Um sonho tornado realidade. É assim, sem hesitação, que o médico Nuno Neuparth, professor da Nova Medical School e do mestrado em Engenharia Biomédica da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, fala do C-mo, um dispositivo inovador que faz a caracterização detalhada da tosse. Ou das tosses, porque há vários tipos, e muito diferentes entre si. Percebe-se o seu entusiasmo. O C-mo, que foi criado por um grupo de cinco jovens investigadores saídos do mestrado em Engenharia Biomédica da FCT, é a engenhosa resposta a um problema que até agora não tinha solução: o da necessidade de fazer a tipificação exata da tosse para o diagnóstico diferenciado e acompanhamento clínico de doentes com patologias em que este é um dos sintomas predominantes, como acontece nas doenças respiratórias..Para os médicos como Nuno Neuparth, que é imunoalergologista e diariamente se confronta com a impossibilidade prática de obter um registo rigoroso da tosse dos seus doentes - "é sempre muito subjetiva a forma como as pessoas se queixam deste sintoma", explica -, esta é a solução pela qual há muito esperava. Não foi em vão que falou nisso aos seus alunos da FCT..A mensagem fez eco imediato nos seus jovens alunos, garante Sara Lobo, 23 anos, que está agora a finalizar o mestrado em Engenharia Biomédica, e que desde o primeiro minuto se envolveu no projeto para a criação do novo dispositivo.."A engenharia biomédica é isso mesmo, desenvolver e criar soluções tecnológicas para resolver problemas em medicina ou para contexto hospitalar, e, quando os professores Nuno Neuparth e Luís Novais falaram do problema, decidimos trabalhar numa solução", conta Sara Lobo..No final de 2016, juntaram-se cinco estudantes de anos diferentes, e para dar maior solidez ao projeto criaram uma associação sem fins lucrativos, a EBIMed, para promover o desenvolvimento de soluções tecnológicas para o meio clínico e hospitalar. E lançaram mãos à obra..Do projeto ao produto.Agora, passados quatro anos, há muito caminho andado e uma mão-cheia de prémios que atestam a originalidade e a solidez do trabalho, e que foram um importante incentivo, até a nível prático..Em 2018, por exemplo, um primeiro protótipo que o grupo tinha criado com materiais de baixo custo e peças feitas em impressora 3D, ganhou o primeiro prémio, no valor de quatro mil euros, da competição Life Enablers, cujo tema eram soluções tecnológicas para várias doenças, incluindo cancro do pulmão. "O prémio permitiu-nos passar da fase de projeto ao desenvolvimento de produto", diz Sara Lobo..Já em junho deste ano, o grupo criou uma startup, a Cough Monitoring Medical Solutions, e nesta altura o dispositivo está criado, testado em situação real com doentes de todas as idades e já em processo de certificação. "Queremos chegar ao mercado no primeiro trimestre de 2021", antecipa a investigadora..Claro que o C-mo não foi pensado para uma doença como a covid-19, que não existia sequer quando os cinco estudantes da FTC decidiram apostar na ideia. Mas no contexto da atual pandemia, que continua a alastrar no mundo a grande velocidade e que parece não ter ainda solução à vista, ele poderá tornar-se um instrumento valioso para a monitorização das pessoas infetadas com covid-19..A tosse é, afinal, um dos principais sintomas da infeção causada pelo novo coronavírus, e monitorizar a forma como ela evolui no decurso da infeção poderá contribuir para avaliar melhor a evolução do estado clínico dos doentes.."Assim que se começou a falar mais em tosse na covid-19, percebemos logo que este sintoma, que em geral é desvalorizado, ia tornar-se mais importante neste contexto da pandemia, e que o nosso dispositivo poderia ter também um papel aí, principalmente na monitorização e acompanhamento dos sintomas da doença", recorda Sara Lobo..Isso mesmo reconheceu, aliás, há poucas semanas o júri do Prémio de Inovação em Saúde - mais um -, promovido pelo instituto de investigação biomédica i3S, da Universidade do Porto..Dedicado nesta terceira edição a soluções inovadoras no combate ao SARS-CoV-2, o concurso do i3S distinguiu em junho quatro projetos, um dos quais o C-mo, ao qual atribuiu o Prémio Porto Business School, que se traduz em dois cursos de formação especializada para a liderança em negócios.."