Nobel da Economia. A grande eficácia das pequenas coisas na luta contra a pobreza
Em meados da década 90 do século passado, Michael Kremer testou medidas de combate ao insucesso escolar no Quénia, e estava prestes a dar um importante passo para a economia do desenvolvimento.
O trabalho pioneiro deste economista ajudou a moldar o sistema de ensino naquele país africano apenas fazendo as perguntas "certas". O que Kremer e a equipa tentaram perceber foi a eficácia das políticas públicas na melhoria da qualificação das crianças e da qualidade do ensino, criando os incentivos certos. E chegaram à conclusão que "atirar" mais recursos para cima do problema nem sempre o resolve, ou tem impactos muito limitados.
As experiências levadas a cabo resultaram em importantes lições para diminuir o absentismo das crianças e para maior envolvimento dos professores. Mais tarde, Abhijit Banerjee e Esther Duflo (que são casados) aplicaram o mesmo tipo de "testes" na Índia e concluíram que obrigar as crianças a passarem mais tempo na escola não era uma forma eficaz de combater a pobreza. A solução passava por reformas que melhorassem a qualidade da escola.
Os três economistas venceram o prémio Banco da Suécia de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel pelo trabalho sobre a eficácia de medidas concretas no combate à pobreza. Para a Academia Sueca, "os seus métodos experimentais dominam atualmente a economia do desenvolvimento", justificando o prémio de cerca de 830 mil euros.
"A atribuição do Nobel a estes três investigadores tem um aspeto muito importante, contribuindo para reafirmar a centralidade das questões da pobreza no quadro da teoria económica", sublinha o economista Carlos Farinha Rodrigues do ISEG, especialista em desigualdades e pobreza. "Isso já tinha acontecido com a atribuição do prémio a Amartya Sen, foi reforçado com a atribuição do prémio a Angus Deaton em 2015 e agora também aqui temos uma vertente que tem que ver com as questões da pobreza", assinala em declarações ao DN/Dinheiro Vivo.
Uma "verdadeira revolução", assinala Cátia Batista, professora associada na Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e diretora científica do NovÁfrica, destacando a metodologia dos três investigadores que "promovem a experimentação e o contacto direto com as populações e outros agentes beneficiários das políticas de apoio ao desenvolvimento e criaram uma escola que hoje afeta o pensamento dos principais doadores internacionais".
Para Carlos Farinha Rodrigues, é o aspeto mais importante da investigação dos três economistas. "Trata-se da necessidade de, nas iniciativas de combate à pobreza, sermos capazes de ter uma avaliação dos resultados das medidas tomadas. E, de facto, quer por dificuldades naturais ao próprio problema quer por alguma insuficiência ou não continuidade das medidas de combate à pobreza, muitas vezes nós acabamos por não ter uma avaliação do que correu bem ou do que correu mal, de qual a eficácia ou qual a eficiência dessas medidas", sublinha.
A Academia sueca assinala que os três economistas demonstraram que dividir o problema da pobreza em aspetos mais pequenos e mais fáceis de atacar "responde melhor" em experiências desenhadas especificamente para determinadas comunidades.
"No fundo, trata-se de tornar as políticas de ajuda ao desenvolvimento mais efetivas, evitando o desperdício e maximizando o seu impacto", afirma a economista Cátia Batista, acrescentando que "há sempre que tentar perceber quais os mecanismos económicos que explicam porque é que uma determinada política de financiamento funciona ou não. Há que ir ao terreno, entender as condicionantes locais para utilizar a teoria económica para desenhar as melhores políticas e, depois, medir o seu impacto", assinala em declarações ao DN/Dinheiro Vivo.
As experiências levadas a cabo por Banerjee e Duflo, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e Kremer, da Universidade de Harvard, não podem, contudo, ser aplicadas em todas as situações e como resposta global à pobreza.
"Estas medidas são fundamentais, muitas vezes são até a única forma de conseguirmos ir a populações concretas, mas de alguma forma falta um quadro geral de quais as razões da pobreza e uma visão mais integrada que faça uma ligação consistente entre esta análise micro e uma análise mais macro sobre como a nível do funcionamento das diferentes economias e sociedades reduzir os fatores geradores de pobreza", assinala Farinha Rodrigues.
Este professor do ISEG alerta para os perigos de se isolar a experiência a uma determinada comunidade. "O problema, a partir de certa altura, é que deixa de ter capacidade de extrapolar dessa experiência para outras populações. Penso que temos aqui um ensaio a nível micro, para redefinir medidas a nível do sistema de ensino, a nível do sistema de saúde e a nível da própria afirmação cultural com instrumentos úteis de combate à pobreza."
Para o professor do ISEG, outro aspeto da investigação destes três economistas está relacionado com "uma reafirmação de uma certa visão da pobreza como um fenómeno multidisciplinar, com várias dimensões em que, para além da carência de recursos, existe também uma preocupação muito clara com as questões da educação, da saúde e da própria realização das pessoas".
A francesa Esther Duflo, com 46 anos, tornou-se nesta segunda-feira a vencedora mais jovem da história do Nobel da Economia sendo apenas a segunda mulher a ser distinguida com este galardão. Até agora, a única mulher a receber o prémio Nobel da Economia tinha sido a norte-americana Elinor Ostrom, em 2009, pelo trabalho sobre a gestão de recursos escassos através da cooperação dos agentes económicos.
jornalista do Dinheiro Vivo