Para já nada muda. A Volta a Portugal em bicicleta vai para a estrada e na data prevista (29 de julho a 9 de agosto). As condições em que se realizará, essas, serão definidas, no dia 31 de maio, a data prevista para o regresso do desporto ao ar livre, segundo disse ao DN, José Carmona, administrador da Podium, empresa que organiza a maior prova do ciclismo português. Criada por Raul Oliveira, um jornalista do Diário de Notícias e do jornal Os Sports, em 1927, a Volta foi inspirado no Tour e na Volta a Portugal a cavalo e ganhou espaço no calendário desportivo nacional e internacional. A última vez que não foi para a estrada foi em 1975 devido ao clima de instabilidade no País no pós 25 de Abril. Agora é a pandemia que dita as regras, apesar de todos os intervenientes acreditarem que ela vai acontecer. No entanto, com pouco mais de três meses até à partida, prevista para 29 de julho em Castelo Branco, são muitas as indefinições e nada (ou quase) nada será como foi até agora. Todos parecem ter consciência disso e há mesmo grupos de troca de ideias onde se fazem sugestões. Tudo para que o evento se realize. Para que isso seja possível já se trabalha num plano de forma a que a prova possa fluir sob restrições. Ter maior precaução nas partidas e chegadas, que serão sem animação e talvez sem público; cerimónias de pódio mais simples e sem o tradicional beijinho; partidas sem livro de ponto, para impedir que a caneta passe de mão em mão; medidores de febre e testes de covid-19 a todos os que tiverem acreditação para o evento, são algumas das medidas estudadas..Há ainda a possibilidade de uso de máscaras obrigatório para todos, até para os ciclistas, menos no aquecimento e corrida; banho só em casa ou no hotel; troca de bidões entre atletas proibidas e carros de apoio só com duas pessoas. As etapas devem manter-se, mas os quilómetros devem diminuir para evitar paragens para abastecimentos. Esta é uma das questões mais sensíveis uma vez que obriga à renegociação de contratos com os municípios por onde passa a caravana, uma vez que as câmaras municipais pagam para que a Volta passe pelas suas estradas (dos quatro milhões do orçamento, 1, 5 milhões de euros provêm das autarquias). "Será um processo complexo, mas encontraremos soluções", disse ao DN Delmino Pereira, presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, garantindo "o empenho" do organismo na realização do evento. "Todos têm consciência de que o cancelamento pode ser o fim do ciclismo de estrada e estamos à procura de soluções. Já houve épocas sem Volta e o ciclismo sobreviveu, mas estes tempos são especialmente difíceis para todos e sabemos que se a economia não recuperar é difícil que as empresas tenham dinheiro para investir", lembrou o presidente da federação, que tenciona colocar o ciclismo na estrada em junho e fazer duas provas que sirvam de teste para a Volta..Treinar na estrada pode ser um perigo.Com mais de 90 anos de história e um impacte financeiro avaliado entre 85 e 10 milhões de euros, a "grandíssima", como também é chamada a Volta a Portugal em Bicicleta, já devia ter calendário definido e etapas marcadas. Ao invés disso tem apenas data de partida (29 de julho em Castelo Branco) e chegada (9 de agosto, em Lisboa). E é quanto basta para que os ciclistas acreditem que haverá prova e continuem a treinar para o evento pelo qual esperam um ano inteiro, como é o caso de Tiago Machado. A preparação do ciclista da Efapel "está longe de ser a ideal". O atleta sente falta da competição e tem dividido o treino entre a casa e a rua. "É preciso não perder o contacto com a estrada", confessou o ciclista, admitindo que o faz de forma menos regular do que em épocas normais. Em vez das 24 horas na estrada por semana, faz agora apenas 16 horas. Treina sozinho, evita os grandes centros urbanos e não faz paragens desnecessárias: "Não há necessidade de treinar como se não houvesse amanhã, porque não sabemos quando as provas vão ser retomadas e eu acredito que nos vão avisar com tempo sobre o regresso de forma a fazermos uma preparação digna para as competições." Em casa, além do treino físico tem usado uma plataforma virtual (ZWIFT), que simula corridas. "Acaba por ser treino, mas é mais para passar o tempo e divertirmo-nos um bocado. No domingo os ciclistas da Efapel equiparam a rigor e treinaram em conjunto.... pelo zoom. Deu para matar saudades", contou o ciclista, lembrando que o objetivo da equipa na Volta a Portugal é "ajudar o Joni Brandão a vencer" e depois vencer etapas e prémios individuais. Ele acredita que haverá provas ainda antes da Volta e que o ciclismo regressa em junho e com restrições. Abdicar do famoso beijinho e da assinatura do livro de ponto e colégio de comissários a distâncias recomendáveis são algumas sugestões de Tiago Machado. "Uma Volta sem público é que não pode acontecer. É impensável. O público faz parte da festa, parte da nossa força vem do apoio deles, são eles que nos apoiam e incentivam. Não consigo imaginar uma Volta sem público, é humanamente impossível. Como se controlam pessoas durante uma etapa de 200 Km?", questiona o atleta, que só de ouvir falar em Volta a Portugal fica "com pele de galinha". Também Frederico Figueiredo da equipa Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel acha muito "complicado" fazer uma