A pandemia é o pior momento que enfrentou enquanto autarca? Não tenho essa perspetiva dos momentos complicados ou difíceis porque quem tem responsabilidades de liderança não é por aí que tem de abordar os problemas. É de facto um momento único, nunca vivemos uma situação destas, neste caso nem a academia nem a comunidade científica, nem do ponto de vista da gestão e da economia, se confrontaram com experiências desta natureza. O que torna a incerteza muito presente e o risco é o aumento da incerteza. É sobretudo uma situação de grande risco e que põe à prova as próprias lideranças..Foi dos autarcas que agiu mais rápido na encomenda de equipamentos e até ajudou outras câmaras da Área Metropolitana de Lisboa. Logo no início tive uma preocupação que foi perceber que tínhamos muitos fatores nesta pandemia idênticos à situação de estarmos numa guerra e ainda para mais a combater um inimigo invisível. Tive a preocupação de me aconselhar junto de generais, dos militares, que têm toda uma formação para situações de crise; juntei também a academia para me aconselhar nas áreas médica, económica e social. Tenho tido aconselhamento de especialistas nestas três áreas. A partir daí foi definida por nós uma estratégia e foram definidos um conjunto de políticas que temos vindo a implementar no terreno. Uma das que se percebeu claramente que era necessário tentar estar sempre um passo à frente do problema, ou seja, encontrarmos soluções para problemas que se poderiam vir a colocar no futuro mais curto ou mais longo. Isso levou-os a estar despertos mais cedo e perceber que ninguém vai para uma guerra sem armas e as armas precisam de munições. Isto com a pressão de toda a gente a pedir apoio à Câmara, quer de entidades dependentes da câmara quer das dependentes do Estado central. Os policiais não tinham proteção, o pessoal que estava nos centros de saúde também não, tribunais, tudo estava a pedir além da proteção civil, dos bombeiros. A pressão era muito grande e fomos dos primeiros a apoiar essa linha da frente porque tivemos também a perceção clara que se não os protegêssemos a eles estávamos a desproteger a própria população. Daí termos feito encomendas na altura, que também seguiu uma tática em que primeiro era atender ao preço, já que nos começam a chover propostas de várias empresas a querer fornecer o material, depois a idoneidade da empresa, o conhecimento dos mercados onde se estava a comprar, principalmente da China, e questão logística, porque podia estar a comprar ao melhor preço mas a encomenda nunca mais cá chegar. Antecipamo-nos ao problema, mas ainda assim tarde. No tarde fomos os mais cedo..Cascais decidiu agora avançar com testes serológicos a toda a população residente. Qual a importância desta medida? A importância da medida insere-se no ganhar confiança, de cada um de nós encontrar novamente os caminhos da esperança. E para isso nada melhor do que fazermos todos este rastreio na comunidade que o queira fazer, porque não é obrigatório, e desse modo estar seguro qual a população que teve contacto com o vírus e está infetada e os que criaram anticorpos. E como há uma limitação dos laboratórios de 5 mil testes por semana vai-nos permitir ter uma análise da evolução da pandemia. E também vem na linha de queremos salvaguardar a saúde e a segurança da nossa comunidade. Se em situações como a que estamos a viver o Estado não está presente e próximo daquilo que são as necessidades da população não sabemos em que outras situações o Estado deve ter a sua presença. Nós aqui enquanto representantes do Estado local estamos a manifestar que estamos próximos dos cidadãos de Cascais..E quanto vai custar todo esse rastreio? Reunimos os parceiros, que são de primeira qualidade, que são dos principais laboratórios europeus e mundiais que é a Roche, negociamos com eles o preço dos testes e depois negociámos também com dois laboratórios de análises, que é o Germano Sousa e o Joaquim Chaves, que também são dos mais reconhecidos em Portugal. E tudo depende de quantas pessoas vão fazer os testes, mas se os 214 mil cidadãos de Cascais fizerem, estamos a falar num valor global que ultrapassa ligeiramente um milhão de euros. Só que entretanto tivemos já uma doação por parte da fundação Sofia Barion e vamos agora falar com outros que já nos tinham feito chegar a disponibilidade de puderem comparticipar este esforço. O custo para a Câmara será resultado líquido entre o valor de todos os que fizerem o teste, menos todas as doações que vamos ter..Agora entra-se numa segunda fase em que o país e as autarquias se confrontam com os problemas económicos e sociais complexos fruto do confinamento. A que problemas é preciso responder? Já escrevi que depois da pandemia sanitária vem a social e a económica. - Estamos a viver a maior contração do produto da história. Temos de recuar à grande depressão dos anos 20 do século passado para encontrar algo semelhante. Economistas confiavam que, depois do confinamento, a economia recuperasse rapidamente (um "V"). Isso é claro que não vai acontecer. Estamos hoje claramente num "U", uma recessão mais alongada no tempo com uma recuperação também ela mais alongada no tempo. E o que temos de evitar a todo o custo é um "L" - uma quebra brutal da atividade económica com permanente destruição de valor. Nesse grupo de aconselhamento procurámos ver o que aconteceu noutras pandemias, em circunstâncias diferentes porque a ciência não estava tão desenvolvida, mas houve pandemias em que morreram mais pessoas de fome