Dos palcos para Nova Iorque para levar a cultura portuguesa a todo o mundo

Chegou à América em 2006 para um curso de seis meses, mas apaixonou-se por Nova Iorque. Do que Ana Ventura Miranda mais gosta é de ali nada ser impossível, por isso com a ajuda do primo e sem dinheiro criou o Arte Institute. Já organizou 300 eventos em 20 países. <em>Neste verão o DN republica algumas das reportagens integradas na rubrica sobre portugueses e luso-americanos de sucesso Pela América do Tio Silva. Este artigo foi publicado originalmente a 28 de julho de 2017</em>
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Encolhida num casaco vermelho, Ana Ventura Miranda escolhe um pequeno café do Soho para a conversa. Vive ali perto, no prédio de uma portuguesa - "só assim tenho dinheiro para pagar a renda!" - e costuma ir ali beber um chá a meio da tarde. Mesmo que quisesse receber o DN nas instalações do Arte Institute, que fundou em abril de 2011, não seria possível. Porquê? Porque o Arte Institute é ela, o primo Rui Ventura e Constança Vilela. "E eles os dois estão em Portugal", explica esta morena franzina que dispara palavras à velocidade da luz. Cinco anos depois de ter chegado a Nova Iorque "para um curso de três meses" e se ter apaixonado pela cidade, a antiga atriz decidiu criar uma plataforma para divulgar a cultura contemporânea portuguesa. Tudo começou com um site que ainda existe e muita boa vontade. Três centenas de eventos depois, tendo promovido 650 artistas em mais de 20 países, pode dizer-se que foi é sucesso.

Mas nem tudo foi fácil. "Quando comecei o Arte Institute foi como se toda a minha vida fizesse sentido. Como se tivesse estado 33 anos a preparar-me para fazer uma coisa que nunca ninguém tinha feito em Portugal. Muito menos com a cultura contemporânea", conta Ana diante da caneca fumegante. Lá fora a chuva cai, os nova-iorquinos passam apressados debaixo dos chapéus-de-chuva. Despido o casaco, Ana fica com uma camisa aos quadrados vermelhos e pretos. Recostada na cadeira, relembra o dia em que tudo começou. Tinha acabado de vencer um concurso para a melhor curta-metragem do mês do Anthology Film Archives (espécie de cinemateca de Nova Iorque) quando decidiu que tinha de levar à cidade uma mostra de cinema português. "Moía-me estarem sempre a dizer que tinha ideias megalómanas. Que era impossível haver um espaço para a cultura".

Por isso decidiu agir. "Saí dali decidida a alugar um espaço no Anthology Film Archives, nem que gastasse todo o meu salário nisso! O Arte Institute nasceu assim, mesmo sem eu saber. Eu já falava disso, mas achava que era preciso um espaço. Tinha a ideia clássica de como é que isto tinha de ser". Mas "não existe um espaço físico. A IBM diz que somos o novo modelo de negócio para a cultura e os americanos concordam", explica.

Escreveu para Portugal, a pedir conselhos a críticos de cinema sobre as curtas a levar para Nova Iorque, pediu contactos à ZON, que então tinha um premio nessa área, contactou os realizadores e a verdade é que os filmes começaram a chegar. "Isto foi em 2011, ano fantástico para as curtas portuguesas. E quando começaram a chegar percebi que mais do que uma mostra, podia fazer um festival". Nascia assim o New York Portuguese Short Film Festival.

<p>Ambição nunca faltou a Ana que cedo trocou a sua Torres Vedras, onde nasceu em 1977, por Lisboa, atrás do sonho se ser bailarina. Não foi, mas foi atriz. "Fiz muito teatro e fiz algumas novelas na TVI, fiz a Ana e os Sete. Fiz peças no Teatro aberto, no teatro da Luz, no São João. E trabalhava com produção também", conta, enquanto explico como isso "era um drama em Portugal. Fazer muita coisa ao mesmo tempo: ou és atriz ou és produtora. Isso irritava-me imenso". Tal como se irritava quando começou a fazer novelas e lhe diziam que ter mais dez centímetros faria toda a diferença.

Foi também nessa altura que os amigos a começaram a pressionar para sair de Portugal. A crise financeira ainda não estava no horizonte e Ana até achava a necessidade de ter de sair do país para conseguir fazer tudo aquilo que queria "uma parvoíce". Mas sentia-se "sufocada", por isso não perdeu a oportunidade de ir para Nova Iorque fazer um curso de teatro. "No primeiro mês achei tudo muito sujo. Depois, ao fim de um mês apaixonei-me por isto. E ainda era a América de Bush!", exclama agora com uma das muitas gargalhas que lhe saem com facilidade. "Não vinha com expectativa nenhuma. Vinha fazer o curso e depois ia para o Brasil. Só que tudo o que eu metia na cabeça acontecia. Pensava: "hoje vou arranjar o curso X". E acontecia. "Hoje vou arranjar um part-time". E acontecia! Encontrar uma casa foi o mais difícil. Comecei a adorar esta coisa de as pessoas nunca me dizerem que era impossível", confessa a antiga atriz.