prova sem público, pois não dá para evitar o aglomerado de pessoas na estrada durante o percurso inteiro. O pior é que "as pessoas podem por si já não querer sair para ver a Volta por não se sentirem totalmente protegidas". Sem provas previstas, depois de suspensas a Volta ao Alentejo, o Grande Prémio Beiras e Serra da Estrela, a Clássica das Aldeias do Xisto, a Volta à Albergaria, o Memorial Bruno Neves e o Grande Prémio O JOGO, "a motivação" de Frederico está toda na Volta. O ano passado teve de desistir antes da última etapa devido a ferimentos provocados por uma queda, por isso este ano o objetivo acabar e lutar pelo vitória: "Só um pode ganhar, mas este é um ano atípico e pode haver surpresas. Eu quero estar em condições para disputar a vitória na Volta, que para mim está entre as melhores a nível mundial." Treina como se fosse "uma segunda pré-época", com algumas horas em cima da bicicleta e treinos com pouca intensidade, para tentar minimizar ao máximo o facto de não haver competição. Vai para a estrada sempre sozinho e procura locais de treino com pouca gente, mas tem sido inevitável encontrar outros ciclistas. Vive em Santa Maria da Feira, onde há muitos ciclistas profissionais e por vezes encontram-se na estrada. A quarentena e o fim da competição também veio "atrapalhar um pouco os planos" de João Matias da Aviludo-Louletano-Uli. Contava estar a competir e em vez disso está confinado em casa a tentar manter a forma, fazer reforço muscular e não engordar. Nesta altura devia estar a sair diariamente para a estrada com um grupo de treino, mas tem ido sozinho e apenas duas ou três vezes por semana (seis a oito horas). Evita zonas de movimento e circulação automóvel. "Somos profissionais e temos autorização para andar na estrada, mas há pessoas que ao verem um ciclista na estrada ofendem. Já tive situações com automobilistas a passar rente a mim e a insultar, até já me tentaram agredir e por isso prefiro zonas isoladas e de montanha", contou o atleta, lembrando que os profissionais acabam por levar por tabela pelos atos dos ciclistas de ocasião: "Não dá para andar com um cartaz a dizer ciclista profissional." Por agora, "o maior desejo" é que a Volta Portugal se realize, porque é a principal prova do calendário nacional e porque muitas equipas e muitos jogadores vivem para esse momento e do retorno da volta. E João até consegue imaginar uma prova sem público, agora um País sem Volta é que não: "Como adepto do ciclismo que sou prefiro ver em casa a não ver sequer. Não havendo público do mal o menos, que haja transmissão televisiva e a prova se realize.".Equipas mantêm planos e objetivos.No ano passado o vencedor da Volta foi João Rodrigues, da W52 FC Porto. É essa a imagem, de uma atleta azul e branco a cortar a meta em primeiro lugar, que o diretor da equipa espera repetir este ano. "Acredito que vai haver Volta a Portugal. Não sei se na data prevista ou não, mas tem de haver Volta", atirou Nuno Ribeiro ao DN, lembrando que o objetivo coletivo há muito que está definido e passa por "vencer a prova". As limitações impostas pelo confinamento obrigaram a W52 FC Porto a mudar métodos de treino. "Os ciclistas estão em casa e têm um plano específico de treino e autorização para saírem para a estrada individualmente. Cada um faz o seu calendário e tem objetivos definidos", explicou Nuno Ribeiro, reconhecendo que o ciclismo português "vai passar por momentos complicados" com a redução de patrocínios. O ciclismo vive dos patrocínios e do retorno que dá a quem investe e com as empresas em dificuldade vai haver menos dinheiro para investir. Uma ideia partilhada pelo diretor da Miranda-Mortágua, Pedro Silva: "É imprescindível realizar-se a Volta a Portugal, é como a Volta a França para o nosso pelotão. Não havendo Volta, algumas equipas vão ter de acabar. Não vejo os patrocinadores a continuarem a pagar os contratos às equipas sem ter a Volta. Mesmo assim [sem que a prova seja cancelada], vejo que alguns não paguem." Já José Santos da Rádio Popular-Boavista acredita e tem "esperança" que a Volta se realize, mesmo que se tenha de fazer teste da covid-19 antes da prova e usar máscara. Suspender é que não. Isto, porque, na opinião dele, "a falência do ciclismo nacional será uma realidade", se a Volta não for para a estrada. "Se este ano já houve constrangimentos financeiros e foi preciso fazer reajustes, nem quero pensar como será em 2021", desabafou o diretor da Rádio Popular Boavista, lembrando que o ciclismo e a economia nacional andam lado a lado, já que vivem dos patrocínios das empresas. Os atletas da RP-Boavista têm-se preparado "normalmente" e a equipa está "preparada para competir". E numa Volta "em moldes iguais às anteriores". Ou seja sem redução de etapas. Mas a caravana pode e deve ser reduzido. José Santos sugere um pelotão só com equipa nacionais, com partidas e chegadas com público limitado ou sem público como no Paris-Nice. "Pela estrada fora não vejo como se possa impedir as pessoas de ver a caravana passar e não me parece que haja perigo, não há contacto entre ciclistas e público. A ausência da Volta a Portugal, como festa que é, é um atentado à cultura do povo português. É a prova que justifica a existência de qualquer equipa em Portugal", confessou José Santos, porta voz das equipas do pelotão nacional.