Bong Joon-ho: o realizador sul-coreano que ganhou um Óscar com legendas
"Estou à espera que algo me bata na cabeça e eu acorde deste sonho", dizia o realizador Bong Joon-ho após a cerimónia dos Óscares, segurando nas mãos duas das quatro estatuetas que o seu filme Parasitas ganhou no domingo à noite. Foi uma noite e tanto para o sul-coreano. Começou com o prémio para o Melhor Argumento Original, de que foi coautor, a que se seguiu o mais do que esperado Óscar de Melhor Filme Internacional. "Depois de ganhar o prémio de Melhor Filme Internacional, pensei que já tinha feito a minha parte por hoje e que poderia relaxar", brincou ele quando subiu ao palco pela terceira vez, para receber o prémio de Melhor Realizador.
E, por fim, Parasitas ganhou o mais apetecível de todos os prémios, o de Melhor Filme do Ano. Apenas dez filmes falados numa língua que não o inglês tinham conseguido ser nomeados para o Óscar de Melhor Filme mas nenhum tinha efetivamente ganho o prémio principal. Nem A Vida É Bela, de Roberto Benigni (em italiano), nem Amour, de Michael Haneke (em francês), nem Roma, de Alfonso Cuarón (em espanhol). Foi Parasitas o primeiro filme exibido nos EUA com legendas a ser consagrado nos Óscares.
Aos 50 anos, Bong Joon-ho conseguiu assim o seu lugar na história do cinema. Mas é justo lembrar que ele não é nenhum novato. Antes de Parasitas, três dos seus filmes já tinham sido mostrados em Cannes. O mais recente, Okja, produzido pela Netflix, estreou-se no festival em 2017, causando grandes problemas pelo facto de não garantir a exibição posterior numa sala de cinema do circuito comercial. Okja é, segundo escreveu na altura o crítico João Lopes, "uma parábola ecológica sobre um mundo mais ou menos futurista em que uma grande corporação criou, por manipulação genética, uma espécie de porcos gigantes que, pelos seus custos reduzidos, vão poder servir de alimento a mais pessoas. Tudo se complica quando um desses animais (Okja, precisamente) é forçado a abandonar o ambiente paradisíaco em que vive com a jovem que o trata como o seu melhor amigo...".
E, mesmo antes disso, Bong Joon-ho já era um nome reconhecido internacionalmente por títulos como The Host - A Criatura (2006), Mother - Uma Força Única (2009) e Snowpiercer - Expresso do Amanhã (2013) - todos eles entre os maiores sucessos do cinema sul-coreano e todos eles estreados em Portugal.
No início da sua carreira, Bong Joon-ho passou alguns anos a trabalhar como argumentista e diretor de fotografia e realizou algumas curtas antes de se estrear como realizador de uma longa-metragem em 2000 com Barking Dogs Never Bite, a que se seguiu Memories of Murder (2003). Ambos os filmes tiveram uma boa aceitação internacional, tendo passado por alguns festivais, nomeadamente San Sebastián.
Com The Host - A Criatura, em 2006, o realizador chegou finalmente a Cannes, integrado na secção Director's Fortnight. Este é um filme de fantasia e terror em que um homem luta contra uma criatura monstruosa, que ataca Seul e devora todas as pessoas, na tentativa de salvar a sua filha.
Depois disso, em 2009, Mother - Uma Força Única foi selecionado para a secção Un Certain Regard de Cannes conseguindo bastantes elogios para a atriz Kim Hye-ja. Aqui temos a história da mãe solteira de um rapaz de 27 anos que é completamente dependente dos cuidados dos adultos e que é acusado de ter assassinado uma rapariga. Convencida da inocência do filho, a mãe vai fazer tudo para encontrar o verdadeiro criminoso. Este foi o filme com que Bong Joon-ho conquistou muitos dos críticos internacionais - e que o levou, por exemplo, a ser convidado para integrar os júris de festivais como o de Sundance, de Edimburgo e de Cannes.
Snowpiercer - Expresso do Amanhã, apresentado no Festival de Berlim em 2013, foi o seu primeiro filme maioritariamente falado em inglês, com atores como Chris Evans, Tilda Swinton, Octavia Spencer e Ed Harris. A ação passa-se no futuro quando, depois de uma tentativa falhada de combater o aquecimento global, a Terra entra em mais uma idade do gelo. Os poucos que sobrevivem conseguem-no porque estão a bordo de um enorme e imparável comboio, que está em constante movimento. A vida no comboio obedece a uma rígida estratificação social, com ricos e pobres separados, e lutas de poder que podem pôr em causa a sobrevivência de todos (o filme vai agora dar origem a uma série que estará disponível na Netflix).