do que da doença, em ficaram destroçadas as bases económicas, embora frágeis do que as atuais. Juntamos sempre a saúde, a parte social e a económica. E as políticas implementadas têm sempre por base estes três eixos. Neste campo temos alguma experiência, sobretudo na crise social por via do que se passou a partir de 2008. E eu assumi estas funções de presidente de Câmara exatamente no pico da crise social que se sucedeu à crise económica e financeira. Tínhamos e temos uma rede social no concelho muito forte, muito alargada e capacitada e, portanto, começamos desde logo a trabalhar com esta rede social para precaver as situações que já se verificam e que podem vir a acentuar-se. O impacto será maior do que conhecemos do ponto de vista social e económico do que se verificou entre 2008 e 2015, mas estamos mais preparados..Se tivesse que fazer alguma crítica ao modo como o governo geriu toda esta crise, qual seria? E tem havido boa cooperação com o executivo? Boa cooperação tem havido, sim. A situação era de tal modo grave e inédita que não há nenhum cidadão que gostasse de estar na posição de ter de tomar decisões num ambiente como temos. Pela minha experiência a nível local e somos o quarto maior concelho do país, imagino o que é ter de tomar decisões a nível nacional, ainda para mais na situação de completa dessolidariedade da União Europeia. Por isso, optei por não fazer nenhum tipo de crítica, antes adotei uma atitude pró-ativa para responder ao que as entidades nacionais não tinham ainda capacidade de responder. Nem procurar sacudir a água do capote e dizer que não era competência da Câmara. O primeiro-ministro e os ministros, que têm maior ação sobre estas matérias, devem estar sujeitos a uma pressão extraordinária. Nem irei fazer nenhuma crítica nesta matéria. A única situação que considero que deveria ser melhorada é a questão dos dados estatísticos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Direção Geral de Saúde. Primeiro porque proibiram que a informação fosse dada pelos delegados de saúde a nível local, inclusivamente alguns com ameaças de processos disciplinares. E porque é que isto precisa de ser melhorado? Para nós é absolutamente fundamental para antecipar soluções, precisamos de dados corretos. O que estão a dar a nível local é só o número de infetados, mas se isso era importante numa primeira fase para quebrar as cadeias de transmissão, mas hoje em que já está disseminado já não é tão importante saber se há mais ou menos infetados dia a dia, embora seja preciso saber para controlo da situação. Mas é importante sabermos, e não sabemos, qual o nível de cidadãos que estão ativos que são os transmissores da infeção. Outro dado importante era saber a nível local qual é que é taxa de ocupação dos cuidados intensivos, começando por dar aos delegados de saúde a autorização para dar essa informação aos presidentes de câmara, que são desde logo a autoridade máxima de proteção civil no seu território. Dessas responsabilidades estamos expostos quer do ponto de vista cível quer do criminal. Estes dados também nos permitam salvaguardar o primeiro fator que é a confiança. Por isso vou publicando o relatório da DGS e acrescentando algumas informações que vou tentando obter por várias fontes que vou tendo aqui no concelho. Viu-se que o R [potencial de contaminação] era importante, a nível concelhio não conseguimos estabelecê-lo..Para recuperar a economia, e em particular a local, é preciso um grande plano de investimentos? Como cativar novamente o turismo tão importante para Cascais? Estamos a estudar a criação de um fundo de emergência de 5 milhões de euros. É preciso injetar dinheiro, que se pode fazer de variadíssimas formas. Uma é claramente o investimento público, seja nacional seja municipal, A outra forma é a que o governo tem vindo a apostar que é emprestar ou criar dívida, em que a pessoa não paga no momento em que devia pagar, mas eu penso que terá de haver um momento em que se injeta dinheiro diretamente quer nas empresas quer nas pessoas. Tenho a consciência clara que o governo português não tem essa capacidade por si só e isso tinha de ser feito no âmbito da União Europeia. Esta não é uma crise económico/financeira, que teve a ver com comportamentos do país A ou B, é uma que apanhou todos e pelo lado da saúde. Não consigo perceber porque é que a UE não decidiu começar a emitir moeda. A UE devia já estar a emitir moeda, e embora isso fosse provocar inflação, mas neste caso a inflação pode ser uma aliada, desde que controlada, da própria recuperação económica. A nível local temos muito poucos mecanismos e estamos a deitar mão a todos aqueles que temos capacidade para o fazer. Neste momento tomámos a decisão que vemos que muitos municípios também estão a tomar de permitir aos restaurantes que vão ficar muito limitados na sua capacidade de disponibilizar o espaço público para que eles ganhem no exterior a capacidade que perdem no interior e respeitarem as medidas recomendadas pela DGS. Todos têm a consciência que o turismo nacional, que tem uma percentagem forte no PIB, vai levar uma grande pancada e o único turismo que vai haver vai ser o nacional. Uma das coisas que estamos a estudar é fomentar o turismo interno, fazer um acordo com os próprios hotéis para terem preços ligeiramente mais baixos, mas que se emitissem uns vales que a distribuir pela população para passar uns dias nessas unidades. Em Cascais a esmagadora maioria dos residentes no concelho não conhece os hotéis da sua zona.