"Tens tantos cursos!"

Decidida a ficar, Ana passou os anos seguintes a ser - como a própria gosta de dizer - empurrada para onde a vida a levou. Durante o curso, em que teve aulas com a mesma professora que o ator Nuno Lopes , tinha um part-time numa loja, mas os professores passavam o tempo a dizer-lhe que devia aproveitar o facto de falar seis línguas e ir trabalhar para a ONU.

Com duas licenciaturas - uma na Católica em Línguas Estrangeiras Aplicadas e outra, na Autónoma, em Comunicação Social - e uma pós-graduação em Arte e Terapia do Movimento, Ana acabou por ceder à pressão. "O meu próprio pai perguntava o que estás a fazer a trabalhar numa loja? Tens tantos cursos! Mas eu respondia que nunca tinha sido tão feliz na vida!", lembra. Um dia decidiu "acabar com esta história". Foi ao edifício das Nações Unidas, um pouco mais acima em Manhattan, junto ao rio Hudson, deixar o currículo. Mas acabou a fazer logo uma entrevista. "Não pensei mais naquilo. Passou um mês e tal. Vou a Portugal no Natal. Recebo um email a perguntar se quero assinar contrato. Assim fui parar às Nações Unida". A Missão Permanente de Portugal junto da ONU estava na altura a contratar pessoal para preparar a presidência portuguesa da União Europeia no segundo semestre de 2007 e Ana foi a primeira a chegar desse contingente.

Mas trabalhar na ONU não a impedia de ir aos castings e de fazer algumas curtas-metragens. "Infelizmente tinha accent [sotaque]. Como ainda tenho e sempre hei de ter. Para meu desgosto", confessa. E explica que na América a forma de trabalhar é muito diferente do que era em Portugal. "Quando ia aos castings era sempre "Audrey Hepburn style e Amélie Poulain". Aqui tu tens de estar numa caixa. A maneira de eles fazerem acting é completamente diferente de Portugal. Aqui eles categorizam-te para poderes encaixar. Mas se fores boa, depois podes fazer outras coisas", conta.

Com os dias ocupados pelo trabalho nas Nações Unidas, chegou uma altura em que Ana percebeu que representar já não era o que queria fazer. "Não queria recomeçar tudo. Já em Portugal tinha largado tudo para ser atriz. Tinha ido estudar representação. As coisas exigem técnica, é preciso aprender como fazer. Como dizia um professor meu 70% é trabalho, os outros 30% são talento", explica a portuguesa.

Ao fim de um ano na missão permanente portuguesa junto da ONU, Ana decidiu que aquilo era "um trabalho para gente séria, não vim para Nova Iorque para fazer isto!". Por isso recusou renovar o contrato, mas ficou a trabalhar para a RTP Internacional durante dois anos e meio, antes de ser contratada para a galeria Sonnabend, onde trabalhou com Antonio Homem, o herdeiro português adotado em 1987 pela galerista Ileana Sonnabend e pelo marido, Michael.

Incapaz de estar quieta, um ano e pouco depois Ana foi fazer um curso de para aprender a editar vídeo porque "achava que editava mal. Nunca ninguém me tinha ensinado, aprendi sozinha", conta agora. O mais barato que encontrou obrigava os alunos a fazer uma curta-metragem. Foi com esse trabalho que ganhou o concurso do Anthology Film Archives que acabaria por estar na origem da ideia do Arte Institute.

Empenhada em organizar um festival de curtas-metragens portuguesas em Nova Iorque e já com os filmes enviados pelos realizadores, Ana Ventura Miranda percebeu que a sua ideia só podia concretizar se tivesse um site para a divulgar. Fez uma pesquisa na América e em Portugal e a conclusão a que chegou foi que os projetos portugueses eram os melhores. "Andei à procura de pessoas e as melhores eram de Torres Vedras. Vimos os logótipos também para a marca. Os melhores estavam em Portugal. Pensei: "que mania que temos de que os outros é que são melhores"", explica agora, passados seis anos.

De um site, o projeto rapidamente se tornou um portal, onde Ana queria pôr galerias virtuais com obras de artistas portugueses, onde queria ainda juntar notícias sobre esses artistas, entrevistas que lhes faria, etc. Para a ajudar desafiou o primo Rui. "A minha avó dizia sempre que o Rui trabalhava nos computadores, só mais tarde percebi que ele não era informático e que me podia ajudar na parte da edição", ri-se. Ela própria aprendeu a filmar e foi assim que tudo começou. Sempre sustentado pelo salário de Ana na galeria.

"Registámos o site como uma entidade sem fins lucrativos. Somos uma entidade americana. E depois já não conseguia editar tantos vídeos, porque continuava a trabalhar na galeria", recorda. "Fazíamos isto às cinco da manhã. Fazíamos isto com meia dúzia de tostões", garante a ex-atriz.

