Elia suleiman não gosta de ser chamado de "cineasta palestiniano", mas este nazareno é por estes dias o nome maior de um cinema da Palestina. Suleiman não quer ser reduzido apenas a isso, e tem razão. O seu cinema é do mundo. Em Portugal, a sua obra tem encontrado um público considerável, em particular através dos anteriores Intervenção Divina (2002) e O Tempo Que Resta (2009). Pensador e provocador, Suleiman é também um amigo do LEFFEST, tendo marcado presença nesse festival lisboeta por diversas vezes. Uma figura de culto que é uma espécie de palhaço triste a fazer lembrar Otar Iosseliani e Buster Keaton..Dir-se-ia que o Elia é um apoiante do humor absurdo com licença poética. Dá-se bem com essa descrição? Não tenho bem a certeza... Neste tipo de filmes, o que acontece sobretudo é uma coisa chamada intuição. Aquilo é o que eu sou, é o que eu pareço, a minha personagem... Enfim, é tudo aquilo que retém o meu olhar quando observo o mundo. O Paraíso, provavelmente é uma súmula do que atrai os meus olhos. Claro que há momentos com potencial humor, potencial coreografia e intenção poética, mas acabo por não escolher nada. O filme é, se quisermos, a minha ocupação prática - não me peçam para fazer outra coisa. Limito-me a ficar sentado, a não fazer nada e a observar. Percebi que, chegado aos 60 anos, passei toda a minha vida a não fazer nada! Agora interrogo-me se isso foi a coisa mais certa para se fazer. A maior parte da minha existência é estar sentado numa cadeira. E não é intencional: sento-me numa cadeira numa varanda e fico a olhar e a sonhar. Depois, em certos casos, quando me sento no meu estúdio, fico a pensar no que vi lá fora e começo a transformar isso em cinema. Basicamente, sou um pintor invisível..Estava a ver o filme e a questionar-me por que não há outros cineastas que pensem na sua figura para ser usada como ator... Ninguém me contrata. Na verdade, já fui abordado mas não gostei das propostas. Para eu entrar tinha de ser em algo que estivesse muito próximo ou muito distante de mim. Mas chamem-me para um western ou algo que tenha que ver com a máfia. Isso eu faço, coisas ligadas a assuntos sociais é que não. O realismo não é para mim..Em Portugal há quem pense que a sua personagem tem algo parecido com João César Monteiro..Pois, esse é um cineasta interessante, muito. Nunca me esquecerei daquele momento no autocarro quando ele começa a cantar, é espantoso. Mas ao contrário dele, eu marginalizo a minha personagem, não é tudo sobre ela..Nesse aspeto, o seu clown é mais Tati..Sim, sim, apesar de nunca ter sido um estudioso da sua obra. Como não sou um cinéfilo, houve uma altura em que nunca tinha ouvido falar dele. Nunca andei numa escola de cinema e quando rodei o meu primeiro filme um tipo do som disse-me que o que estava a fazer era muito Tati e Buster Keaton. Nunca tinha ouvido falar deles. Só depois, quando vi os seus filmes, é que entrei em choque total. Lembro-me de uma vez aqui em Paris, estava a ir ao cinema com uma ex-namorada para ver Playtime. No caminho, algo cómico se passou e disse-lhe que tinha de usar aquilo num próximo filme meu. Qual não é o nosso espanto que estamos a ver o Playtime e aquilo está lá!.Este é talvez o seu filme mais "popular". No Festival de Cannes, recordo-me de o público rir às gargalhadas e bater palmas no meio. Não estava à espera que o seu cinema pudesse agradar a multidões, pois não? Nunca se sabe, mas não... Às vezes, falam-me desse efeito e eu nem quero ouvir. Quando dizem que o meu filme tem algo de "comercial", tapo logo os ouvidos. A minha mulher também me disse que este filme iria tocar muita gente e mandei-a calar! O que faço é um cinema muito para mim mesmo, se começo a pensar no potencial industrial do filme estou tramado. Se quisermos ser honestos em cinema não podemos pensar no