Em 2014, um ano depois de o telescópio ALMA ter começado a funcionar no deserto de Atacama, no norte do Chile, Hugo Messias já estava a usar as suas observações, e assim fez uma descoberta. Não só conseguiu, nessa altura, obter a melhor imagem de sempre de uma colisão entre duas galáxias, como isso permitiu à equipa que então liderava caracterizar a "fábrica" de estrelas que a observação revelou. Agora, aos 34 anos, enquanto investigador do ALMA - "termino o contrato de três anos em agosto, depois ainda não sei", diz -, volta a estar no centro de uma grande descoberta: a da primeira imagem de um buraco negro, lá longe, a 55 milhões de anos-luz da Terra. Um marco do qual já se disse que haverá um antes e um depois desta imagem. Para Hugo Messias, este é um resultado "espetacular", que além disso levanta muitas perguntas a que vai ser preciso responder no futuro. Por exemplo: será que aquele buraco negro está a rodar? Neste momento, ninguém sabe..Porque é que esta descoberta é tão importante? Há vários motivos. Por um lado, é a confirmação da teoria da relatividade geral de Einstein, que já tem mais de 100 anos mas cujas previsões vemos que estão sempre corretas. Como aconteceu, por exemplo, há dois anos, quando se confirmou que esta teoria se aplica a buracos negros estelares, graças à deteção das ondas gravitacionais. Hoje apresentámos também um resultado espetacular. Este comprimento de onda [de 1 milímetro, para fazer as observações] já tinha sido testado. Mas, tecnologicamente falando, a equipa elevou isto a um nível que permitiu observar, com este pormenor, a sombra do buraco negro supermaciço no centro da galáxia M87, confirmando uma vez mais a relatividade geral. Muitas perguntas nascem agora destas observações, mas parece que estamos no caminho correto..Quais são essas novas perguntas? A partir daqui, há várias coisas sobre as quais tenho muita curiosidade. Por exemplo, o que vai acontecer àquele material que vemos que está a rodar em torno deste buraco negro. Será que vai sair sob a forma de jatos, um fenómeno que já vimos antes em largas escalas? Uma das coisas que ainda não sabemos é como se formam estes jatos. Olhando a imagem da galáxia M87, observa-se que há um jato a sair da galáxia. Mas como é que ele se formou? Ainda não temos uma resposta. Estas observações e as que se têm estado a fazer com o Global Millimeter Array VLBI, que observa nos 3 mm - o EHT observa em 1 mm -, vão permitir saber como se formam esses jatos. Mas há outras perguntas. Uma delas, a que não conseguimos responder ainda com estas observações, é seguinte: este buraco negro roda? A matéria que está a volta sim, vê-se que está a rodar. Mas quanto ao buraco negro em si não sabemos. Faz todo o sentido que esteja a rodar, mas estas observações ainda não o comprovaram. Pode ser uma questão de estudarmos ainda os dados que já temos, ou então fazer uma monitorização, com observações anuais, para perceber como a fonte muda. E com isso podemos testar novas teorias e novos cenários. Penso que esses serão os próximos grandes passos..Porque é que é tão difícil obter imagens de buracos negros? Apesar de serem objetos tão grandes - aquela emissão que estamos observar é do tamanho do sistema solar, portanto, é muito muito grande - estão muito longe. Por isso é muito difícil obter o pormenor que agora conseguimos. É quase como, estendendo o braço, tentarmos ver um átomo no nosso dedo mindinho. Por outro lado, o vapor de água da atmosfera absorve este tipo de luz, e é por isso que temos de ter estes telescópios a grande altitude. O ALMA, por exemplo, está a cinco mil metros de altitude. E depois é preciso ter boas condições atmosféricas em todos os observatórios ao mesmo tempo, que além do mais estão instalados nos dois hemisférios. Foi muito difícil coordenar isto tudo. Outra dificuldade é o material muito quente que existe à volta destes buracos negros, que é um plasma e que dispersa a luz observada. E corrigir esse efeito do material quente à volta do buraco negro também é difícil..Foram necessárias tecnologias novas para isso tudo. Que novas tecnologias foram usadas nestas observações? O ALMA, que é o que conheço melhor, tem os melhores recetores entre todos os observatórios participantes. Aliás, é o mais recente. Nestas observações foram utilizadas 37 das suas antenas, que na prática funcionaram como uma antena de 70 metros de diâmetro, formando uma área enorme coletora de luz. E em todas as estações foi utilizado um relógio atómico muito preciso para sincronizar as observações, para conseguirmos obter este detalhe, que ainda não tinha possível até agora. E o ALMA foi uma peça-chave nesta rede. Sem ele, a imagem final não tinha esta precisão..Na imagem, o buraco negro é a sombra escura no interior do alo de luz. Exatamente. O que vemos é a radiação à volta do buraco negro. Não o observamos diretamente..Então esta imagem é uma espécie de negativo? É isso mesmo. Essa é uma boa comparação. Isso permite ver que o buraco negro está lá. Noutras galáxias, a partir de outras evidências, já se tinha percebido que estes objetos massivos estão lá. Com estas observações conseguimos comprovar em pormenor que existe de facto algo no centro daquele anel de luz, que tem aquela massa imensa. E é impressionante. A minúcia e a informação que conseguimos são espetaculares. Confirmam, como disse, muitas coisas, mas deixam também muitas perguntas em aberto, para continuarmos a trabalhar..Como foi participar nesta descoberta? Foi espetacular. Envolvi-me neste trabalho em janeiro de 2017, quando fui ao ALMA para testar o sistema. Em abril desse ano fizemos observações, e depois foi preciso tratar os dados, calibrá-los e enviá-los [para serem tratados em conjunto com os dos outros observatórios em supercomputadores].