É importante, numa altura em que estamos a preparar o lançamento de um novo dispositivo clínico no mercado", reconhece Sara Lobo..O C-mo pode então dar um contributo importante a vários níveis no acompanhamento dos doentes de covid-19, sustenta a equipa..Por permitir uma monitorização remota, "pode tornar-se uma ferramenta valiosa para acompanhar os doentes que estão a recuperar em casa, contribuindo para diminuir a pressão nos hospitais e os contágios", explica Sara Lobo, sublinhando que o dispositivo poderá também "detetar com grande antecedência uma eventual deterioração na condição do doente e ajudar a avaliar a eficácia de tratamentos para a covid-19 e outras doenças respiratórias, tanto na prática clínica como em ensaios clínicos".."A capacidade que o dispositivo tem de relacionar a tosse com a temperatura corporal poderá ainda contribuir para se obterem informações importantes sobre a própria doença", nota a investigadora..Nuno Neuparth concorda. O médico e investigador, que acompanhou a par e passo a evolução do protótipo, cujos primeiros testes de validação foram feitos nos laboratórios que dirige na NOVA Medical School e no CEDOC, também da Universidade Nova de Lisboa, considera que o novo dispositivo será sobretudo útil na monitorização dos doentes de covid-19.."É oportuno nesta pandemia", diz. "Um dos principais sintomas de covid-19 é a tosse e, portanto, a sua monitorização pode ajudar os médicos a intervir de forma mais precisa, por exemplo, se padrões de tosse se agravarem.".As tosses não são todas iguais.Há as secas e as produtivas (com expetoração), as que estão associadas a pieira, há as pouco e as muito frequentes, e há padrões mais matutinos ou noturnos, associados ou não à atitude postural num dado momento. É um mundo de diferenças que constituem informação clínica relevante, mas que em geral os doentes não conseguem transmitir de forma objetiva ao médico..É aqui que entra o C-mo. Usado como um pequeno penso na zona abdominal e dotado de vários sensores, incluindo da temperatura corporal e da ativação muscular que precede um acesso da tosse, o dispositivo grava cada um dos episódios, e um algoritmo, que também foi desenvolvido pela equipa, distingue e agrupa os vários tipos e padrões do sintoma..O sistema produz um relatório final após um período de uso, que pode prolongar-se entre um dia e uma semana, consoante a necessidade clínica.."Uma das vantagens do nosso sistema é que não é intrusivo porque a gravação de som só funciona quando o dispositivo deteta a ativação dos músculos abdominais que precede um acesso de tosse", sublinha Sara Lobo..Sensores, sistema de gravação, software e cartão de memória, tudo está contido no penso que é usado pelo doente. "A miniaturização dos circuitos dá-nos essa possibilidade e por isso investimos nela, é outra vantagem do dispositivo", nota a investigadora..Já neste ano, o grupo concluiu outras etapas importantes neste percurso. Além de todos os testes de validação do sistema, que comprovaram a sua eficácia, os investigadores constituíram-se em startup, submeteram um pedido de patente para todo o espaço europeu e ganharam uma bolsa no valor de 40 mil euros do programa europeu EIT Health InnoStars Headstart 2020, que oferece a empresas emergentes mentoria e financiamento para acelerar o desenvolvimento e transferência para o mercado de produtos inovadores para a melhoria da vida dos cidadãos na Europa. É essa verba que permitirá agora avançar para a certificação europeia do C-mo, que tem regras e parâmetros muito exigentes.."É um processo complexo, mas sem essa certificação não podemos avançar para o passo seguinte, que é o lançamento do dispositivo clínico no mercado, que queremos concretizar durante o primeiro trimestre de 2021. Estamos neste momento à procura de parceiros para a produção e distribuição do dispositivo miniaturizado", resume Sara Lobo. Já falta pouco, portanto. E o horizonte parece promissor..Este artigo faz parte de uma série dedicada aos investigadores portugueses e é apoiada por Abbvie