Ensino superior. Porque estão a fechar tantas faculdades privadas?
O veredicto está dado. Ainda houve pelo menos um instituto que tentou contrariar o fecho anunciado, mas sem sucesso. Neste ano, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) deu ordens para encerrar sete faculdades privadas. Juntam-se a outras 13 que fecharam portas desde 2014, embora de forma voluntária. Mas, afinal, porque estão a fechar tantas faculdades e quais as razões que motivam o encerramento de uma instituição? Por falta de alunos, fragilidade financeira e até pela precariedade do corpo docente. As razões são diversas, quase todas ligadas entre si.
Após uma análise às contas das instituições, os técnicos da A3ES concluíram que havia sete instituições que não cumpriam as normas de funcionamento necessárias para se manterem ativas: a Escola Superior de Educação Almeida Garrett, o Instituto de Novas Profissões, a Escola Superior de Educação Jean Piaget de Arcozelo, o Conservatório Superior de Música de Gaia, o Instituto Superior de Comunicação Empresarial, Escola Superior Artística de Guimarães e a Escola Superior de Tecnologias e Artes de Lisboa.
Os problemas começavam logo na sustentabilidade financeira. "Qualquer perito poderia perceber como estão frágeis", conta o presidente da A3ES. Principalmente pela "falta de alunos", uma das principais causas de encerramento das instituições - havia uma até com menos de cem alunos no total. "Tão poucos que era impossível as propinas cobrirem as necessidades institucionais", explicou Alberto Amaral.
Captar estudantes deveria ser uma prioridade das instituições, segundo o dirigente. "E a melhor forma de motivar alunos é ter um ensino de qualidade. Porque se vou pagar mais e não tenho um acréscimo de qualidade, isto é um problema", explica. A solução passa por atrair nichos, como trabalhadores-estudantes, por exemplo. Ou mesmo aproveitar a falta de respostas locais. "O setor privado existe essencialmente no Porto e em Lisboa. No caso do Porto, representa quase 44%. Em Lisboa anda pelos 30%. O que acontece é que as vagas oferecidas pelo público nestas cidades não respondem à procura e, por isso, os alunos só têm duas opções: procurar estudar noutra cidade, acarretando todas as despesas de deslocação, ou enveredar por uma instituição privada."
Mas a tendência, diz, é que o número de alunos no superior diminua nos próximos anos, "devido à baixa natalidade". "Já fecharam escolas primárias e há de chegar ao superior", lembra.
As condições laborais do corpo docente também levaram a agência a decidir não reconhecer estas escolas e estes institutos. Feita a investigação, perceberam que grande parte dos professores que lecionavam não tinham um contrato, "trabalhavam a recibos verdes". E mesmo os contratados viviam na instabilidade, com contrato a partir de outubro para findar em julho do ano seguinte. "Baixo número de alunos, fracos recursos, falta de condições para o corpo docente." Para o presidente da A3ES, a lógica é simples de explicar: tudo funciona com efeito dominó.
Além disso, por trabalharem sob condições precárias, os docentes optam por acumular funções num outro emprego - o que resulta na falta de um núcleo de professores a tempo inteiro.
Mas não são só os docentes que acumulam funções. Segundo Alberto Amaral, tal também acontece com os membros do conselho de gestão das instituições, "o que é contrário ao que está estabelecido na legislação".
Ainda relativamente aos docentes, a agência denunciou a existência de "falsos especialistas" nas instituições. Recorda o período de Mariano Gago à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, quando se empenhou numa maior distinção entre universidades e politécnicos. A ideia era que estes últimos se distinguissem das primeiras pela vertente mais prática. "No caso das universidades, o corpo docente seria baseado em indivíduos doutorados. Nos politécnicos, o plano era ter mais pessoas com experiência prática", entre eles os especialistas. Também conhecidos como professores convidados, "alguém reconhecido no mercado de trabalho, que continua a sua atividade profissional e, uma vez por outra, leciona numa determinada instituição". Como é o caso de Siza Vieira, professor convidado da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, exemplifica Alberto Amaral. Mas o que acontece é que há quem seja contratado para este posto sem ser sequer especialista. "O problema é que a designação deste estatuto é discutível. Tem de ser revisto", remata.
Mas a direção do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), uma das instituições que ficaram a conhecer a ordem de encerramento neste ano, contesta que os falsos especialistas sejam vistos como uma justificação para o fecho. Num comunicado ao qual o DN teve acesso, contraria a ideia da agência, explicando que "todos os candidatos a especialistas apresentaram um processo documental com as provas da experiência adquirida, tendo sido analisados e avaliados em sede de conselho técnico-científico".
O anúncio do fecho destas instituições está a preocupar os alunos. A Direção-Geral do Ensino Superior negociou duas opções para estas instituições: ou permanecem ativas até todos os estudantes que agora existem terminarem o seu ciclo de estudos, não estando aptos para receber novos, ou transferem os alunos para instituições de ensino públicas.
Desde 2014, contam-se já 20 instituições com ordem para fechar portas, grande parte delas a título autónomo. Só estas últimas sete tiveram ordem da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES). Esta foi a primeira vez que a agência lançou o processo de acreditação institucional, depois de anos apenas dedicados à acreditação de cursos.
Em 2014 começou a avalancha, com o fecho do Instituto Superior de Línguas e Administração de Bragança. Um ano depois, mais quatro: o Instituto Superior de Educação e Trabalho (Porto), a Escola Superior de Educação e Torres Novas, o Instituto Superior de Espinho e o Instituto Superior Bissaya Barreto (Coimbra). Já em 2016, o Instituto Superior D. Afonso III (Loulé), a Escola Superior de Saúde Jean Piaget do Nordeste e a Escola Superior de Educação Jean Piaget do Nordeste (Macedo de Cavaleiros). Ainda no ano passado, foi a vez da Escola Superior de Artes Decorativas de Lisboa. E neste ano o Instituto Superior Politécnico do Oeste e o Instituto Superior de Gestão Bancária, aos quais se juntam as novas sete que receberam ordem de encerramento - embora nem todas fechem definitivamente já neste ano.
Certo é que o país está agora a sofrer "as consequências de uma fase de expansão pós-25 de Abril". Quem o diz é Alberto Amaral, presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Em entrevista ao DN, lembra como nesta altura "qualquer um abria uma instituição privada de ensino e qualquer vão de escadas servia".
Se, antes da revolução, "a percentagem de jovens que ingressavam no ensino superior rondava os 7% (...) hoje são cerca de 40%". Mas assim que a liberdade assentou no país, tudo mudou. Os jovens começaram a procurar mais e mais o ensino superior, mas o setor público "não tinha capacidade para albergar tantos tão imediatamente", conta. A solução foi investir no privado, onde o objetivo primordial se tornou a captação de alunos, a todo o custo.
Nesta altura, "foram autorizadas muitas instituições que não deveriam ter sido", defende Alberto Amaral. Ainda não existia a Agência de Acreditação para um maior controlo, apenas um despacho do ministério. Era o quanto bastava para seguirem em frente. Mas com o passar do tempo assistiu-se a fortes investimentos no ensino superior público, o que destabilizou o privado. E muitas destas instituições que nasceram no seio da revolução foram perdendo capacidade para responder aos desafios diários.
Um cenário cujos efeitos começariam a surgir só no século XXI, com o encerramento de muitas destas instituições.