As mensagens, as armas e os seguros. Como foi preparado o homicídio de Luís Grilo
Rosa Grilo e António Joaquim "previram, quiseram e conseguiram tirar a vida de Luís Grilo", lê-se na acusação do Ministério Público. Os alegados homicidas são acusados de terem planeado o crime sete semanas antes da morte de Luís Grilo, que terá morrido entre o dia "15 e 16 de julho", segundo a investigação. Ao DN, a advogada de Rosa Grilo, Tânia Reis, admite requerer a abertura de instrução, mas a defesa de António Joaquim avança que "o mais certo é não o fazer", nas palavras do advogado Ricardo Serrano Vieira.
Se o pedido avançar - a defesa tem o prazo de vinte dias para requerer a instrução e deste modo apresentar fundamentos que possam justificar que o caso não chegue a ser julgado - o julgamento de Rosa Grilo e António Joaquim poderá acontecer só depois do verão. Ambos estão presos desde o dia 26 de setembro do ano passado.
Nas 59 páginas da acusação, o Ministério Público reforça várias vezes a coautoria dos dois alegados amantes no homicídio de Luís Grilo. Rosa Grilo poderia até ser a beneficiária direta dos seguros de vida do engenheiro informático - seriam dez, alguns deles tinham sido negociados pouco tempo antes do crime (em abril e maio de 2018), e perfaziam a soma de meio milhão de euros - mas António Joaquim terá culpa em igual medida.
"Os arguidos Rosa Grilo e António Joaquim agiram em comunhão de esforços e de intentos, em execução de plano previamente por ambos delineado e aceite, previram, quiseram e conseguiram tirar a vida de Luís Grilo", lê-se no documento, que avança o tempo que os dois levaram para pensar os moldes em que iriam cometer o homicídio: 7 semanas. A seu favor - julgaram - tinham a experiência do oficial de justiça que, apesar de não ter licença de porte de arma tinha em sua casa duas armas e um revólver, além de várias munições.
No dia da detenção de Rosa Grilo e António Joaquim a polícia encontrou na casa do oficial de justiça uma pistola semiautomática, um revólver sem número de série visível e uma pistola semiautomática, além de carregadores e dezenas de munições.
"Considerando e conhecendo as características da arma de fogo e da munição escolhidas, nomeadamente a perigosidade e letalidade das mesmas, e a sua idoneidade para causar a morte de Luís Grilo, bem sabendo que na zona do crânio que visaram e lograram atingir, estava alojado órgão essencial à vida", acusa o MP. O atleta foi atingido com um tiro na cabeça que no entender do MP terá sido disparado pelo oficial de justiça.
Ao longo da acusação, são frisadas a "insensibilidade e indiferença pela vida de Luís Grilo" e é descrita a cronologia de um crime que Rosa Grilo e António Joaquim julgaram ser perfeito - afinal, Luís Grilo era desportista e poderia ter sofrido um acidente e que acabou por ser a primeira versão da viúva. O filho de ambos, na altura do crime com apenas 12 anos, também não poderia testemunhar sobre o dia do homicídio - estava com uma tia na praia - e ninguém sabia que o oficial de justiça tinha armas em casa.
O objetivo para o crime era claro, segundo a acusação: Rosa Grilo e o alegado amante queriam ficar juntos, mas nunca contemplaram a possibilidade de divórcio - o que deixaria Rosa Grilo sem bens, uma vez que a empresa de serviços informáticos pertencia a Luís Grilo. Os dois ambicionavam sobretudo os 500 mil euros dos seguros de vida que reverteriam a favor da viúva em caso de morte do atleta.
Queriam "assegurar uma situação económica abastada a Rosa Grilo, da qual António Joaquim iria beneficiar, nomeadamente, pelos proventos económicos da gestão das sociedades comerciais de que Luís Grilo era gerente e dos montantes indemnizatórios dos seguros contratados pelo ofendido e demais bens pertencentes a Luís Grilo que passariam para a titularidade de Rosa Grilo", lê-se na acusação a que o DN teve acesso.
Para provar a tese de que o homicídio do atleta foi premeditado, o MP aponta a viagem dos amantes a Benavila, em Avis, onde Rosa Grilo cresceu. "Aproveitando a circunstância deste [Luís Grilo] se encontrar a frequentar um estágio na localidade de Rio Maior, no dia 02.06.2018, os arguidos Rosa Grilo e António Joaquim deslocaram-se a Avis, tendo percorrido a Estrada Nacional que liga as localidades de Pavia a Avis, junto da qual veio a ser posteriormente localizado o cadáver de Luís Grilo e que escolheram para tal fim", justifica a acusação.
Terá sido nesse dia que os dois decidiram que seria usada uma arma de fogo para consumar o crime - o MP não explica a razão pela qual terá sido nesta altura que decidiram usar "a pistola de calibre 7,65mm, da marca "CZ", com o n.º de série 064623, e a munição "hollow point", atento o seu poder destrutivo, para tirar a vida a Luís Grilo".
Sabe-se agora - e lendo o despacho da acusação, onde estão vertidas as várias perícias aos telemóveis dos três: António Joaquim, Luís Grilo e Rosa Grilo - que além de a investigação ter ainda incluído perícias um routerde internet, tablets e ter monitorizado as mensagens trocadas via telemóvel, mas também por messenger do Facebook e por WhatsApp, que os dois acusados da morte do engenheiro informático nunca pensaram que seriam as suas comunicações a denunciá-los.
Apesar de terem apagado todas as mensagens trocadas - à exceção de uma, enviada por António Joaquim do telemóvel do seu filho, onde alertava Rosa Grilo para não se esquecer de "apagar toda a conversa", os dois não se esconderam nem mantiveram qualquer distanciamento antes ou depois do homicídio consumado.