Mas havia um preço a pagar para tanta devoção. "Eu não dormia, não comia. Dormia duas horas e já estava acordada, porque sabia que tinha aquilo para fazer. Já chegava atrasada à galeria...", admite Ana. Mãe deste projeto, foi ela também que lhe deu o nome. "Escolhi Arte com "e", a ideia era ser uma palavra em português, mesmo se toda a gente escreve sem "e". Ao fim de cinco anos ainda me irrito com isto. Mas o Google reencaminha", diz com mais uma gargalhada sonora.

Ana não esconde o espanto com o apoio que recebeu das entidades americanas, que após a realização do primeiro New York Portuguese Short Film Festival no Union Square Park a desafiaram a realizar um evento de 15 em 15 dias no mesmo espaço. "Eu não tinha mais filmes para passar mas disse que sim. Liguei para a designer a pedir um logo para uma coisa chamada Summer Night Series at Union Square Park . Na segunda já tinha descoberto músicos portugueses aqui. Por isso disse que não era só cinema, de 15 em 15 dias íamos ter uma mostra de cultura contemporânea portuguesa - cinema, música e artes!"

sim foi. Os eventos multiplicaram-se, com a exibição de filmes como A Gaiola Dourada ou Amadeo de Souza Cardoso: o Último Segredo da Arte Moderna no MoMA, a organização de uma semana Saramago, também no espaço do museu e com a participação de Pilar del Rio, a viúva do Nobel português. "Tinha conhecido a Pilar em Portugal numa conferência de imprensa, demo-nos logo bem. Eles queriam trazer o filme José & Pilar aos Óscares. Como não se podia promover o filme, decidimos fazer uma semana dedicada a Saramago em que também apresentávamos o filme", lembra Ana.

Outro grande evento em que o Arte Institute participou foi o festival Iberian Suite no Kennedy Center, em 2015, que homenageava Portugal e Espanha. "O elétrico de cortiça que levámos foi a obra mais vista da exposição", conta Ana, sublinhando que o segredo do sucesso foi ter as peças portuguesas nos corredores. "Ninguém chegava aos Picassos dos espanhóis sem passar por nós!".

Apesar deste sucesso do Arte Institute, a diretora faz questão de sublinhar: "Não estamos aqui a tentar tirar o protagonismo a ninguém. Estamos a tentar fazer o que é certo. Mas há muita gente a tentar desvalorizar o que fazemos. É o grande problema de Portugal, não sabemos trabalhar em equipa", lamenta. E a sua estratégia é simples: "Nós no Arte Institute defendemos que a cultura deve servir para "vender o país inconscientemente". Isto vai atingir todas as áreas. Porque as pessoas passam a saber que país é aquele. Não há ninguém que vá a Portugal e não goste. Isso não existe. Se gostas do país é mais fácil investir lá".

Concertos com músicos que vão do fadista Rodrigo Costa Félix aos The Gift, passando por Luísa Sobral ou Rodrigo Leão, apoio a artistas portugueses que vivem nos EUA, eventos literários como o Pessoa em Nova Iorque, muitas exibições de filmes portugueses e um evento anual de dança são apenas algumas das apostas do Arte Institute.

Com tantos eventos na agenda, a verdadeira questão é como é que Ana consegue o dinheiro necessário para trabalhar. Mais uma vez a diretora do Arte Institute recorda que tudo começou com o seu salário, "só depois pedimos os apoios". E até nisto decidiram ser inovadores. "Criámos um membership em que as empresas membros têm contrapartidas. Além do nome nos eventos, do product placement, etc, nós oferecemos os nossos serviços a essas empresas. Oferecemos o nosso know-how. Estamos a vender a produção. Isto é a grande novidade", procura explicar.

Quando o projeto começou, cada empresa pagava 15 mil euros por ano. Desde então, o BES (agora Novo Banco) deixou de fazer parte dos patronos do Arte Institute, que contam ainda com EDP, Caixa Geral de Depósitos, a câmara de Cascais, o Instituto Camões e a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). No segundo ano, foram as próprias empresas a aumentar a participação para 20 mil euros, explica Ana, antes de referir que com o Instituto Camões conseguiram um protocolo de 12 mil euros. "O mais importante é estarmos inseridos na programação da cidade de Nova Iorque. Este ano em vez do festival das curtas candidatámos os Portugueses no Soho porque achámos que era mais importante. Somos os únicos a ganhar estes fundos", diz.

Depois de 11 anos em Nova Iorque, regressar a Portugal já não parece uma perspetiva assim tão longínqua para Ana. Na altura em que conversámos, até tinha recebido umas propostas "aliciantes" para vir fazer mais ou menos o que faz na América mas em Portugal. "Não faço isto para ser conhecida, para ganhar prémios. Um dia vou deixar de fazer isto e tenho muita pena se isto morrer comigo. Mas estou farta de avisar. Vou a Lisboa, tento falar com os políticos todos para tentarem aproveitar o trabalho que temos feito aqui". A mais longo prazo, o que a diretora do Arte Institute queria mesmo era uma mudança mais radical. "Se um dia voltar para Portugal, quero ser terapeuta. Costumo dizer que agora estou a cuidar de Portugal e a seguir vou cuidar dos portugueses individualmente. Gostava de fazer terapias alternativas. Faço terapias das vidas passadas há muitos anos".

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