Está longe de ser uma ideia, quer seja pela vontade dos donos, quer seja pela própria natureza do espaço, que o Conversas de Alpendre seja um lugar mainstream. Ainda assim, é natural que este terreno com apenas 13 quartos, plantado no Sotavento Algarvio, seja dos mais disputados no verão português. Depois de um Algarve inteiro que se promove no barulho, há este Algarve que se insinua em voz baixa, num alpendre, tornando-se um espaço de conversa, pausa e tempo sem urgência, que a reportagem do DN pode visitar.A dois quilómetros do mar, em Cacela Velha, entre Tavira e Vila Real de Santo António, o hotel de turismo rural apresenta-se como um refúgio onde conforto, natureza e hospitalidade caminham juntos. Piscina exterior, restaurante, bar, biblioteca, espaços de bem-estar e vistas largas para o Atlântico ajudam a compor o cenário, mas é a sensação de casa, mais do que a lista de comodidades, que define a experiência..“Foi um projeto de família e de amor”, resume Marta Guevara, anfitriã e uma das proprietárias do espaço, em visita guiada com jornalistas pelo espaço. A decisão de deixar Lisboa nasceu da vontade de encontrar um lugar onde fosse possível ver o filho, Francisco, crescer em contacto com a natureza, com mais tempo para a vida e menos para o trânsito, além de, para ela, da indústria farmacêutica, ter uma vida menos corrida.O projeto ganhou corpo em 2016, quando Marta e o marido, Tiago, resolveram investir no espaço que, desde então, tornou-se dos mais exclusivos do Algarve, fugindo da ostentação que tanto caracteriza a região favorita dos estrangeiros que visitam Portugal. Neste ano, o estabelecimento foi um dos 55 distinguidos no país com uma chave Michelin, primeira edição portuguesa da premiação destinada à hotéis. Com o reconhecimento, veio a fama. .“Esse é um dos temas”, admite José Carlos Gonçalves, quando a conversa chega à ideia de sucesso excessivo neste charmoso espaço algarvio, que nos recebe, tal como na maior parte do tempo por ali, com um dia ensolarado em pleno dezembro. “Isto de ser muito mainstream depois acarreta outras questões, foge do nosso propósito. Aqui só temos 13 quartos e, mesmo que quiséssemos ter muitos mais, não vamos ter e é assim que queremos ter isto", diz, revelando que a ideia, para já, é apenas a construção de mais um quarto, previsto para estar pronto no decorrer de 2026.Essa opção de espaço exlusivo, de acordo com José Carlos, permite algo cada vez mais raro na hotelaria atualmente: o tempo. “Temos tempo de criar relações, falar com cada cliente, para os conhecer, sem, claro, extrapolar limites. Há aqui uma arte que é a da não intrusão. Se as pessoas não querem conversa, deixem-nas em paz”, explica.QuartosO Conversas de Alpendre organiza-se entre duas partes. Uma, a Casa Mãe, onde se concentram as suítes e o único apartamento familiar; e outras três unidades independentes no terreno: a Casa da Árvore, a Cabana e o Armazém. Os dois espaços funcionam como experiências distintas, pensadas para diferentes formas de estar - os primeiros mais ligados às áreas comuns do hotel e os outros mais exclusivos..Dos três, a Casa da Árvore é o quarto mais emblemático, pelo menos para este repórter que vos escreve. Erguida a 6,5 metros de altura, no topo de uma alfarrobeira centenária, a casa foi construída inteiramente em madeira e à mão e, como se não pudesse ser mais especial, há planos para a construção de uma piscina sob a casa para o próximo ano. Não à toa, a Casa da Árvore foi o quarto mais procurado do ano em todo Portugal através do site do Airbnb no último semestre. De acordo com valores consultados no aplicativo da Booking, duas noites no quarto para um casal na primeira semana de agosto custa cerca de €1500 - inclui pequeno almoço e jantares. .José Carlos conta que a ideia para o espaço nasceu numa conversa informal com o carpinteiro com quem a família já trabalhava e contou com "requintes de crueldade". Quando surgiu a hipótese de uma casa na árvore para o neto Francisco, José Carlos antecipou-se: “Não, não. Vais fazer uma casa de árvore para nós, para o hotel", recorda em tom de brincadeira.O processo da casa foi feito de soluções improvisadas e decisões no terreno. A escada, por exemplo, acabou por ser desenhada com a ajuda de hóspedes arquitetos, que sugeriram que entrasse pela própria árvore. Hoje, o patamar intermédio tornou-se um dos lugares mais agradáveis da propriedade, onde a brisa do mar atravessa o tronco e refresca os dias mais quentes: "Esta varanda é seguramente o melhor sítio de todo o hotel para o verão", sublinha..Os outros dois espaços fora dos principais edifícios do Conversas de Alpendre são a Cabana, localizada no centro da propriedade, que também aposta na privacidade, com piscina exclusiva e vista para o mar e o laranjal, e o Armazém, um antigo espaço agrícola transformado em loft, é a unidade maior, com deck exterior, piscina privativa e capacidade para famílias. Comer & BeberNo Conversas de Alpendre, há uma particularidade num daqueles que é, para muitos, um dos principais momentos quando um hóspede escolhe onde vai ficar: o pequeno almoço. Nesta casa de turismo rural, diferentemente dos grande hotéis, não há buffet. O serviço é feito à mesa e sem horários rígidos, ou seja: não há limite de horário para o pequeno almoço."Ter horário definido, às vezes ter que acordar cedo para ir ao pequeno almoço, era algo que me incomodava quando visitava hotéis. Quando decidi migrar para esta área de trabalho, decidi que uma das coisas de que não abriria mão era um pequeno almoço sem horário no nosso hotel", conta