Por isso é que a 14 de julho de 2018, António Joaquim comprou bilhetes para o Festival de Vilar de Mouros - onde estiveram a 23 de agosto - e já tinham decidido que o crime seria cometido "entre o dia 15.07.2018 e o dia 16.07.2018" - conforme sustenta a acusação. Também estiveram de férias em Porto Covo - entre 11 e 12 de agosto de 2018 - um apartamento reservado também por António Joaquim, no dia 15 de julho, o mesmo dia em que Rosa e Luís Grilo deixaram o filho com a irmã da vítima. O menor só regressaria a Cachoeiras, em Vila Franca de Xira - o local da residência de Luís Grilo, e onde este terá sido morto - no quarto de hóspedes e enquanto dormia -, no dia seguinte. Quando a criança chegou a casa, o pai já estaria morto, diz o MP.
O dia 15 de julho é crucial - em apenas três minutos, António Joaquim e Rosa Grilo trocaram 22 mensagens escritas e combinaram "os últimos detalhes relativos ao plano por ambos delineado para tirar a vida de Luís Grilo, acordando desligar os respetivos telemóveis". Terão escrito nas mensagens tudo o que pretendiam fazer?
A acusação não é clara neste ponto, mas deixa subentendido que terá sido mesmo isso que aconteceu: "Entre 01.07.2018 a 24.08.2018, os arguidos Rosa Grilo e António Joaquim efetuaram, entre si, 931 (novecentos e trinta e um) contactos telefónicos sob a forma de chamadas de voz e mensagens com vista acertar os detalhes relativos ao plano por ambos delineado para tirar a vida de Luís Grilo e ocultar o corpo do mesmo, bem como iludir as autoridades policiais", descreve o MP.
Ainda no dia 15 de julho - um domingo - pelas 19:39 - António Joaquim desligou o seu telemóvel, no interior de casa - em Alverca do Ribatejo, não muito longe de Vila Franca de Xira. Três minutos depois, Rosa Grilo fez o mesmo. Estava igualmente em casa.
"Em seguida, em hora não concretamente determinada, mas no período compreendido entre as 19:42 horas do dia 15.07.2018 e as 09:00 horas do dia 16.07.2018, António Joaquim, munido da arma de fogo (...) dirigiu-se à habitação onde residiam Luís Grilo e a arguida Rosa Grilo. António Joaquim apontou a referida arma na direção do corpo de Luís Grilo e efetuou um disparo, a uma distância não concretamente apurada, atingindo o crânio deste, no osso parietal direito, na região paramediana posterior, tendo a munição perfurado aquela região do crânio, cerca de quatro centímetros acima da sutura com o osso occipital, numa trajetória de trás para diante, com ligeira inclinação para baixo e para a direita".
Ao pormenor - é assim que a acusação descreve o momento do crime e os efeitos do disparo. A polícia desconhece a hora a que o homicídio terá sido cometido - com os telemóveis desligados, a PJ não conseguiu localizar António Joaquim ou Rosa Grilo através das antenas de telecomunicações. O MP situa a hora da morte entre o momento em que os aparelhos dos arguidos são desligados. O estado de decomposição em que o cadáver do atleta foi descoberto impossibilitou que, na autópsia, fosse possível calcular a hora exata do óbito.
Quando o corpo de Luís Grilo foi encontrado - com um saco preto do lixo na cabeça - no qual foi detetado ADN de Rosa Grilo - a vítima evidenciava marcas de violência no rosto (o saco teria sido colocado na cabeça para evitar que o sangue contaminasse a habitação).
Assim sustenta o MP o que terá acontecido de seguida: "Por terem dúvidas se Luís Grilo já estaria morto, os arguidos Rosa Grilo e António Joaquim desferiram pancadas com objeto não concretamente apurado na face do ofendido". A acusação é clara; não foi a pancada, mas o tiro que matou Luís Grilo.
Depois, Rosa Grilo e António Joaquim "em conjugação de esforços e intentos, transportaram o cadáver de Luís Grilo para um veículo automóvel, de matrícula não concretamente apurada, colocando-o no interior da viatura". Este é outro dos pontos que a polícia não conseguiu apurar: em que veículo foi transportado o cadáver?
Uma interrogação que não paralisou a investigação, como também não o fez o facto de nunca ter sido encontrada a "bicicleta de cor preta com uma risca vermelha, da marca "Cannondale" e o relógio de marca "Garmin GPS"" com que, numa primeira versão, Luís Grilo teria desaparecido durante um treino. A PJ acredita que foram os cúmplices do homicídio que fizeram desaparecer ambos os objetos.
No dia 16 de julho, António Joaquim e Rosa Grilo trocaram quase 50 mensagens. Serviriam para "combinar qual o destino a dar ao telemóvel de Luís Grilo e a conduta que Rosa Grilo deveria adotar perante terceiros com vista a criar aparência de que Luís Grilo permanecia com vida". Rosa Grilo enviou mensagens do telemóvel de Luís Grilo, fazendo-se passar pelo marido.: "Parabéns mano pá", terá sido uma delas. Conforme combinado com António Joaquim, ao final do dia Rosa Grilo avisou a GNR que o atleta não regressara de um treino de bicicleta.
Durante mais de um mês, Rosa Grilo era a imagem do desespero, e amigos e família não deixaram de procurar o atleta. As buscas só terminaram no dia 24 de agosto, quando o corpo do engenheiro informático foi encontrado por um popular, a poucos quilómetros da vila onde Rosa Grilo crescera.