O diretor nacional da PSP, José Barros Correia, vai integrar o agente principal do Corpo de Intervenção Manuel Morais, ex-sindicalista e ativista de direitos humanos, no próximo curso de promoção a agente coordenador, previsto para o primeiro trimestre de 2024..A medida, confirmada ao DN por fonte oficial da direção nacional da PSP, é o culminar de um longo processo de litigação entre a anterior direção desta força de segurança, liderada por Manuel Magina da Silva - atual oficial de ligação do ministério da Administração Interna (MAI) em Paris - e Morais, que ficou conhecido por ter denunciado racismo nas polícias..Manuel Morais foi alvo de um processo disciplinar por ter chamado "aberração" ao líder do Chega, André Ventura, seguido da expressão "decapitem esses racistas nauseabundos que não merecem a água que bebem", numa publicação na rede social de Facebook, em junho de 2020..Condenado a 10 dias de suspensão, em janeiro de 2021, pelo então comandante da Unidade Especial de Polícia (UEP), Paulo Lucas, atual diretor nacional adjunto de operações e segurança, que deferiu a decisão da Núcleo de Deontologia e Disciplina da UEP, Morais recorreu ao então diretor nacional, Magina da Silva, para que indeferisse a pena, mas este validou o castigo..Para a direção da PSP de então "as expressões têm efetivamente um significado forte e desmesurado, que não consistem em meras opiniões ou ideias sobre o determinado assunto, atuação política ou conduta, mas revelam desrespeito e desconsideração pessoal". Foi entendimento que "apesar de o ofendido - André Ventura - ser figura pública e, por isso, sujeito a escrutínio da sua atuação política, não tem de suportar comentários depreciativos e desmedidos sobre a sua pessoa. As figuras públicas ou agentes políticos são pessoas que também têm direito à honra, bom nome, reputação e, por isso, não deve ser permitido, aos cidadãos, o exercício absoluto do direito à liberdade de expressão, através de todo e qualquer tipo de comentário ou crítica"..No dia em que entregou a arma Manuel Morais declarou: "Hoje é o dia mais triste da minha carreira policial, considerando que dediquei a esta polícia os últimos 30 anos. Sinto na altura de entregar a arma, pelos 10 dias da minha pena, que a minha dedicação à causa pública foi interpretada pela PSP, a minha organização, como tendo pouco valor e até como sendo dispensável"..Seguiu-se um novo recurso hierárquico para o então ao ministro Eduardo Cabrita, e este suspendeu a execução da pena, dando "provimento parcial" ao recurso de Manuel Morais, mas ordenando a reposição do ordenado que lhe tinha sido descontado referente aos 10 dias de suspensão..Segundo o MAI afirmou, a pena seria eliminada do registo do agente ao fim de um ano sobre a sanção inicial - o que seria em março de 2022 - e é tida em conta, se vier a ter outro processo..No entanto, quando pensava que poderia continuar a sua carreira sem ser prejudicado pelos 10 dias de suspensão, que, se não fosse a decisão de Cabrita, seriam subtraídos à contagem de antiguidade e teriam como consequência que ficasse para trás na progressão, foi surpreendido pelo seu afastamento do curso de promoção a agente coordenador que abriu em maio de 2022..Pela mão do então diretor nacional adjunto para a segurança e operações, Constantino Ramos, que homologou, em substituição de Magina da Silva, a lista final dos agentes que iriam frequentar o curso, Manuel Morais ficou a saber que estava na posição 628 (num curso que tinha apenas 250 vagas), tendo sido ali colocado com base numa punição que já estava extinta..Acresce ainda que foi desvalorizado na sua classe de comportamento que passou de "exemplar" para "1.ª classe", o que juntamente com os dias de suspensão lhe retiravam a possibilidade de entrar no curso de coordenador..Recorreu então ao Tribunal Administrativo de Lisboa e a sentença, a que o DN teve acesso, era clara, obrigando e condenando a PSP a "reelaborar a lista de ordenação final, corrigindo a graduação do Autor, não lhe descontando 10 dias na antiguidade por efeito do que decorria da sanção disciplinar de 10 dias de suspensão, suspensa na sua execução, nem considerando essa sanção para efeitos de determinação da classe de comportamento"..Destaquedestaque "Tendo o tribunal dado razão ao agente principal Manuel Morais a PSP só poderá cumprir a sentença e repor a sua carreira. O novo curso para agente coordenador poderá acontecer no primeiro trimestre de 2024, na Escola Prática da Polícia e o agente principal Morais poderá frequentar esse curso", garante fonte autorizada da direção nacional da força de segurança...Perante esta sentença, a PSP reagiu assim, quando questionada pelo DN, sobre como iria executar a ordem: "Tendo o tribunal dado razão ao agente principal Manuel Morais a PSP só poderá cumprir a sentença e repor a sua carreira. O novo curso para agente coordenador poderá acontecer no primeiro trimestre de 2024, na Escola Prática da Polícia e o agente principal Morais poderá frequentar esse curso", garante fonte autorizada da direção nacional da força de segurança..Acrescenta ainda que, para o diretor nacional, Barros Correia, "o importante é a alteração do paradigma e não litigar o que é justo, adequado e legal para a vida dos polícias"..Contactado pelo DN, Manuel Morais não quis comentar, mas na sua página de Facebook já tinha congratulado a decisão do tribunal e manifestado a sua esperança de que pudesse, enfim, continuara sua carreira. "Aguardo agora, felizmente, com outra direção de Policia, que seja reposta a justiça"..Manuel Morais, 57 anos, denunciou em 2018, numa entrevista ao DN, que havia racismo nas polícias. Nessa altura estava a começar o julgamento de 17 agentes da PSP de Alfragide, acusados de tortura e racismo na Cova da Moura. Licenciado em Antropologia, estava a trabalhar numa tese de mestrado obre o policiamento nas zonas urbanas sensíveis. "Os preconceitos perturbam o olhar e a ação dos profissionais da Polícia", reconhecia..Numa reportagem da SIC em 2019, alertou ainda para a necessidade de "desconstruir" o preconceito racial "na sociedade em geral", assumindo de novo que o racismo e a xenofobia existiam também nas forças de segurança. Estas declarações acabaram por levar a que fosse demitido do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP), onde era vice-presidente e dirigente há 30 anos..Em defesa de Manuel Morais, veio na altura a então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem: "Quando esse homem se pronunciou sobre essa questão, os seus companheiros sindicalistas consideraram quase um ato de alta traição e colocaram-no numa situação em que ele foi obrigado a colocar o lugar à disposição", apontou, defendendo que aquilo que Manuel Morais fez foi nada mais do que "abrir janelas para o futuro" e alertar para a necessidade de conhecer o fenómeno..Manuel Morais, que deixou o ativismo sindical, é atualmente um dos principais dinamizadores (e vice-presidente) da Associação "100 Violência", da qual foi fundador, que promove a prevenção e o combate aos "maus tratos físicos ou psíquicos de crianças, incluindo ofensas sexuais, castigos corporais, privações da liberdade ou o emprego em atividades perigosas, desumanas, excessivas ou proibidas" e a proteção dos "direitos das vitimas desses maus tratos".