Marta Guevara, dizendo que, por vezes, alguns hóspedes tomam pequeno almoço entre o meio-dia e as 13h.Dentre as opções do menu, estão alguns clássicos dos hotéis de luxo por todo o mundo, como os Ovos Benedict e Ovos Royale, panquecas, pães caseiros e queijos e enchidos diversos. Iogurte e granola feitas na casa também acompanham a refeição, assim com frutas e sumos naturais. Nos jantares, o foco está nos produtos locais e na sazonalidade. A refeição pode assumir várias formas - surpresa, temático ou romântico, sempre com a mesma ideia de base: poucos pratos, bem executados, sem ruído à volta. Durante o dia, há refeições ligeiras e a possibilidade de picnics, pensados para acompanhar uma ida à praia ou um passeio pela região.Na nossa visita, fomos recebidos com um jantar preparado pelo chef brasileiro Robson Beker, que também é responsável pela cozinha do Colégio Charm House. De prato principal, Beker serviu um bem executado Beef Wellington, enquanto na parte da sobremesa a grande estrela foi um tiramisù.Já dentre as experiências proporcionadas pelo Conversas de Alpendre, uma mais procuradas é precisamente o acesso à Praia da Fábrica, em Cacela Velha. Os hóspedes seguem num jeep UMM até à margem da Ria Formosa e fazem depois uma curta travessia de barco até à ilha. Do outro lado, podem encontrar sombrinhas, espreguiçadeiras e, se quiserem, um picnic preparado pelo hotel. O bem-estar estende-se às massagens e às práticas de yoga, que acontecem em diferentes pontos da propriedade..Em termos de nacionalidades que mais visitam o hotel, os portugueses dividem espaço com ingleses, holandeses e americanos. Os primeiros concentram-se mais no pico do verão, enquanto os estrangeiros tendem a ficar mais noites nos meses fora da época. Na nossa estadia, num dezembro caloroso, eram maioritariamente os hóspedes do norte da Europa que ocupavam o Conversas de Alpendre. O vizinho Colégio Charm House, em TaviraEm 2021, cinco anos depois do investimento de Marta e Tiago no Conversas de Alpendre, o projeto ganhou um irmão a pouco mais de dez quilómetros de distância. No centro histórico de Tavira, a mãe de Marta, Cristina Gonçalves, juntou-se a José Carlos para recuperar um edifício do século XVIII que outrora funcionou como colégio e que hoje dá nome ao Colégio Charm House..Implantado no coração da cidade, o antigo palacete mantém a imponência original, mas foi alvo de uma reabilitação cuidada, pensada para equilibrar tradição e conforto contemporâneo. A lógica é semelhante à do Conversas de Alpendre, ainda que adaptada ao contexto urbano: menos quartos, mais atenção ao detalhe e uma relação próxima com o ritmo da cidade.“O Colégio é uma casa com muita história, mas quisemos que continuasse a ser, acima de tudo, uma casa”, explica José Carlos, sublinhando que o conceito de hospitalidade familiar atravessa ambos os projetos. “Recebemos as pessoas como se fossem amigos que vêm passar uns dias conosco.”.Com 20 suítes distribuídas entre o edifício principal, a antiga capela e a zona da piscina, o Colégio Charm House propõe uma estadia que convida a viver Tavira a pé. Do pátio interior ao rooftop com vista para os telhados da cidade e o rio Gilão, os espaços comuns funcionam como prolongamento natural da experiência urbana, num Algarve que se revela para lá da praia.Tal como no Conversas de Alpendre, também aqui o pequeno almoço não obedece a horários rígidos e a gastronomia segue a mesma linha de proximidade ao território, com produtos locais e uma abordagem descomplicada, pensada mais para quem fica do que para quem passa. Também pensado pelas mãos e mente de Robson Beker, a carta de almoços e jantares muda diariamente. No dia da visita da reportagem do DN, o chef preparou um bacalhau fresco à lagareiro, servido no ponto certo, companhia ideal para um dia de ligeiro calor em pleno inverno algarvio.Seguimos depois por alguns dos quartos do Colégio, todos diferentes entre si e pensados como pequenas narrativas visuais. Há suítes amplas, como a Suíte Real, inspirada na natureza e desenhada para famílias, e outras mais íntimas e românticas, onde a água, a madeira e a luz assumem um papel central. .Alguns dos quartos mais singulares ocupam a antiga capela do edifício, onde o altar original do século XVIII foi preservado e integrado na decoração, enquanto noutras áreas, como o Pátio das Laranjeiras, os quartos abrem-se para espaços comuns sombreados, com piscina e espreguiçadeiras.Cristina Gonçalves conduz a visita com o entusiasmo de quem mostra a própria casa, explicando escolhas, apontando detalhes e partilhando histórias. Em vários quartos, conta com orgulho, houve até a mão do neto Francisco, envolvido na escolha de cores, livros ou pequenos elementos decorativos - uma forma de manter o projeto ancorado na mesma lógica familiar que deu origem ao Conversas de Alpendre..Mais do que uma enumeração de tipologias, o Colégio Charm House apresenta-se como uma casa feita de atmosferas. Tal como em Cacela Velha, não há aqui a tentação de uniformizar a experiência, pois cada quarto conta uma história, cada espaço convida a um ritmo próprio. São dois endereços distintos, separados por poucos quilómetros, mas unidos por uma mesma ideia de hospitalidade: não se impõe, não se apressa e prefere sempre falar em voz baixa. Para quem é low profile, poucas opções ao redor do país - ambas galardoadas com Chaves Michelin, diga-se - são melhores do que estas.nuno.tibirica@dn.pt.Cerdeira: a aldeia de xisto que renasceu como refúgio criativo.Luxo, cozinha de fusão e mar sem fim no Sesimbra Oceanfront Hotel