Do Bosão de Higgs à foto de um buraco negro. Dez avanços científicos que marcam a década
Avanços na área da genética e da clonagem que abrem caminho a futuras terapias na área da saúde, nomeadamente no cancro, a primeira aterragem de sempre num cometa, que permitiu conhecer alguns dos seus segredos, a descoberta (finalmente) do bosão de Higgs, ou ainda a primeira imagem de sempre de um buraco negro, algo que era inimaginável há apenas uns anos, são alguns dos feitos científicos da década quase a terminar. São todos avanços marcantes, na fronteira do conhecimento, que contêm a promessa de futuros desenvolvimentos, de mais conhecimento, e certamente de novas reflexões sobre a Terra, o universo, a vida e nós próprios.
Em 2010, o investigador Svante Pääbo e a sua equipa do Instituto Max Planck, em Leipzig, na Alemanha, publicaram na revista Science o genoma Neandertal, e com isso estabeleceram um novo campo de estudos: o do ADN antigo, que por sua vez veio revolucionar muitas outras áreas científicas, como a arqueologia, a paleontologia e a antropologia. Com a nova possibilidade de decifrar e estudar os genomas de espécies já extintas, incluindo espécies humanas, a ciência ganhou novas visões sobre o passado que estão a permitir traçar um retrato muito mais preciso sobre ele, com novas informações e algumas surpresas. Foi graças ao ADN antigo, por exemplo, que se descobriu em 2018, pela mão ainda da equipa de Svante Pääbo, uma nova espécie humana, o homem de Denisova. E tudo quanto bastou para isso foi um pequenino osso de um dedo, que era de resto um fóssil único. Inimaginável, antes de existirem estas novas técnicas.
Foi uma demanda de cinco décadas, que exigiu o contributo de milhares de cientistas, engenheiros e técnicos, a realização de milhares de milhões de colisões de partículas lançadas a velocidades vertiginosas no Grande Colisionador de Hadrões (o LHC) do CERN, a organização europeia de investigação nuclear. Mas o resultado compensou. No dia 4 de Julho de 2012, os físicos do CERN anunciaram, finalmente, que tinham detectado a partícula que o físico britânico Peter Higgs previu na década de 1960, para explicar a massa das outras partículas. A descoberta do bosão de Higgs foi o facto científico do ano para a Science e no ano seguinte valeu o prémio Nobel da Física ao próprio Higgs, pela sua antevisão teórica da tal "partícula de Deus", como também ficou conhecido o Bosão de Higgs.
Esta tecnologia de manipulação dos genomas, a primeira que é simultaneamente simples, eficaz e barata, permitindo uma edição muito precisa da molécula do ADN, é literalmente uma descoberta da década, porque todo esse tempo a maturar. Desenvolvida em 2012, vulgarizou-se a partir de 2015 nos laboratórios de investigação, para a edição e manipulação rápida de genomas dos seres vivos e nesse mesmo ano foi considerada pela Science o grande avanço científico do ano. Desde o início, porém, que o uso da tecnologia tem suscitado preocupação e reflexões éticas, por abrir a possibilidade de edição do genoma humano. Em 2019, precisamente, a poderosa ferramenta foi pela primeira vez aplicada com sucesso numa terapia experimental em três doentes com cancro, deixando a esperança de novos avanços nessa linha. Mas a sua eventual utilização à margem da ética permanece uma preocupação real.
Numa manobra arriscada e nunca antes (nem depois) tentada, o Philae, o módulo europeu de aterragem que durante dez anos viajou através do espaço, acoplado à sonda Rosetta, fez história quando a 12 de novembro de 2014 mergulhou a caminho da superfície do cometa Tchourioumov-Guérassimenko. A manobra correu bem até ao momento decisivo, quando o Philae tocou a superfície irregular do cometa. O pequeno explorador da ESA acabou, no entanto, por aterrar de lado - soube-se depois que o arpão que deveria tê-lo segurado ao solo no momento do impacto não funcionou. Conseguiu, no entanto, cumprir 80% da sua missão, enviando os dados que recolheu no solo do cometa durante algumas horas, antes de entrar em hibernação por falta de energia. Isso permitiu traçar o primeiro retrato ao vivo de um cometa, com novos dados que a ciência ainda vai continuar a explorar.
Foi um sobrevoo rápido, que durou menos de um dia, à vertiginosa velocidade de 14 km por segundo e a uma distância "mínima" de 12.550 km da sua superfície, mas tanto bastou para que a sonda New Horizons da NASA fizesse história naquele dia 14 de julho de 2015. Com essa missão, cumpriu-se a visita que faltava fazer ao último planeta (nessa altura já reclassificado como planeta anão) do sistema solar e a bateria de dados que a sonda recolheu e enviou para a Terra acabou por revelar um mundo ainda mais bizarro do que os cientistas supunham, onde parece haver crio-vulcanismo (das erupções, em vez de lava, brotam compostos gelados) e, possivelmente, um oceano subterrâneo. Um dos grandes contributos da New Horizons foi o de mostrar em grande detalhe uma paisagem que até então era inteiramente desconhecida e que se revelou bela, mas também movediça, com processos geológicos em curso, que a vão alterando, desde há centenas de milhões de anos.
