A covid-19 mata mais homens do que mulheres. Porquê?
É sabido que a taxa de letalidade da covid-19 é maior entre as pessoas mais velhas, a partir dos 60 anos. Mas os números de mortos entre os países com mais óbitos tem revelado outra discrepância: morrem mais homens do que mulheres. Maior concentração de doenças crónicas, como diabetes, e hábitos tabágicos ou de consumo de álcool podem ajudar a compreender o fenómeno.
"Os homens são mais frágeis do que as mulheres. Por isso é que as senhoras duram mais em qualquer circunstância. A esperança média de vida mostra isso mesmo", começa por dizer ao DN o epidemiologista Henrique Barros, que acrescenta outros fatores: "os homens desta geração [mais velha] têm outra grande diferença: eram grandes fumadores e o tabagismo atual ou um passado tabágico pesado é uma sobrecarga importante para o pulmão e para o coração na resposta à infeção. Um fumador tem pior prognóstico", refere o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e conselheiro da Direção Geral da Saúde na estratégia de combate ao novo coronavírus.
A juntar a estes fatores, os homens têm maior incidência de doenças crónicas (diabetes, hipertensão arterial grave, problemas cardiovasculares). "As doenças pulmonares eram muito mais frequentes nos homens, porque tinham profissões altamente desgastantes, como mineiros, e ficaram com sequelas", continua Henrique Barros.
Em Portugal, a tendência da morbilidade masculina não pode ser considerada tão evidente, uma vez que os números ainda não são muito elevados. Há 60 mortos no país, de acordo com os dados divulgados esta quinta-feira pela Direção Geral da Saúde, e destes 41 são homens, 19 são mulheres. No entanto, um olhar dirigido aos países com maior taxa de letalidade do mundo (Itália, Espanha, China, Irão, Coreia do Sul) confirma a máxima de que as principais vitimas são os homens.
Esta tendência começou por se verificar na China, país onde o surto começou no final do ano passado e onde já morreram 3287 pessoas. A taxa de letalidade é de 2,8% entre os homens e de 1,7% entre as mulheres. Já em Itália - país do mundo onde foram declarados mais óbitos (8 165) - 70% dos mortos são homens, 30% são mulheres. Em Espanha - o segundo país com mais vitimas mortais (4145) - a percentagem de óbitos masculinos duplica em relação aos femininos. E mesmo na Coreia do Sul, onde a diferença entre géneros é menor, 54% dos mortos são homens.
Estes resultados constam de um estudo realizado pelo canal televisivo norte-americano CNN em conjunto com a Global Health 50/50. E tal como indica o especialista português e um outro documento publicado na revista Lancet este mês, as principais explicações referidas dizem respeito aos hábitos de consumo dos homens (álcool e tabaco), que sendo superiores aos das mulheres no países acima descritos colocam em causa o sistema imunitários dos cidadãos do sexo masculino.
"Quando analisamos os dados, o que verificamos é que em todos os países com dados discriminados por sexo há uma taxa de mortalidade de 10 a 90% superior entre homens diagnosticados com covid-19 em comparação com mulheres", indicou, à CNN, Sarah Hawkes, professora de saúde pública global na University College London e vice-diretora da Global Health 50/50. Isto sem entrar entrar em explicações mais detalhadas. "A resposta mais honesta é que nenhum de nós sabe o que está a causar esta diferença", diria depois ao inglês The Guardian .
Independentemente do que ainda esteja por estudar, o consultor da DGS Henrique Barros acredita que estes números permanecerão assim, porque "tradicionalmente, os sistemas de saúde sempre investiram [por motivo de doença] mais nos homens do que nas mulheres. Portanto, isto não é novidade. Será novidade é se estes números se inverterem e aí é que temos de tentar perceber o porquê", diz.
Apesar destes números, são as mulheres quem mais exposição tem na luta contra o covid-19, aumentando o risco de contrair a infeção. Esta é a avaliação do Instituto Europeu da Igualdade de Género, que publicou esta quarta-feira, um comunicado onde escrevia que a maioria dos profissionais de saúde na Europa são mulheres e, por isso, são elas que estão mais expostas ao novo coronavírus.
Em Portugal, esta realidade confirma-se. De acordo com os dados de profissionais inscritos na Ordem dos Médicos, citados pela Pordata, em 2018 havia 29 682 médicas e 23 975 médicos. Já na Ordem dos Enfermeiros existem mais de 58 mil mulheres e 12 mil homens.
Segundo o mesmo documento do Instituto Europeu da Igualdade de Género, as mulheres têm ainda maior propensão a ser infetadas com covid-19 por usarem mais os transportes públicos para ir trabalhar e por serem o género que menos hipóteses tem de parar a sua atividade laboral.