Cheias, seca, extinção de espécies. Países vão tentar parar o tempo e evitar o pior
"Nós não vamos desistir até ganhar", promete Alice Gato, 17 anos. Faz parte do movimento mundial Greve Climática - que incentiva os estudantes a saírem à rua no último dia útil da semana para denunciar a inércia dos políticos perante as alterações climáticas - e foi uma das organizadoras da manifestação que aconteceu em Lisboa, nesta sexta-feira. A milhares de jovens juntaram-se pais e avós para pedirem o encerramento das centrais de carvão, um travão em projetos que aumentem as emissões de gases poluentes nacionais - como a construção do novo aeroporto do Montijo - e novas metas, mais eficientes, contra as alterações climáticas na 25.ª Cimeira das Nações Unidas pelo Clima, que começa na próxima segunda-feira, em Madrid, Espanha.
A conferência vai reunir representantes de mais de 190 nações, que terão como missão discutir a revisão das emissões de gases, enunciadas no Acordo de Paris (2015) e de atualização obrigatória na cimeira do próximo ano, em Glasgow, no Reino Unido. Se não houver um plano de ação urgente e concertado, se as metas das emissões globais de gases não se tornarem mais ambiciosas, a temperatura do planeta pode aumentar 3,2 graus Celsius até ao final do século, em vez dos 1,5º C pretendidos, o nível dos oceanos vai subir, há espécies que serão extintas e aumentarão os eventos meteorológicos extremos, como ondas de calor, cheias ou secas.
"Estamos como que numa linha vertical a atingir níveis como nunca aconteceu nos últimos 800 mil anos", alerta Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero. O tempo de agir é agora. E a 25.ª COP [Conference of the Parties, como é conhecida a Cimeira do Clima] não será bem-sucedida se não forem feitos anúncios revolucionários sobre o mercado de carbono e investimento em políticas ambientais (o Acordo de Paris já previa um Fundo Verde do Clima de cem mil milhões de dólares até 2020, que ainda está por cumprir). Deverá também voltar à mesa das negociações o tema do "sistema de seguros", um apoio para países que sofrem com catástrofes climáticas.
O momento para a cimeira, que deveria ser no Chile, mas entretanto foi cancelada por causa da onda de protestos nacionais, não é o melhor, segundo Francisco Ferreira. É possível antever algumas dificuldades, como "a forma como vai ser feita a transição entre esta cimeira e a de 2020", com o governo britânico em fase de transição.
"Estamos a entrar na última década antes de 2030, o limiar da neutralidade carbónica. Esta COP tem de delinear tudo o que vai acontecer a seguir para atingirmos a neutralidade carbónica em 2030", diz Alice Gato. A estudante também vai para Madrid, não para participar na COP 25, mas numa contracimeira, que deverá reunir milhares de jovens (e não só) de todo o mundo numa tentativa de pressionar os decisores a empenharem-se ainda mais na luta contra as alterações climáticas.
O Parlamento Europeu declarou, nesta quinta-feira, o estado de "emergência climática e ambiental" e defendeu que o executivo comunitário deve comprometer-se a reduzir as emissões de gases com efeito estufa em 55% até 2030, para atingir a neutralidade climática até 2050. Mas não chega, dizem os ambientalistas e os milhares de manifestantes que saíram nesta sexta-feira à rua em Portugal e no mundo, outra vez. É preciso mais.
A temperatura média do planeta pode subir 3,2 graus centígrados neste século, se as metas das emissões globais de gases não se tornarem mais ambiciosas. É preciso reduzir mais de cinco vezes a quantidade de gases lançados na atmosfera, sob pena de as ondas de calor e de as tempestades atingirem a Terra de forma irreversível. A conclusão está expressa no Relatório sobre a Lacuna de Emissões de 2019, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), divulgado na terça-feira, dia 26.
O objetivo é não ultrapassar 1,5º C em relação à época pré-indústrial, e, para isto, há que mudar o paradigma nos setores de energia, construção e transportes. De acordo com o documento, a utilização de fontes renováveis pode, até 2050, reduzir as emissões de dióxido de carbono em 78% na energia, 83% na construção e 72% nos transportes. "Temos de compensar os anos em que procrastinámos", defende Inger Andersen, a diretora executiva do PNUMA.
Com uma longa costa, Portugal tem várias zonas em risco por causa da subida do nível da água a partir de 2050. O estuário do Tejo, do Sado, a ria Formosa, as cidades de Aveiro e da Figueira da Foz são as zonas assinaladas como mais problemáticas.
Mais de 10% da superfície do planeta está coberta por gelo, segundo a ONU, e durante este século os oceanos deverão sofrer alterações "sem precedentes", com consequências irreversíveis para os habitats marinhos. Entre 2006 e 2015, o mar avançou 3,6 milímetros por ano devido ao aumento das temperaturas, da acidez das águas, com menos oxigénio. Estima-se que o aumento do volume dos oceanos, causado pelo aquecimento global, possa atingir 300 milhões de pessoas no mundo, sendo a Ásia o continente mais afetado. Só na China estarão em risco 93 milhões de pessoas.
Parte do território nacional (36%) mantinha-se no final de outubro em seca extrema, principalmente a sul do país. Com o aumento da temperatura, fenómenos como a seca ou as cheias serão cada vez mais frequentes.
O ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, afirmou que é preciso mudar o consumo de água, não só na vida de cada um, mas também na atividade económica e, por isso, suspendeu os novos furos de água no Algarve e no Alentejo. No entanto, se a mudança não for mais radical e concertada com os outros países não será suficiente.
Dos oito milhões de espécies de animais e plantas que existem no mundo, cerca de um milhão está em vias de extinção nas próximas décadas. De acordo com o relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos, considerado o estudo mais abrangente já publicado sobre as espécies, 40% dos anfíbios e mais de um terço dos mamíferos estão ameaçados.
Quase todos os stocks de pescas do mundo estão em declínio, por causa da sua sobre-exploração, e as florestas perderam 2,9 milhões de hectares desde 1990, o equivalente ao tamanho da Alemanha. Desapareceram ainda, nos últimos 250 anos, 571 tipos de plantas - um número que deverá continuar a aumentar nos próximos tempos.