público..Mas este é o seu filme mais abrangente. O marketing da distribuidora francesa achou que era à mesma muito "arte e ensaio". E pensaram que tal como os meus filmes anteriores, este era muito político. Este é um filme palestiniano que não é palestiniano. Supostamente, poderia ser mesmo o meu filme mais fácil de vender: tem um pouco de Nova Iorque e de Paris e nem precisa de legendas. Mas o problema pode estar aí: não tem legendas e obriga as pessoas a pensar. Pensar ou sentir... Os distribuidores são um pouco o check point entre o filme e o espectador. São perigosos, eles é que decidem..É a tal coisa de estar a fazer arte numa indústria... Sim, mas em França as greves mataram a carreira comercial do filme. Foi azar, muito azar, dizem-me que era um filme que iria fazer muitos espectadores. Em Cannes, também tive azar: era o favorito para a Palma e levou o prémio especial do júri. Sinto que é óbvio que o júri foi forçado a dar esse prémio: não queriam dar nada..Foi um prémio de consolação? Percebe-se que eles preferiam que este filme não existisse, sobretudo os realizadores que estavam no júri [Alejandro Iñarritu, Kelly Reichardt, Alice Rohrwacher, Robin Campillo, Yorgos Lanthimos e Pawel Pawlikowski]..É visto na Palestina como um herói? Herói não sei, mas sou um exemplo de uma história positiva. Diria que o povo respeita-me muito... Não passo despercebido a ninguém na rua, digamos... É difícil para mim ir a um café sem ser reconhecido. Às vezes, quero estar sozinho e não é fácil..Acha que o cinema ainda pode ser um local para debater ideias políticas? Se o cinema não tivesse guinado mais para a indústria e para o lucro, hoje seria um sistema de educação efetivo. A verdade é que o cinema nunca contribuiu para mudança alguma..Permita-me dizer que daqui a 20 anos este seu filme não deixará de ser um objeto de história acerca da Palestina... Tenho dito que o meu cinema pode constituir uma certa forma de documentação, mas não sei se sara alguma coisa. Se o sarar é apenas momentaneamente..E não valerá como forma de informação para o exterior sobre a situação atual da Palestina? Era bom que os problemas do mundo fossem apresentados desta maneira... Mas o cinema atual deseduca muito e o problema esteve sempre com os liberais de esquerda..Considera que há aí uma pose de presunção de que a verdade é só essa? Sim! Sabe, aquele tipo que aparece no filme e diz que o meu filme não é palestiniano o suficiente? É disso que falo, desse esquerdismo que quer ser o patrono de todas as causas. É um problema de pós-colonialismo. Um problema que subsiste com economia neoliberal numa globalização que põe fim aos sistemas ecológicos, enfim, um pesadelo... Estamos a viver num inferno! Dizem-me que O Paraíso, provavelmente é muito divertido. Pois bem, é divertido porque é desesperado!.Divertido mas também trágico... É azedo, sim. Isto é o que sou, é assim que reflito a realidade. Mas ainda bem que não sou daqueles que fazem cinema como mera análise política. Isso é terrivelmente chato! Fiz um filme com diversos estados de humor, diversas camadas..Este filme não foi fácil de financiar. Pelo que percebi candidatou-se aos apoios do canal ARTE e foi rejeitado. Sim, mas é tudo político. O Gilles Jacob, antigo presidente de Cannes, estava no comité... Ouvi alguém dizer que ele achava que este projeto era o Elia Suleiman a reacender a sua tralha antiga. É de doidos porque desta vez nem era esse o caso..Tem de levar muito com o preconceito de ser palestiniano? Não, é essencialmente uma coisa política do Jacob, mas não vou estar aí a gritar alto e em bom som. Para este filme não tive dinheiro francês. Ele só existe devido aos fundos de Doha e do produtor alemão. Não pensem que é fácil arranjar financiamentos para os meus filmes. Para a próxima, quem sabe, tenho de tentar Portugal.