O país de bengala é um maior desafio para a proteção social do que para a saúde
Portugal é um país envelhecido: mais de 660 mil pessoas estão acima dos 80 anos. Os números mais recentes são de 2018 e permitem concluir que, se olharmos para trás, para 2001, são quase o dobro. Ou seja, em menos de 20 anos a população mais velha passou a representar cerca de 6% do total de portugueses - cresceu de 365 352 para 654 172 idosos e, desses, 4000 têm mais de 100 anos. As mulheres estão em maioria e representam 64% dos que têm 80 anos ou mais.
Os dados constam da compilação estatística realizada pela Pordata para o Dia Mundial da Saúde, que se assinala nesta terça-feira - "Cobertura Universal de Saúde" foi o lema escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para marcar a data.
Apesar de não representarem uma novidade absoluta num país que já se sabe profundamente envelhecido, é importante recordá-los numa altura em que os idosos são um dos principais grupos de risco de infeção pelo novo coronavírus. Ao mesmo tempo que representam a maior taxa de mortalidade resultante desta doença - em Portugal, do total de 311 vítimas mortais, 199 tinham mais de 80 anos, conforme revela o boletim epidemiológico desta segunda-feira. Se adicionarmos a faixa etária dos 70 anos, a cifra de mortes já sobe para 270. A taxa de letalidade dos mais velhos ao covid-19 ronda os 10% no nosso país.
Quando o mundo se vê a braços com uma crise sanitária que já infetou mais de 1,300 milhões e fez cerca de 74 mil mortos, pergunta-se: tem o sistema de saúde português - e o de proteção social - sabido acompanhar o crescimento da sua população idosa? O que falha? Porque é Portugal um país considerado velho.
Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo porque tem uma população muito significativa acima dos 65 anos e que quase duplicou na faixa etária dos 80. Uma população que vive mais tempo porque o campo da ciência e da medicina tem registado progressos no sentido de reduzir o risco de doenças, mas igualmente devido à diminuição das doenças infetocontagiosas e de outras que se tornaram patologias crónicas - contextualiza Jorge Malheiros, investigador geógrafo do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.
Por outro lado, a diminuição do número de adultos e de crianças a que se assiste nos últimos anos também não conseguiu ser compensada pelo saldo migratório positivo das décadas de 90 a 2010. "A imigração foi insuficiente para compensarmos a quebra de natalidade e criar uma grande população jovem", diz.
Portugal tem uma esperança de vida de 81,6 anos, acima da média europeia (80,9), ou seja, ao nível dos países mais ricos. Se a comparação for feita ao nível dos anos de vida saudável, já se faz uma aproximação aos países de Leste. A média nacional é de mais seis anos de boa saúde depois dos 65, enquanto na Suécia e na Dinamarca são mais 12 (mulheres) e mais dez (homens). Isso mesmo está espelhado no estudo "Desigualdades Sociais na Saúde, Um Olhar Comparativo e Compreensivo", de Tiago Correia, Graça Carapinheiro e Hélder Raposo, que integra o livro Desigualdades Sociais, Portugal e a Europa.
Uma população envelhecida, pobre, com baixa qualidade de vida, não obstante viva. Como explicá-lo? "Temos um Serviço Nacional de Saúde muito generoso, que não diferencia as pessoas em relação à faixa etária. Em Portugal não se recusam tratamentos pela idade. Noutros países, até em doenças oncológicas, começa a rejeitar-se o tratamento. Nós não temos esse critério. O Serviço Nacional de Saúde é heroico e, mesmo com os problemas que tem, acaba por equilibrar a falta de rendimentos dos mais velhos", explica Tiago Correia, professor de saúde internacional do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.
É uma questão geracional, acredita o sociólogo da saúde - os nossos idosos são pessoas com baixa escolaridade, que começaram a trabalhar em crianças, muitos com atividades paralelas, sem descontos significativos. E, apesar dos complementos de pensões, ainda auferem baixos rendimentos.
"É um enorme desafio para a proteção social, porque se trata de uma população muito desfavorecida. Acredito que o maior desafio não está no SNS, mas mais no sistema social, apesar de já existir algum dinamismo, como, por exemplo, os protocolos com misericórdias e outras instituições", acrescenta Tiago Correia.
