Agressões na escola da GNR. Sem castigo, "Red Man" é comandante em Sintra
O instrutor da GNR que ganhou fama nos vídeos divulgados, vestido como um "Robocop" a lutar contra formandos sem qualquer proteção, provocando lesões a, pelo menos, 10 deles, é atualmente comandante do subdestacamento desta força de segurança, em Sintra.
Apesar das denúncias de violência, em resultado da qual alguns dos jovens guardas perderam os sentidos e um deles ficou com lesões oculares graves, a GNR ainda promoveu este oficial. Neste novo posto já foi também alvo de queixas de subordinados que o acusam de abuso de poder, assédio laboral e perseguição.
O caso foi divulgado em dezembro de 2018 pelo JN e na sequência das imagens que não deixavam margem para dúvidas sobre a conduta do instrutor, que ficou conhecido com "Red Man" - por se tratar de um treino de bastão extensível com essa designação - a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou um inquérito criminal e a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) abriu um processo disciplinar, por ordem do governo.
Passados 19 meses nenhum deles está concluído. "O inquérito encontra-se em investigação, não tendo conhecido despacho final", respondeu a porta-voz da PGR. "Os processos referidos encontram-se pendentes", respondeu fonte oficial da IGAI.
Na altura, recorde-se, por pressão do ministro da Administração Interna preocupado com o alarme público criado com o caso, chegou a rolar a cabeça do diretor do Centro de Formação daquela escola.
No entanto, o coronel Mário Ramos, exonerado a quatro de dezembro de 2018, foi logo a seguir, a 21 de janeiro seguinte, promovido a diretor da Direção de Formação, do Comando da Doutrina e Formação da GNR. As suas responsabilidades abarcam a Escola de Queluz, o Centro de Formação da Figueira da Foz e o Centro de Formação de Portalegre.
Questionada a GNR, liderada na altura e atualmente pelo tenente-general Botelho Miguel sobre o resultado dos processos disciplinares internos, bem como sobre as medidas tomadas em relação ao instrutor e qual a sua situação atual, fonte oficial do comando-geral remeteu esclarecimentos para a IGAI.
Quem não estranha o desenrolar deste processo nem a atitude da hierarquia da GNR, é César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG), a mais representativa da GNR. "O efetivo já está habituado. A impunidade existe para alguns. Se tivesse sido um guarda a denunciar o mais certo até era que tivesse sofrido represálias. O que a instituição está a transmitir aos cidadãos é que, apesar da sua missão ser fazer cumprir a lei, internamente isso pode não acontecer e existe impunidade em certas situações".
Este dirigente sindical também tem conhecimento das novas queixas contra o atual comandante do subdestacamento de Sintra assinala a "diferenciação de tratamento entre oficiais e guardas ou sargentos, que já teriam sido castigados e nunca estariam em funções de comando".
Ao que o DN apurou junto a fontes que estão a acompanhar os processos de novas denúncias, a única sanção de que foi alvo este oficial foi ter a sua promoção a capitão "demorada" (congelada), o que normalmente acontece quando um militar é alvo de inquéritos-crime ou disciplinares ainda não concluídos.
Na altura em que veio a público o caso das denúncias contra "Red Man", César Nogueira tinha também chamado a atenção para uma intervenção mais eficaz do comando-geral nestas situações, mas as suas declarações ainda lhe valeram um processo disciplinar da GNR e o queixa-crime por ofensa ao nome da instituição, cujos resultados, segundo o próprio, desconhece.
Conforme o DN noticiou, a forma como a hierarquia da GNR lidou com a situação, que tinha ocorrido cerca de um mês antes de virem a público as imagens, não gradou ao ministro Eduardo Cabrita - daí ter exigido uma cabeça, que foi a do diretor da Escola de Portalegre.
O comando da GNR terá tido conhecimento dos incidentes de violência sobre os recrutas, pelo menos, a 13 de novembro, poucos dias depois de as alegadas agressões terem ocorrido, 1 de outubro e e 9 de novembro.
No entanto, nessa data limitou-se a abrir um simples um processo de averiguação individual, a cada um dos 10 formandos feridos, um procedimento que é normal e obrigatório, em casos de acidente em serviço, quando os militares se magoam.
Depois de as imagens terem sido publicamente divulgadas, o comando-geral da GNR veio dizer que já tinha mandado averiguar, mas, afinal apenas no âmbito daquele procedimento individual.
Foi nessa altura que o ministro da Administração Interna ordenou à IGAI a abertura de um inquérito sobre o alegado espancamento. Segundo o MAI, este inquérito visava o "apuramento dos factos e determinação de responsabilidade" sobre o caso, que a confirmarem-se "não são toleráveis numa força de segurança num Estado de Direito democrático".