27 neonazis julgados em Lisboa por agressões violentas e discriminação racial
Nesta quarta-feira está agendado o primeiro dia do julgamento em que vão estar no banco dos réus 27 membros do Portugal Hammerskins (PHS), o mais violento e organizado grupo de extrema-direita, para responderem por um total de 77 crimes, entre os quais, tentativa de homicídio, ofensa à integridade física qualificada, discriminação racial e sexual e detenção de arma proibida.
As suas vítimas foram militantes comunistas e antifascistas, negros, muçulmanos e homossexuais.
Este caso foi desencadeado em 2016 quando uma operação da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) deteve 20 suspeitos de integrarem o PHS e terem sido autores de diversos crimes, executados entre 2013 e 2017, motivados pelo ódio racial, ideológico e sexual.
Na altura o tribunal de instrução criminal decidiu libertar todos os neonazis, mas a UNCT continuou a investigação, constituiu 37 arguidos, juntou mais provas e novos casos que demonstraram a continuação da atividade criminosa.
Quatro anos depois, em junho de 2020, o Ministério Público (MP) acusou 27 desses arguidos pela prática de crimes de discriminação racial, religiosa ou sexual, ofensa à integridade física qualificada, incitamento à violência, homicídio qualificado tentado, dano com violência, detenção de arma proibida, roubo, tráfico de estupefacientes e tráfico de armas".
Segundo o MP "os arguidos agiram com o propósito de pertencer a um grupo que exaltava a superioridade da raça branca" e desenvolveram "ações violentas contra as minorias raciais, assim como contra todos aqueles que tivessem orientações sexuais e políticas diferentes das suas".
Cinco dos acusados requereram a abertura de instrução por contestarem os factos que lhes eram imputados, mas o juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, pronunciou na mesma os 27 arguidos que tinham sido alvo da acusação do MP.
"Agiram com o propósito de pertencer ao grupo PHS, filiando-se no mesmo, pagando a respetiva quota social e ou colaborando nas iniciativas por aquele desenvolvidas, bem sabendo que aquele exaltava a superioridade da "raça" branca face às demais raças e que inerente à tal supremacia, deveriam desenvolver ações violentas contra as minorias raciais, assim como contra todos aqueles que tivessem orientações sexuais e políticas diferentes das suas, o que quiseram", escreveu o magistrado no seu despacho.
Carlos Alexandre não teve dúvidas que estes neonazis cometeram os crimes "imbuídos de ideologia de superioridade racial e de motivação política ideológica, enquanto membros da organização PHS".
Entre os neonazis está um guarda prisional, João Vaz, pronunciado por crimes de ofensa à integridade física qualificada, discriminação racial e detenção de arma proibida.
Um dos casos de que foi acusado de coautoria é o de um espancamento brutal que deixou um militante comunista à beira da morte. Assinalou Carlos Alexandre que "tais lesões determinaram ao ofendido 598 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional, dos quais 26 dias com incapacidade absoluta para o trabalho profissional".
Em declarações ao DN, pouco antes de ser conhecida a acusação, esta vítima confessava ter ficado marcada para o resto da vida, com sequelas neurológicas permanentes que lhe roubaram memórias, lhe tiraram a "doçura", a "combatividade" e a "energia". Esperava ansiosamente por justiça: "só o julgamento vai trazer-me paz", afirmava.
Na tarde em que foi agredido, a 20 de setembro de 2015, tinha acabado de sair de um comício do PCP no Coliseu dos Recreios. Ia na rua das Portas de Santo Antão quando foi puxado e atirado para o chão. A memória apagou-se, mas uma camarada que assistiu ajudou a polícia a reconstituir o sucedido e relatou-o também ao DN.
"De repente saltam para cima dele três ou quatro, todos vestidos de preto, e começaram-lhe a dar pontapés e socos em todo o corpo, principalmente na cabeça. Meti-me no meio para tentar puxá-lo, mas empurram-me com força e caí em cima da mesa de uma esplanada ali na rua. Nunca vi uma coisa assim. Batiam-lhe tanto. Ficou como morto. Um deles quando ia a fugir da polícia deixou cair a carteira e soubemos que era um guarda prisional".
Este guarda prisional, que já tinha sido identificado noutras situações relacionadas com grupos extremistas, nunca foi alvo de sanções por parte do ministério da Justiça e mantém-se ao serviço.
"A instauração de processo disciplinar e/ou criminal tem de ter por base condutas/comportamentos objetivados/concretos, nos quais se não incluem o perfilhar de determinada ideologia ou crença", respondeu na altura da acusação a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, liderada por Rómulo Mateus, magistrado do MP .
Questionado de novo esta semana, o MJ acrescenta agora que "está a decorrer um processo de inquérito que acompanha o processo judicial e aguarda as suas conclusões".
Completa, escrevendo que "os ilícitos disciplinares decorrem de atos e comportamentos concretos que tenham lugar no desempenho da atividade profissional ou que, ainda que praticados no âmbito da vida privada, se repercutam de forma intolerável no exercício de funções publicas" e garante que "não se tem registo de queixas contra guardas prisionais, ou outros trabalhadores, por comportamentos racistas e /ou por perseguições de caráter religioso ou cultural.
