Antecipar férias da Páscoa? Avaliações em risco e falta de soluções para pais
Face aos desenvolvimentos do contágio pelo novo coronavírus em Portugal, com mais de 40 infectados, a Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) sugeriu ao Ministério da Educação a antecipação das férias escolares da Páscoa, considerando que "as escolas são o ambiente perfeito para o contágio". Uma decisão que não tem o aval do presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, que diz ser uma opção a cargo do Ministério da Saúde e não da pasta da Educação. A questão reúne mais discórdia do que concordância, mas num ponto ambas as associações chegam a acordo: embora a saúde seja o objetivo primordial, antecipar a interrupção escolar traria implicações para o trabalho das escolas e até para os pais. Nesta quarta-feira, o governo vai decidir se fecha os estabelecimentos de ensino ou mesmo se opta por antecipar esta interrupção letiva.
O presidente da ANDE, Manuel António Pereira, propõe arrancar com as férias escolares já nesta sexta-feira e durante 12 dias, para retomar o período letivo na primeira semana de abril - e não a 13 do mesmo mês, como previsto no calendário oficial. O início do terceiro período também poderia ser antecipado, mediante a situação em que o surto se encontrar em Portugal, confirmou ao DN.
O Ministério da Educação não se mostrou "avesso" à proposta, garante, mas ainda não tomou qualquer decisão. Em conferência de imprensa, nesta terça-feira, o primeiro-ministro disse ainda não estar em cima da mesa o fecho de todos os estabelecimentos de ensino em território nacional, mas garantiu expor esta questão na quarta-feira, em reunião com o Conselho Nacional de Saúde Pública.
António Costa falava à margem da reunião de ministros desta terça-feira. Uma decisão que, na opinião do presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção, "por razões de saúde pública, provavelmente vai mesmo ter de acontecer e mais vale prevenir do que remediar".
"As escolas são o ambiente perfeito para o contágio", lembra Manuel António Pereira. No entender do líder da associação que representa os diretores das escolas, esta seria uma forma de colocar as escolas em pé de igualdade, uma vez que escolas de Lousada, Felgueiras, Portimão e Amadora foram encerradas. "A impressão que nós temos é que nos próximos dias vai haver mais escolas a fechar, à medida que novos casos vão surgindo", perspetivou.
Por isso, seria "uma decisão de grande coragem" do Ministério da Educação fechar todas as instituições de ensino agora mesmo, em vez de optar por um processo a conta-gotas, considera. Até ao momento, foi anunciado o encerramento de todas as escolas dos concelhos de Felgueiras e de Lousada, duas em Portimão e na Amadora.
Por esta altura, os alunos estariam na reta final da avaliação do segundo período, no caso das escolas que optaram pelo calendário clássico - em maioria. Na recomendação que chegou ao Ministério da Educação nesta semana por parte da ANDE, nenhuma destas questões ficaram explanadas. Manuel António Pereira admite que "poderá haver problemas" nas avaliações e na lecionação de conteúdos.
De norte a sul do país, são já dezenas as escolas básicas e secundárias de portas fechadas, depois de confirmados casos de professores e alunos infectados. Os professores veem-se, assim, obrigados a "dar aulas suplementares a esses alunos, de forma a recuperarem o tempo perdido", explicou o presidente da ANDAEP, em entrevista ao DN. "São questões pertinentes que irão colocar-se" durante este período de interrupção letiva, reconhece Filinto Lima.
Quanto à avaliação, a lei prevê que haja, no mínimo, dois momentos avaliativos por ano, distribuídos por qualquer período. Mesmo que se admita a possibilidade de não existir avaliação neste período, ela estaria garantida no final do ano, visto ser "um processo contínuo", lembra Manuel António Pereira. Qualquer que seja o impacto desta decisão, "terá de ser acautelado sempre pelo governo", quando a autonomia das escolas não for suficiente, diz.
Antecipar a interrupção letiva da Páscoa parece reunir o acordo dos pais, que consideram estar a debater "uma situação de interesse maior, de saúde pública". Jorge Ascenção, presidente da Confap, diz até que "a alteração pode acabar por facilitar o tempo de recuperação que virá a ser necessário" para as aulas extraordinárias, pressupondo que o terceiro período se iniciaria mais cedo também.
Já na perspetiva de Filinto Lima, a recomendação da ANDE surte algumas "dúvidas" sobre a sua eficácia. "Até tenho dúvidas de que isto dê algum resultado, porque durante estes 12 dias o mais provável é os alunos irem para os ATL ou passear para os shoppings, contaminando ou ficando contaminados noutros lugares", disse.
O presidente da Confap admite que uma alteração destas "pode sempre causar transtorno, principalmente junto dos pais, que provavelmente tinham as coisas programadas [férias] para este período", vendo-se obrigados a desmarcar e a alterar a situação junto das suas entidades empregadoras.
E impõe-se ainda a questão: onde e com quem poderão ficar os alunos durante este período? "É uma situação que pode acontecer sempre, se a escola desse aluno tiver de fechar", lembra o representante dos pais. Jorge Ascenção diz que o governo terá de "encontrar uma resposta também para os pais, para que possam fazer o acompanhamento em casa e justificar as faltas no trabalho".
Até agora, o governo apenas prevê baixa por assistência à família no caso de o filho ser obrigado a isolamento devido ao novo coronavírus, que deverá ser paga a 100%. O que poderá acontecer no caso de ter estado em contacto com infectados. O anúncio foi feito nesta semana pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.
Também no ensino superior começam a ser estudados os impactos e as soluções do novo coronavírus em Portugal. Dezenas de escolas e faculdades decidiram suspender aulas presenciais e eventos, entre as quais se destacam as várias faculdades de medicina do país, que foram recomendadas para encerrar, de forma a evitar o contacto dos doentes e dos professores com doentes. A Universidade do Porto, uma das instituições mais afetadas com a interrupção letiva, disse ao DN já estar a admitir a possibilidade de prolongar o ano letivo, para colmatar o encerramento das várias faculdades.
Em Portugal, há já 41 casos de infectados, havendo uma doente com um quadro clínico mais gravoso e que se encontra em "vigilância apertada".