Apesar do que se tem feito, aponta problemas que subsistem no acesso a cuidados paliativos, institucionalização em lares e acompanhamento domiciliário. Mas também acredita que estes mesmos problemas podem reduzir-se porque quem tem hoje 50/60 anos estará futuramente mais protegido - porque estas pessoas tiveram carreira contributiva, porque tiveram emprego e mais escolaridade.
"Nos próximos dez anos, assistiremos à alteração dos padrões, com a redução dos indicadores de baixa qualidade de vida e poucos anos saudáveis", afirma Tiago Correia.
Um dado é adquirido: as populações de idosos não adoecem da mesma forma. "É possível viver-se bem, mas isso está dependente dos rendimentos, escolaridade, estilos de vida, noção dos comportamentos de risco."
Somos um país de risco em relação ao novo coronavírus, temos uma população envelhecida e com morbilidades, alerta o professor de saúde internacional. Mais risco do que noutros países onde os idosos vivem com mais qualidade de vida, com mais rendimentos, nas suas casas, com climatização, logo com mais segurança, ao contrário dos que vivem amontoados nos lares. "Não é este o perfil de idosos que temos hoje."
Tiago Correia não deixa de olhar com alguma preocupação para a atual crise sanitária e o que poderá acontecer mesmo depois de ser descoberta uma vacina, sobretudo se não houver imunização de grupo: "Face à situação atual, com praticamente todos os países com casos de infeção pelo novo coronavírus, como se vai produzir vacinas para sete biliões de pessoas? Quem é que não vai ser vacinado? Quem vai gerir, a Organização Mundial da Saúde ou os países individualmente? Qual é o preço? São dilemas que vão ser colocados e teremos toda a geopolítica a funcionar... Vai ser a sentença de morte para muita gente. E quando se tiver de decidir quem não vai ser vacinado?" A resposta: "Podem ser os velhos..."
Jorge Malheiros, também professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, considera igualmente que deve haver uma conjugação política e social com vista a estabelecer condições para que os mais velhos vivam os últimos anos com mais qualidade de vida. Com a criação de medidas de várias dimensões que mitiguem os efeitos do envelhecimento - desde o mercado de trabalho às pensões, aos cuidados continuados, ao acesso às residências. "Ser idoso e ser pobre são duas dimensões de vulnerabilidade."
Faz questão de ressalvar, contudo, que muita coisa positiva tem sido feita - pelas autarquias, que têm tido um papel ativo na criação de centros de dia e de prestações de cuidados de saúde ambulatórios; no SNS, cujas estruturas têm tentado adaptar-se com a rede de cuidados continuados e paliativos, centros de dia e apoio domiciliário. "Há progresso, mas mantêm-se ainda problemas que não estão resolvidos. A desigualdade coloca muitos problemas."
"Nas residências de idosos, se é verdade que há uma resposta melhor e com mais qualidade, ainda há uma série de situações em que a qualidade é muito deficiente. Vários deles têm preços diferenciados e quem tem menos recursos tem uma resposta pior, não têm o mesmo acompanhamento, higiene, acompanhamento psicológico."
A todas estas questões acrescenta o facto de vivemos numa sociedade que valoriza os adultos e os jovens. "É uma sociedade muito dinâmica ao nível das tecnologias e tende a colocar os mais velhos num espaço à parte. Se não se promover o contacto intergeracional, as pessoas vão sentir-se mais desvalorizadas."
Os espaços coletivos são também os que apresentam mais possibilidade de difusão do novo coronavírus para uma população já de si de risco acrescido. Mas para Jorge Malheiros não é linear que os lares com pior qualidade são os que apresentam maior risco de contágio.
Se voltarmos a pegar na compilação de dados da Pordata relativos à saúde, ficamos a perceber que as doenças respiratórias - e o covid-19 é uma infeção de caráter respiratório - já matavam em Portugal, em 2018, uma média de 36 pessoas por dia. No entanto, se forem analisadas as causas de morte, são as doenças cardiovasculares que mais matam, com uma média de 90 óbitos diários.
