Cientistas pedem moratória de cinco anos para edição genética de embriões

A edição do genoma levanta questões técnicas, científicas, médicas, sociais, éticas e morais que, segundo os especialistas, devem ser discutidas a nível internacional. Há falta de segurança e de eficácia, e o futuro da espécie pode estar em risco.
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He Jiankui, cientista da Southern University of Science and Technology (SUSTech), na China, anunciou em novembro ter feito a primeira edição genética de seres humanos com sucesso. Recorrendo a uma ferramenta genética chamada CRISPR-Cas9, manipulou os genes de duas bebés gémeas durante um tratamento de infertilidade, para que tivessem uma resistência inata à infeção pelo vírus HIV. Anunciado como um grande avanço, levantou críticas e polémica entre a comunidade científica e a população em geral. Agora, um grupo de cientistas pede que seja criada uma moratória global de cinco anos em todos os usos clínicos desta técnica, ou seja, na mudança de ADN em espermatozoides, óvulos ou embriões para criar crianças geneticamente manipuladas.

No artigo publicado na revista Nature, 18 especialistas de sete países explicam que um "moratória global" não implica uma "proibição permanente". Sugerem, no entanto, que haja uma regra internacional, mas que os países possam tomar as suas decisões, desde que se comprometam a não usar este tipo de ferramentas em ensaios clínicos, se não seguirem as regras estabelecidas.

Em causa, explicam, não está a manipulação genética para fins de investigação, desde que não envolva a transferência de embriões para um útero. E também não se aplica à alteração de genoma em células não reprodutivas para tratar doenças.

Apesar de as técnicas terem melhorado nos últimos anos, os especialistas alertam que a edição do ADN "não é segura ou eficaz o suficiente" para justificar a sua utilização clínica. Há, segundo os mesmos, um risco elevado de serem feitas manipulações não intencionais.

Entre uma vasta gama de possibilidades dentro da manipulação genética, consideram que é importante distinguir "correção genética" de "melhoria genética". Enquanto a primeira permite editar uma mutação responsável por uma doença rara, a segunda implica uma melhoria de indivíduos e espécies. Neste campo, as possibilidades vão desde a melhoria de músculos ou memória à atribuição de novas funções biológicas. E tudo isto levanta muitas questões do ponto de vista ético e social.

"As possíveis consequências não intencionais da edição de genes através do uso de enzimas artificiais como CRISPR são investigadas à medida que a tecnologia penetra em ensaios clínicos com células somáticas humanas para o tratamento de algumas doenças graves", afirmou ao El Mundo Luigi Naldini, um dos cientistas que assina o artigo.

Segundo o diretor do Instituto San Raffaelle Telethon para la Terapia Genética, em Itália, têm sido identificados alguns efeitos adversos, como cortes indesejados de ADN e reordenamento dos cromossomas. Essa é, segundo o mesmo, uma das razões pelas quais o uso desta técnica em embriões "deve ser considerado inseguro neste momento".

Voltando a moratória, os especialistas sugerem que, para começar, haja um período em que não possa ser feita qualquer edição genética, para que sejam discutidas "questões técnicas, científicas, médicas, sociais, éticas e morais", e, assim, se estabelecer um enquadramento internacional. Posteriormente, os países podem escolher qual o caminho que querem seguir.

De acordo com os cientistas, cerca de 30 países já têm legislação que impede, direta ou indiretamente, todos os usos clínicos da manipulação genética, sendo que, nesse caso, poderiam optar por mantê-la. No geral, os países poderiam permitir edição genética em situações específicas, desde que respeitassem determinadas regras, como a divulgação pública da intenção, consultas internacionais, avaliação transparente das motivações, e consenso no país.

É deixada abertura para que os países possam decidir, desde que respeitem "a opinião da humanidade sobre uma questão que acabaria por afetar toda a espécie".

Por cá, o Conselho de Ética para as Ciências da Vida condenou o anúncio da modificação genética com embriões humanos feita pelo investigador chinês, classificando-a como eticamente inaceitável, moralmente irresponsável e que implica riscos imprevisíveis.

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