Nóbeis da Economia propõem confinamento em dezembro para "salvar Natal"

Esther Duflo e Abhijit Banerjee, prémios Nobel da Economia de 2019, propõem fechar os franceses de 1 a 20 de dezembro para que seja possível "festejar o Natal". Creem que se assim não for será necessário proibir as reuniões na quadra ou fechar o país a seguir. O governo francês já disse que nem pensar.
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"É uma solução com o mérito de pela primeira vez nos anteciparmos ao vírus de forma clara, uniforme e transparente. E poderia ser vista como o preço a pagar por uma recompensa imediata, um esforço coletivo para salvar o Natal."

É assim que termina o texto de opinião assinado pela franco-americana Esther Duflo e pelo seu marido, Abhijit Banerjee (nascido na Índia e naturalizado americano), publicado este sábado no diário francês Le Monde e no qual o casal, agraciado em 2019, em conjunto com Michael Kremer, com o Nobel da Economia pelo seu trabalho na luta contra a pobreza, aconselha o presidente Emmanuel Macron a decretar um novo confinamento no país de 1 a 20 de dezembro, de modo a que as famílias possam reunir-se no Natal com menos risco de os mais jovens infetarem os mais velhos.

O ministro da Saúde francês, Olivier Véran, porém, já veio este domingo certificar que não vai haver confinamento "preventivo". "Não queremos parar a vida económica, social, cultural, desportiva e familiar. Por esse motivo é que estamos a tomar decisões adaptadas e "territorializadas" à seriedade do momento."

Mas os economistas veem diferente: "Da maneira como estão as coisas, a hipótese de um confinamento generalizado precisamente na altura do fim de ano não pode ser posta de parte. O número de casos novos de Covid está aumentar regularmente desde o início de agosto, e mais rapidamente em França que nos países vizinhos. É verdade que estão a ser feitos cada vez mais testes, mas a taxa de infeção também está a aumentar. É portanto indesmentível que a epidemia está a progredir - rapidamente."

A situação tem de facto piorado no país, com 24 de setembro constituindo até agora o dia com mais novas infeções - 16096 -, tendo sido decretado novo fecho total de restaurantes e bares em Marselha, a mais afetada, e instituídos novos horários em 12 grandes cidades, incluindo Paris. O número de mortes diárias, porém, tem-se mantido geralmente na ordem das dezenas, muito longe dos valores aterrorizadores de abril, quando chegou a haver mais de mil.

Crendo que a disseminação do contágio entre os mais jovens terá de aumentar, "inelutavelmente", a possibilidade de contaminação dos mais frágeis - idosos e pessoas com doenças crónicas" -, e que tal, aliado à descida das temperaturas, fará aumentar a frequência dos convívios em sítios fechados, criando as condições para "um aumento cada vez mais rápido dos casos no outono e para um recrudescimento catastrófico da doença, e portanto das hospitalizações e das mortes", com a consequente "sobrelotação dos hospitais", o casal conclui que, se nada for feito para tudo isso evitar, será necessário proceder a um reconfinamento generalizado mas já "tarde de mais" - ou, em alternativa, fechar tudo exatamente na altura do Natal.

Mas vamos aos custos deste proposto confinamento. Os escolares, afirmam Duflo e Banerjee, seriam "poucos; as duas últimas semanas de aulas antes das férias poderiam ocorrer por internet e as férias de Todos-os-Santos [período de férias escolares em França que este ano calha de 17 de outubro a 2 de Novembro] poderiam ser encurtadas numa semana, aumentando-se as do Natal numa semana." Já a machadada na economia, admitem, "seria relevante, mas menor que a de anular o Natal ou que o de um reconfinamento em circunstâncias muito piores 15 dias mais tarde. As pessoas poderiam ser encorajadas a fazer as compras de Natal durante o mês de novembro (autorizando-se horários alargados, saldos, etc), e os comércios poderiam manter-se abertos para encomendas durante o confinamento." Propõem também que até 21 de dezembro seja levada a cabo "uma grande campanha de oferta de testes gratuitos para que as pessoas os pudessem fazer à saída do confinamento, antes de se reunirem com as suas famílias."

"O plano que eles apresentam tem sentido", diz ao DN Pedro Pita Barros, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e especialista na área da saúde. "A principal dúvida que levanta é se vão precisar de fazer lockdown [confinamento] antes disso, dada a evolução que está a ter lugar. Resta também saber se se conseguirá fazer com que as compras de natal tenham lugar em novembro (de outro modo, o lockdown arrisca-se a não ser suficientemente forte para quebrar os contágios, e há sempre atividades que não param - cadeias logísticas e serviços de saúde por exemplo). E será crítico que consigam ter capacidade de teste para o momento de saída do lockdown. Provavelmente entre 21 e 24 de dezembro o comércio de natal deveria ficar fechado para evitar aglomerações. E claro que tem de haver um consenso social quanto a ter essa estratégia."

A verdade é que nas suas declarações deste domingo o ministro da Saúde francês, ao mesmo tempo que negava a hipótese de novo confinamento, admitia restrições de movimento já em outubro, aquando da referidas férias de Todos-os-Santos: "O que vai suceder no final de outubro vai depender do que faremos nos próximos dias e semanas. Se a disseminação do vírus aumentar e não se conseguir controlar, se não usarmos todos os meios necessários para achatar a curva, isso porá em perigo o nosso sistema de saúde e o próprio povo francês."

O governo "navega à vista" e "toma medidas a conta-gotas", dizem os nobelizados, exemplificando: só mandou fechar os recintos desportivos das grandes cidades, que descrevem como "verdadeiros boiões de cultura do vírus", depois de "uma degradação forte da situação".

"A esperança", criticam, "parece residir em que os comportamentos "responsáveis" de cada um, associados à melhoria da capacidade de testagem dos laboratórios, nos permitam evitar a catástrofe até ao aperfeiçoamento dos tratamentos ou à chegada de uma vacina. Mas os cidadãos responsáveis vão em breve fazer face a dilemas muito difíceis entre os seus diferentes deveres, e não é razoável não os guiar nas suas escolhas." Isto porque, sublinham, "os encontros familiares, com os seus longos períodos de convívio à volta de uma mesa, são infelizmente muito propícios a contaminações." E lembram que "nos EUA, os longos fins de semana do Memorial Day, no final de maio, e o 4 de Julho [dia da independência], foram seguidos de picos de infeção."

Pondo de lado a hipótese de confinar apenas os mais velhos, o que teria de ocorrer durante muito tempo - "e isso não é possível nem humano" -, pensam que acesso fácil a testes baratos poderia ser uma solução, permitindo aos jovens testar-se antes de estar com os mais velhos e auto-isolar-se se infetados, mas não contam que esta esteja disponível já este outono.

Este não é o primeiro texto de opinião de Duflo e Benerjee sobre gestão da pandemia - em maio, publicaram um sobre a forma como os países em desenvolvimento devem reagir, advogando o instituto de um rendimento básico incondicional.

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