Em Portugal, morreram em 2018 quase 33 mil pessoas de doenças cardiovasculares, o que significa que quase uma em cada três morre destas patologias (29%) e uma em cada quatro morre de tumores malignos (25%). Já em 1975 eram estas as principais causas de morte, embora nesse ano a incidência dos tumores malignos fosse menor (13%) e das doenças cardiovasculares maior (40%).
Em 2018, registaram-se 113 051 óbitos no nosso país. A faixa etária com mais mortes foi a dos 80-89 anos (43 120), o que representa quase o dobro de mortes se comparado com a faixa etária seguinte, a dos 90-99 - com estas idades, morreram 22 859 pessoas. Com 100 anos ou mais faleceram 1078 idosos.
No entanto, é necessário frisar que a taxa de mortalidade diminuiu em todos os grupos etários. As descidas mais acentuadas foram nos escalões dos 80 ou mais anos e dos 70 aos 79 anos.
Uma pessoa nascida em 1974 tinha uma esperança de vida de 68 anos e alguém nascido hoje tem uma esperança de quase 82 anos. Ganhámos, neste período, 14 anos de vida, ou seja, quase quatro meses de vida, em média, por cada ano. Estes ganhos variam consoante somos homens ou mulheres: as mulheres nascidas em 2017 podem esperar viver quase 85 anos - mais seis anos do que os homens.
Quantas crianças com menos de 1 ano morrem em Portugal?
Portugal tem uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil - é a sétima mais baixa e inferior à média da União Europeia, tal como Espanha, Itália e República Checa -, com cerca de três óbitos de crianças com menos de 1 ano por cada mil nascimentos. Em 2018, houve uma ligeira subida para 3,3, ainda assim um valor muito distante do de 1974, em que, por cada mil nascimentos, morriam 38 crianças com menos de 1 ano em Portugal.
Quantas farmácias existem em Portugal?
Existem quase três mil farmácias em Portugal. Em 2018, dos 308 municípios de Portugal, Lajes das Flores é o único que não tem nenhuma farmácia.
Quantas embalagens de medicamentos e receitas médicas são prescritas pelos médicos do SNS?
Em Portugal continental, e no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, foram prescritas, em 2018, 161 milhões de embalagens de medicamentos, o correspondente, em média, a 18 415 medicamentos por hora, mais do dobro do que em 1990.
Em relação ao número de receitas médicas, em 2019 foram prescritas cerca de 49,6 milhões de receitas, o equivalente, em média, a 5657 receitas por hora.
E quantos medicamentos consumimos? Nesses, qual é a comparticipação do SNS?
No âmbito do Serviço Nacional de Saúde, cada residente em Portugal continental consumiu, em média, mais de 16 embalagens de medicamentos em 2018. A comparticipação do SNS com medicamentos foi quase o dobro (64%) dos encargos dos utentes (36%).
Quantos hospitais e camas há em Portugal?
Em 2018, existiam, em Portugal, 230 hospitais com uma capacidade de mais de 35 mil camas - mais cinco hospitais e 476 camas do que em 2017. Tanto o número de hospitais como o de camas se mantêm relativamente estáveis desde 2010 (ano cujos dados são comparáveis aos dados atuais dada uma alteração de metodologia), correspondendo a pouco mais de três camas por mil habitantes. A crise sanitária que vivemos atualmente poderá ter alterado este número, nomeadamente no que diz respeito ao número de câmaras disponíveis.
Na UE a 27, alguns países têm perto de oito camas por mil habitantes nos hospitais (ex: Alemanha e Bulgária) e noutros países esse rácio é menor do que três (ex: Suécia, Dinamarca e Irlanda). Portugal é o oitavo país com menos camas por habitante, mas, ainda assim, apresenta um rácio superior ao de Itália e de Espanha.
E qual a distribuição dos hospitais por município?
Dos 308 municípios de Portugal, cerca de um em cada três dispõe de pelo menos um hospital (32%), em 2018. Dos 120 municípios com menos de dez mil habitantes, três têm hospital (Alvaiázere, Constância e Monforte). Os municípios com mais hospitais são Lisboa (34), Porto (18) e Coimbra (15).