Entre os neonazis que vão a julgamento há arguidos que já foram condenados no processo do homicídio do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, no Bairro Alto, em 1995. Alguns dos acusados já tinha sido também alvo da mega-operação da PJ em 2007, que levou a julgamento 36 membros do PHS, entre os quais Mário Machado, o seu líder nessa altura.
Para os investigadores, estes arguidos definiram uma estratégia para criar um clima de medo e perturbação da ordem pública contra vítimas, escolhidas pela sua pertença a minorias que os neonazis consideram contrariar o ideal nacional-socialista - comunidade LGBT, imigrantes, africanos e antifascistas.
"Só não houve mais Alcindos Monteiros por mera sorte", afirmou ao DN uma fonte judicial que acompanhou o processo. A intimidação acabou por funcionar e algumas vítimas estiveram quase a desistir de testemunhar, receando ser de novo atacadas e perseguidas.
Entre as situações mais graves relatadas neste processo há duas tentativas de homicídio que tinham até sido arquivadas pelo MP, tendo a PJ pedido a sua reabertura para juntar a este processo. Umas das vítimas, um jovem negro, não quis testemunhar por temer represálias dos agressores.
Na conferência de imprensa sobre a operação de 2016, o diretor da PJ, Luís Neves, apelou às vítimas dos crimes de ódio para denunciarem, sem medo, e confiarem nas autoridades.
"Os crimes de ódio são intoleráveis num Estado de direito democrático e a Polícia Judiciária é implacável na perseguição dos seus autores", assinalou ao DN este alto dirigente.
1- Bruno Monteiro, 37 anos
Crimes: discriminação racial; ofensa à integridade física qualificada
Profissão: consultor imobiliário
2- Tiago Leonel, 36 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual; incitamento à violência; homicídio qualificado na forma tentada
Profissão: analista de dados
3- Nuno Cerejeira, 47 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual; incitamento à violência; detenção da arma proibida
Sem profissão
4- Francisco Fernandes, 39 anos
Crimes: discriminação racial; roubo
Sem profissão
5- Rui Veríssimo, 38 anos
Crimes: discriminação racial
Profissão: operador de máquinas
6- João Vicente, 26 anos
Crimes: discriminação racial
Profissão: bartender
7- Jaime Hélder, 54 anos
Crimes: discriminação racial; detenção da arma proibida
Profissão: técnico de ar condicionado
8- Valério Carrapeto, 44 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual
Profissão: segurança / vigilante
9- Tiago Gorjão, 38 anos
Crimes: discriminação racial; homicídio qualificado na forma tentada; detenção da arma proibida
Sem profissão
10- João Vaz, 39 anos
Crimes: discriminação racial; ofensa à integridade física qualificada; detenção de arma proibida
Profissão: guarda prisional
11- Bruno Santos, 31 anos
Crimes: discriminação racial; detenção da arma proibida; roubo
Sem profissão
12- José Silva, 32 anos
Crimes: discriminação racial; roubo
Profissão: técnico de fibra ótica
13- Daniel Marques, 47 anos
Crimes: discriminação racial; detenção da arma proibida; incitamento à violência
Profissão: revisor da CP
14- Ivo Valério, 28 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual; ofensa à integridade física qualificada; tráfico de estupefacientes; detenção de arma proibida
Profissão: segurança / vigilante
15- Hugo Silva, 30 anos
Crimes: discriminação racial; detenção de arma proibida; homicídio qualificado na forma tentada; ofensas à integridade física qualificada
Profissão: segurança / vigilante
16 - Hugo Magriço, 35 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual; detenção de arma proibida;
Sem profissão
17- Alexandre da Silva, 26 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual; homicídio qualificado na forma tentada; ofensas à integridade física qualificada
Profissão: Estudante
18- João Dourado, 31 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual; ofensa à integridade física qualificada
Profissão: copeiro
19- Alfredo de Sá, 49 anos
Crimes: discriminação racial; ofensa à integridade física qualificada
Profissão: segurança / vigilante
20 - Ricardo Afoito, 44 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual
Profissão: eletricista
21- Luís Ribeiro, 47 anos
Crimes: discriminação racial; tráfico de armas
Profissão: empresário
22- Pedro Guilherme, 40 anos
Crimes: discriminação racial; incitamento à violência
Profissão: supervisor de maquinistas
23- Orlando Pessoa, 28 anos
Crimes: discriminação racial, religiosa ou sexual; incitamento à violência
Profissão: operário fabril
24- Daniel Pereira, 28 anos
Crimes: discriminação racial; ofensa à integridade física qualificada
Profissão: operador de armazém
25 - Pedro Geraldes, 50 anos
Crimes: discriminação racial
Profissão: auxiliar de educação e criança
26- Rúbel Martins, 31 anos
Crimes: discriminação racial, detenção de arma proibida
Profissão: operador
27- Bruno Mouta, 40 anos
Crimes: discriminação racial
Profissão: taxista