António Guterres. "Se não mudarmos a nossa vida, podemos já não ter vida para mudar"
É preciso rever o investimento em politicas ambientais, regulamentar os mercados de carbono, apoiar os países que sofrem com catástrofes ambientais e evitá-las sempre que possível. Este e o desafio que o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, deixa aos mais de 190 países presentes na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, que começa esta segunda-feira, em Madrid.
No discurso de abertura da cimeira, o português deu aos presentes duas opções: a inação ou a luta contra as alterações climáticas, incentivando, no entanto, "o caminho da esperança". António Guterres lembrou os relatórios das Nações Unidas sobre o ambiente, divulgados nos últimos dias, que alertavam para um nível histórico de emissões de gases na atmosfera.
É preciso reduzir mais de cinco vezes a quantidade de emissões, sob pena de as ondas de calor e das tempestades atingirem a Terra de forma irreversível. Se estas metas não forem ajustadas e cumpridas, a temperatura do planeta pode subir 3,2 graus centígrados neste século, deixando para trás o objetivo dos 1,5ºC.
"As consequências já se estão a fazer sentir. Se não mudarmos a nossa vida, podemos já não ter vida para mudar", afirmou António Guterres, que defendeu uma mudança concertada que envolva todos os intervenientes sociais. "É necessário mudar a economia, o trabalho e os atos individuais. Se queremos a mudança, temos de ser a mudança. Não há tempo, nem razão para adiar a mudança. Temos a tecnologia e a ciência necessárias, só temos de mostrar a vontade".
E a COP25 (como e conhecida a Conferencia das Partes sobre as Alterações Climáticas) e o lugar para começar a dar passos nesse sentido. O sucesso da reunião mundial depende das negociações que decorrerão nas próximas duas semanas e dos anúncios que se espera que os países façam para tornar mais ambiciosas as metas do Acordo de Paris (2015), insuficientes para travar a luta contra as alterações climáticas. Na cimeira do próximo ano, que acontecerá em Glasgow, no Reino Unido, os países terão obrigatoriamente de rever as metas estipuladas no tratado assinado na capital francesa e Madrid será a primeira etapa para alcançar a mudança.
Pedro Sánchez, o primeiro-ministro espanhol, anfitrião da cimeira com organização conjunta entre Espanha e o Chile (que deveria ter recebido a conferência, mas que cancelou por causa da onda de protestos que tem assolado o pais), já deu o primeiro passo. Num discurso feito a seguir ao secretário-geral das Nações Unidas, Pedro Sánchez mostrou o empenho espanhol, anunciando que o pais esta preparado para duplicar a sua contribuição na redução das emissões de gases.
"Devemos chegar à cimeira de Glasgow 2020 com contribuições nacionais muito mais ambiciosas" e com estratégias de descarbonização a longo prazo "ordenadas, justas e eficientes", afirmou. Pedro Sánchez manifestou a esperança de que a cimeira "marque um antes e um depois" e que faça de Madrid a "capital mundial na luta contra a emergência climática" e o multilateralismo, que na sua opinião terá de ser reforçado.
Enfatizou ainda que "apenas alguns negam as evidências" das mudanças climáticas e que, neste momento, "não há alternativa senão agir com factos, com ações". A batalha contra a emergência climática, defendeu, exige coragem e determinação, solidariedade e liderança e, acima de tudo, passar das palavras para a ação.
Em representação de Portugal na COP25, António Costa fez parte de uma mesa redonda sobre os planos nacionais para aumentar "a ambição das metas" de combate à poluição ao lado de outros responsáveis políticos.
"Temos dois deveres, ouvir os cientistas e o dever imperioso de agir" para salvar o planeta das consequências das alterações climáticas, disse o primeiro-ministro português. O chefe do Governo português explicou que "o tempo é curto, não só porque há uma ameaça sobre os ursos polares, mas também porque há uma ameaça sobre a humanidade".
Depois desta primeira mensagem aos líderes, Costa transmitiu uma outra mais positiva: "É possível agir e vale a pena agir", disse o primeiro-ministro, dando em seguida uma série de exemplos da experiência portuguesa na luta contra as alterações climáticas. "Portugal tem hoje 54% da eletricidade que consome com origem em fontes renováveis", realçou António Costa, acrescentando que o aumento foi conseguido numa altura em que "muitos receavam o impacto económico desta mudança energética".
O chefe do Governo referiu que em 2018 o país reduziu "três vezes" as emissões de gases nocivos para a atmosfera relativamente à dimensão do conjunto da União Europeia e conseguiu, mesmo assim, ter um crescimento económico acima da média europeia. "A transição energética não nos prejudicou no nosso crescimento", concluiu António Costa, que em seguida também deu o exemplo da "diminuição do custo da energia em Portugal em 8%, enquanto na União Europeia aumentava 6%".
O primeiro-ministro insistiu que a energia renovável "pode ser uma energia mais barata". "Temos a responsabilidade de ir ainda mais longe e ainda mais rapidamente", foi a terceira mensagem que António Costa levou à reunião de líderes, explicando que Portugal aprovou um roteiro que fixou que em 2030 haja 80% da energia elétrica com origem em fontes renováveis.
Em Bilbau, no domingo à noite, em declarações aos jornalistas sobre a COP25, o primeiro-ministro defendeu que Portugal tem "uma boa história para contar" no domínio ambiental, já que "começou há dez anos a construir um investimento muito forte, o que permite ao país ter agora um nível de incorporação de energias renováveis sem comparação com outros países".
"Para o ano, Lisboa vai ser a capital verde da Europa - e é a primeira vez que uma cidade do sul da Europa vai ser capital verde. Por outro lado, uma das grandes prioridades da política externa portuguesa para o próximo ano é organizar a conferência mundial sobre os oceanos no quadro das Nações Unidas", disse, citado pela Lusa.
Esta conferência mundial, de acordo com o primeiro-ministro, será coorganizada com o Quénia e terá lugar em Portugal sobre o tema dos oceanos. "A questão dos oceanos é crítica para enfrentarmos as alterações climáticas", sustentou António Costa.
Na perspetiva do primeiro-ministro, Portugal "começou a mudar e já tem resultados concretos dessa mudança".
"Uma das provas importantes foi o leilão que fizemos de energias renováveis com base no solar em junho passado e em que conseguimos bater o recorde mundial da energia mais baixa de todo o mundo. Isso demonstra que é possível outro caminho - e é isso que vou dizer na COP25. Portugal tem provas dadas", acrescentou.
Meia centena de líderes mundiais estão esta segunda-feira na abertura da Cimeira sobre Alterações Climáticas, em Madrid. Entre eles, a nova comissária europeia Ursula von der Leyen, o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, e o de França, Edouard Philippe, ou o presidente da Argentina, Mauricio Macri.
Ao todo são esperadas delegações de 196 países, assim como os mais altos representantes da União Europeia e várias instituições internacionais.