Quantas consultas são feitas nos hospitais?
Nos últimos 25 anos, o número de consultas nos hospitais triplicou em Portugal, ultrapassando em 2018 os 20 milhões. É como se cada habitante tivesse duas consultas, em média, por ano.
Quantas consultas, internamentos e urgências ocorrem nos hospitais do SNS?
Os hospitais do SNS realizam 60% do total de consultas ocorridas nos hospitais, 72% do total de internamentos e 79% do total de urgências dos hospitais.
Quantos internamentos e urgências ocorrem nos hospitais do SNS por cada cem habitantes?
Em Portugal continental, em 2018, ocorreram, em média, 63 urgências nos hospitais do SNS por cada cem habitantes e realizaram-se quase nove internamentos por cada cem habitantes.
Quantos médicos existem?
O número de médicos aumentou 4,8 vezes entre 1975 e 2018. Se em 1975 havia, em média, para cada médico 819 residentes, hoje há um médico para cada 192.
E quantos enfermeiros?
Em Portugal, o número de enfermeiros aumentou quase quatro vezes, passando de cerca de 19 mil em 1975 para 74 mil em 2018. Assim, se em 1975 cada enfermeiro tinha em média 489 residentes ao seu cuidado, hoje tem 140.
Quantos profissionais de saúde se formam todos os anos?
Em Portugal, formaram-se em 2018 quase 13 mil profissionais de saúde. Destes, 32% são formados em Enfermagem, 21% em Medicina, e 12% em Ciências Farmacêuticas. Valores que se alteraram nos últimos dez anos, sobretudo no número de médicos e de enfermeiros diplomados.
Quantos profissionais de saúde estão ao serviço nos hospitais do SNS?
Em 2018, tínhamos mais de 102 mil profissionais ao serviço nos hospitais do SNS, em Portugal continental. Desses, 21% eram médicos e 35% eram enfermeiros. Embora todas as categorias de profissionais de saúde tenham aumentado desde 2000, aquela que mais cresceu foi a dos enfermeiros (+43%), logo seguida dos técnicos de diagnóstico e terapêutica (+36%).
Quanto se gasta em saúde em percentagem do PIB?
As despesas em saúde representam, em Portugal, 9% do PIB. Dos 26 países da UE com dados disponíveis, Portugal era em 2017 o décimo país em que a percentagem de despesas em saúde no total do PIB era mais elevada.
Quanto gastam as famílias em saúde?
As despesas em saúde representam 5% do total das despesas de consumo das famílias. Ou seja, por cada cem euros gastos por família, cinco euros são para a saúde. Este valor tem-se mantido mais ou menos semelhante desde 1995.
Qual a percentagem de despesas das famílias em saúde em comparação com a Europa?
A proporção de gastos das famílias em saúde em Portugal é superior à média da UE27, sendo o quinto país da UE com a percentagem mais elevada. Em 1995, Portugal ocupava a segunda posição no quadro comunitário.
Quanto gasta o Estado em saúde em percentagem do PIB?
As despesas do Estado em saúde representavam 4,4% do PIB em 2018, o valor mais baixo desde 2004. Desse ano até 2013, as despesas representaram pelo menos 5% do PIB (em 2012 atingiram o valor máximo de 6,2%), tendo a partir de 2014 voltado a ser inferior a 4%.
Quem financia a saúde: setor público versus setor privado?
Em 2018, foram gastos 18,3 mil milhões de euros em saúde. Dois terços dessa despesa foram financiados pelas administrações públicas (66%) e o restante terço pelo setor privado, sobretudo pelas famílias (27%).
Onde se gasta mais em saúde?
Em 2017, quase 43% da despesa corrente em cuidados de saúde foi gasta nos hospitais -a restante despesa distribui-se principalmente pelos cuidados de saúde em ambulatório (28%) e pela venda a retalho e outros fornecedores de bens médicos (19%). É nesta última categoria que se incluem os medicamentos, que perfazem assim quase a totalidade de gastos nessa rubrica.