Ao agradecer o Óscar de Melhor Realizador, Bong Joon-ho prestou homenagem a dois outros nomeados que foram determinantes na sua carreira: Tarantino, que o incluía nas suas listas de preferências mesmo quando ninguém na América sabia quem ele era, e Scorsese, cujos filmes ele estudou na universidade e com quem aprendeu que "o mais pessoal é o mais criativo". Essa foi a máxima que usou para fazer Parasitas: "Quanto mais mergulho nas coisas que estão à minha volta, mais interessante se torna para um público internacional", explicou numa entrevista. Ou seja: em vez de continuar a fazer filmes "americanizados", voltou o seu olhar para o seu país. É aí que encontra a história de duas famílias, uma muito pobre e outra muito rica, tão distintas que quase parece que vivem em mundos diferentes. Quando os elementos da família pobre começam a trabalhar para a família rica, os dois mundos vão misturar-se. (E o resto não podemos contar porque este é um daqueles filmes de que convém não saber muito antes de vê-lo.) O fosso entre ricos e pobres é um tema que ele já tinha abordado noutros filmes mas que aqui desenvolve com uma maior profundidade.
Bong Joon-ho sempre foi um realizador difícil de catalogar. Tanto poderia dar-nos um filme de fantasia futurista como um drama realista ou uma comédia, ou isso tudo misturado. É o que acontece com Parasitas que é um drama social e familiar mas também uma comédia negra, com laivos de thriller.
Quando foi premiado em Cannes, o crítico do DN Rui Pedro Tendinha não teve dúvidas: "Melhor filme do festival, ponto final." De então para cá, Parasitas foi colecionando prémios (150, no total), críticas positivas (como a do DN) e muito público: de acordo com o site Box Office Mojo, até à noite dos Óscares o filme tinha conseguido 160,8 milhões de dólares em receitas de bilheteira em todo o mundo, dos quais 35,5 milhões no mercado norte-americano - um valor muito bom para um filme não falado em inglês, ainda que não chegue aos pés de A Paixão de Cristo (2004) ou O Tigre e o Dragão (2000).
No final da noite de domingo, ora falando em inglês ora em sul-coreano, com a ajuda de uma tradutora, sempre ao seu lado, Bong Joon-ho estava obviamente feliz com as suas estatuetas e otimista em relação ao futuro. "Penso que, naturalmente, chegará o dia em que quando um filme em língua estrangeira ganhar já não terá tanta importância", comentou, confiante de que, num mundo cada vez mais globalizado, nem a nacionalidade dos filmes nem a língua em que são falados serão obstáculos a que eles cheguem a cada vez mais pessoas. Depois de acordar deste sonho o que vai fazer? À pergunta se tem planos para o futuro, Bong Joon Ho respondeu que está a trabalhar em dois novos projetos, um em coreano, outro em inglês. "O meu plano é continuar a trabalhar, esta é a minha profissão."
Melhor Filme: Parasitas
Melhor Realizador: Bong Joon-ho
Melhor Ator: Joaquin Phoenix ( Joker )
Melhor Atriz: Renée Zellweger ( Judy )
Melhor Ator Secundário: Brad Pitt ( Era Uma vez... em Hollywood )
Melhor Atriz Secundária: Laura Dern ( Marriage Story )
Melhor Argumento Original: Parasitas
Melhor Argumento Adaptado: Jojo Rabbit
Melhor Filme de Animação: Toy Story 4
Melhor Documentário: American Factory
Melhor Filme Internacional: Parasitas
Melhor Fotografia: 1917
Melhor Montagem: Le Mans'66. O Duelo
Melhor Banda Sonora Original: Joker
Melhor Canção: (I'm Gonna) Love Me again, Elton John ( Rocketman )
Melhor Direção de Arte: Era Uma vez... em Hollywood
Melhor Guarda-Rouoa; Mulherzinhas
Melhor Edição de Som: Le Mans'66. O Duelo
Melhor Mistura de Som: 1917
Melhores Efeitos Visuais: 1917
Melhor Caracterização: Bombshell - O Escândalo
Melhor Curta-Metragem: The Neighbor's Window
Melhor Documentário de Curta-Metragem: Learning to Skateboarding in a Warzone (If You're a Girl)
Melhor Curta-Metragem de Animação: Hair Love