o Nobel da Física.

Antes de Andrea Ghez, foi distinguida em 2018 Donna Strickland, que dividiu o prémio com dois outros laureados (Gérad Mourou e Arthur Askin), pelos seus trabalhos sobre o laser.

Em 1963, a alemã Maria Goeppert-Mayer recebeu o mesmo prémio pela sua criação do modelo nuclear por camadas, e Marie Curie, em 1903, foi a pioneira, pelos seus trabalhos sobre a radioatividade.

Foi já na primeira década deste novo milénio que as equipas respetivas, de Reinhard Genzel e Andrea Ghez, confirmaram a existência de um buraco negro no centro da Via Láctea, depois de mais de década e meia de observações.

Em direto na conferência de imprensa que se seguiu ao anúncio do Nobel, Andrea Ghez recordou com emoção o momento em que a equipa fez a descoberta, em 2003.

"A primeira coisa que aconteceu foi a dúvida sobre se estaríamos a ver mesmo o que pensávamos estar a ver, e por isso a primeira coisa a fazer foi confirmar os resultados. E, a par disso, um enorme entusiasmo pela descoberta, na fronteira do conhecimento", disse a astrofísica da Universidade da Califórnia Los Angeles (UCLA).

A equipa do alemão Reinhard Genzel, que dirige o Instituto Max Planck para a Física Extraterrestre, em Garching, na Alemanha, chegou aos mesmos resultados de forma independente.

Os astrónomos liderados por Genzel fizeram a descoberta após 16 anos de observações de uma estrela na região de Sagitário A, utilizando o telescópio europeu do ESO (European Southern Observatory), no Chile.

Na altura, Reinhard Genzel não escondeu o entusiasmo pelo trabalho feito e pelas novas possibilidades de investigação que a descoberta abria.

O centro [a Via Láctea, disse então, "é um laboratório único, onde podemos estudar os processos fundamentais da gravidade, da dinâmica estelar e da formação de estrelas, e com um nível de detalhe que não será possível além da nossa galáxia".

Desde então não deixou de continuar as suas observações, usando tecnologias crescentemente mais sofisticadas.

Mais recentemente, em 2018, a equipa liderada por Reinhard Genzel no Instituto Max Planck protagonizou nova descoberta importante, na sequência dos seus estudos sobre o buraco negro no centro da Via Láctea, ao fazer uma nova confirmação da teoria da relatividade geral de Einstein.

Utilizando uma vez mais os VLT (very large telescopes) do ESO, a equipa observou a estrela S2, que gravita a velocidades vertiginosas em torno desse buraco negro central, um monstro com uma massa quatro milhões de vezes superior à do Sol.

"Esta foi a segunda vez que observámos a passagem da S2 junto ao buraco negro no centro da nossa galáxia, mas desta vez tínhamos muito melhor instrumentação e conseguimos observar a estrela com uma resolução sem precedentes", explicou Reinhard Genzel, na altura.

As observações que se seguem, com um novo instrumento, em cujo desenvolvimento está também a participar a equipa de Vítor Cardoso, professor e investigador do Instituto Superior Técnico (IST), serão ainda mais detalhadas.

Vítor Cardoso, que trabalha justamente em buracos negros, no Centro para a Astrofísica e Gravitação (Centra), no IST, não podia estar mais satisfeito com a escolha dos laureados da Física deste ano. "Este é um importante reconhecimento" do seu trabalho, diz ao DN o investigador, que há três anos está, justamente, a colaborar com equipa de Reinhard Genzel.

O objetivo do trabalho conjunto é o desenvolvimento de um novo instrumento para fazer observações mais precisas de estrelas (ou restos delas) que gravitam junto ao buraco negro no centro da Via Láctea.

"Esse instrumento é o Gravity, que já está a funcionar nos telescópios VLT do ESO, no Chile. Já estão a ser feitas observações com ele, e continuamos ainda a aperfeiçoá-lo,", explica Vítor Cardoso.

Sobre o prémio não esconde a satisfação. "Este é um dia especialíssimo, já mandei um email ao Reinhard Genzel, a felicitá-lo pelo Nobel", conta.

Houve um tempo em que os buracos negros, que muito depressa ganharam espaço no imaginário popular, não eram seriamente considerados pelos cientistas.

"Depois de quatro ou cinco décadas em que os astrónomos não os estudavam, porque tinham sido desacreditados por Eddington [astrónomo britânico que em 1919 confirmou a teoria da relatividade de Einstein], Roger Penrose fez em 1965 uma contribuição teórica decisiva, demonstrando que a morte de uma estrela deveria dar origem à formação de um buraco negro", conta Vítor Cardoso.

Esse trabalho abriu caminho ao que se seguiu, e que acabou por ser protagonizado com sucesso pelas equipas dos outros dois laureados deste ano: Reinhard Genzel e Andrea Ghez.

Agora é preciso ir ainda mais além no estudo sobre estes objetos cósmicos, para desvendar o que ainda não se sabe sobre as leis da física nesses lugares estranhos que são os buracos negros.

"É superimportante estudar o centro da galáxia para podermos avançar nesse estudo", sublinha Vítor Cardoso. As observações com o Gravity vão servir exatamente para isso.

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