Imagine-se um dos maiores cataclismos do universo, como a colisão de dois buracos negros. Sim, é difícil. Mas foi justamente com a deteção das consequências de um dessas mega-colisões que os cientistas conseguiram pela primeira vez, em 2016, observar diretamente ondas gravitacionais, um fenómeno que tinha sido teorizado por Einstein em 1916, mas que nunca até então tinha sido confirmado. Graças aos dois detetores do observatório LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) instalados nos Estados Unidos, fazer essa confirmação exatamente cem anos depois de Einstein ter enunciado a hipótese, não deixou de ser uma bela coincidência. As ondas gravitacionais são uma perturbação no tecido do espaço-tempo causada por corpos de grande massa acelerados através do universo e captá-las, como passou a ser possível, permitiu abrir uma nova janela para olhar universo.
Rezava a história que a humanidade moderna nasceu há cerca de 200 mil anos em terras da África Oriental, mas em 2017 o surpreendente achado de um conjunto de fósseis de Homo sapiens numa gruta de Jebel Irhoud, em Marrocos, veio subverter esta e noção e fazer recuar em cem mil anos o surgimento da espécie humana. Ou seja, a história inicial dos humanos modernos deverá ser bem mais complexa, com a possibilidade de várias migrações dentro do território africano e de evolução dentro da própria espécie. Segundo o grupo do paleantropólogo Jean-Jacques Hublin, do Instituto Max Planck de Leipzig, na Alemanha, e do Collège de France, em Paris, que fez o estudo do achado, o Homo sapiens ter-se-á dispersado pelo continente africano antes de se lançar na sua famosa viagem out of Africa. A história humana vai-se a poupo e pouco completando.
Precisamente 22 anos depois de o primeiro mamífero - a ovelha Dolly - ter sido clonado, cientistas chineses deram um novo salto e clonaram, em 2018 os primeiros primatas usando a mesma técnica que deu origem à famosa ovelha: clonagem por transferência nuclear de células somáticas, o que implica retirar a informação genética contida no núcleo de uma célula somática, introduzi-lo num óvulo previamente "esvaziado" da sua própria informação genética e fazê-lo desenvolver-se até à fase de embrião, que depois é implantado numa fêmea da espécie. Zhong Zhohg e Hua Hua, dois macacos da espécie Macaca fascicularis, nasceram por essa técnica e foram a primeira tentativa bem-sucedida de clonagem em primatas depois de muitos anos de experiências falhadas. Os primatas representaram por isso o derrube de uma barreira técnica que abre portas a novos avanços. E a clonagem humana, com todas as questões éticas complexas que coloca, tornou-se definitivamente possível.
São talvez um dos objetos mais convocam a nossa imaginação coletiva e, no entanto, até há escassos meses, nunca ninguém tinha visto um. Isso mudou quando os cientistas do projeto internacional do Telescópio Event Horizon (EHT, na sigla em inglês), em que participou também o astrofísico português Hugo Messias, apresentou ao mundo, a 10 de Abril de 2019 a primeira imagem de um buraco negro. A fotografia mostra uma espécie de donut luminoso, envolto em negrume, com uma zona central igualmente negra. A zona central é o buraco negro, o donut é a sua silhueta de luz. Apesar de recente, esta tornou-se já uma das mais icónicas imagens do século XXI. Este avanço, que foi considerado pela revista Science a descoberta do ano, abre a porta a novos estudos sobre estes estranhos objetos cósmicos, que concentram uma quantidade de matéria quase inimaginável num espaço proporcionalmente muito pequeno, afetando o espaço e o tempo na sua vizinhança. No futuro haverá certamente muitas mais novidades nesta frente.
Chamaram-lhe muito apropriadamente Oumuamua, um nome havaiano que significa "batedor", numa mistura daquele que vem de longe, e que chega primeiro. Em forma de charuto, de cor escura e com cerca de quatro quilómetros de comprimento por 400 metros de largura, o Oumuamua, que foi detetado em outubro de 2017 com um telescópio do Havai, cruzou nesse ano o sistema solar a grande velocidade, tornando-se no primeiro asteroide oriundo de fora do sistema solar a ser observado por olhos terrestres. Dois cientistas de Harvard não descartaram a hipótese de o Oumuamua ser uma "pequena sonda concebida para viagens interestelares", mas os seus colegas astrofísicos consideraram a hipótese, sobretudo, divertida. Já este ano, a 20 de Agosto, o astrónomo amador Gennady Borisov identificou um segundo astro, que vindo de fora, está agora a atravessar o sistema solar: o cometa Borisov, que a comunidade científica segue atentamente. Coincidência curiosa (mais uma), esta foi a década em que, pela primeira vez, uma sonda terrestre passou a fronteira do sistema solar. A Voyager 1 fê-lo em 2012, e viaja agora no espaço interestelar. A Voyager 2 seguiu-lhe as pisadas em 2018. E já estão agora muito para lá do sistema solar.