Sara, presa em Tires, está sem advogado há quase um mês
Há 20 dias que Sara Furtado, a cabo-verdiana de 22 anos indiciada por tentativa de homicídio do bebé que deu à luz na noite de 4 para 5 de novembro, não tem advogado. É o que garante Ana Maria Lopes, a advogada que a representou até ao final de novembro: "A Sara está sem advogado. Ficou comigo até que seja nomeado defensor oficioso, porque uma pessoa presa não pode ficar sem representação."
A história é complicada, como tudo o que diz respeito ao caso de Sara, que está em prisão preventiva em Tires há quase mês e meio.
Recapitulemos: quando Sara foi detida, foi-lhe nomeada uma defensora oficiosa. Mas logo depois de a jovem ter sido enviada para Tires, em prisão preventiva, recebeu lá a visita de Ana Maria Lopes, que conhecia Sara por ser voluntária da Associação João 13, cujo refeitório, que serve refeições a sem-abrigo, Sara frequentava desde julho. Ana Maria Lopes ofereceu-se para a representar e Sara passou-lhe uma procuração para esse efeito. Logo a 12 de novembro, a advogada fez um comunicado em nome da sua constituinte, agradecendo "todo o apoio manifestado."
Porém a advogada seria surpreendida, a 25 de novembro, com a notificação de que Sara Furtado revogara a sua procuração, por pretender manter a advogada oficiosa que lhe fora nomeada pelo tribunal aquando da detenção. Também esta, Deonília Camilo Alves, foi visitar Sara a Tires, onde a jovem assinou a revogação.
Mas segundo Ana Maria Lopes, a colega, que lhe disse ter falado com a Embaixada de Cabo Verde e que esta "se tinha oferecido para patrocinar Sara", não assumiu afinal a representação em causa: "A Sara limitou-se a assinar um documento que lhe foi posto à frente, tratou-se de uma decisão não esclarecida. E essa senhora [a outra advogada] limitou-se a entregar o papel da revogação ao tribunal."
Tribunal que notificou Ana Maria Lopes da revogação, a 25 de novembro. Na altura, a advogada disse ao DN que estava a trabalhar no recurso de pedido de alteração da medida de coação para prisão domiciliária - identificara uma instituição de solidariedade social disponível para receber Sara nessas circunstâncias - e que considerava que fazia ainda sentido apresentá-lo, mas entretanto mudou de ideias.
"Não apresentei o recurso porque se está a aguardar a nomeação de novo advogado oficioso, e achei que não devia vincular outro advogado à minha visão do processo. Pode não ser a dele."
Considera porém que ainda existe a possibilidade de esse recurso ser apresentado: "Entendo que a partir do momento em que me notificaram da revogação da procuração [de representação da jovem] suspende-se a contagem para a apresentação do recurso, que era de um mês a partir da decisão sobre a medida de coação, e o advogado que entrar terá ainda cerca de uma semana para o fazer, se assim entender."
O imbróglio adensa-se. Então Sara aguarda que lhe nomeiem um novo defensor oficioso? Que aconteceu a Deonília Camilo Alves?
O DN tentou contactar esta advogada, por telefone e e-mail, no sentido de esclarecer se está ou não a representar Sara Furtado, mas não obteve resposta. Isto apesar de a Embaixada de Cabo Verde, em resposta ao jornal ainda em novembro, ter assegurado só conhecer essa causídica como representante de Sara. Novas perguntas enviadas à embaixada, esta semana, no sentido de esclarecer se aquela representação diplomática de Cabo Verde, que afirmou ir "patrocinar" a defesa de Sara, está a assegurar ou vai assegurar o pagamento de honorários de algum defensor, ficaram sem resposta.
Certo é que na sexta-feira 13 de dezembro Ana Maria Lopes foi notificada pelo tribunal que detém o processo de que este requerera à Ordem dos Advogados que nomeie novo defensor oficioso a Sara. Donde se depreende - em princípio -, que não foi junta ao processo qualquer nova procuração constituindo Deonília Camilo Alves como representante legal de Sara. Como o mandato desta como defensora oficiosa "caiu" quando Sara mandatou Ana Maria Lopes, a única forma que Deonília representar Sara seria que esta lhe passasse uma procuração nesse sentido.
Isso mesmo explicou ao DN fonte da Ordem dos Advogados: "Quando é decretada prisão preventiva a um qualquer arguido é nomeado um advogado no sistema de acesso ao direito - de forma aleatória. A partir do momento em que entre uma procuração no processo, a representação pelo advogado oficioso cessa, cessa esse patrocínio judiciário. Se houve uma revogação da procuração, vai ter de haver um novo sorteio."
Traduzindo: Sara não podia manter Deonília Camilo Alves como defensora oficiosa, só mandatando-a como sua advogada. O que aparentemente não terá acontecido.
Num caso em que já houve concurso de outros advogados, na apresentação de um pedido de habeas corpus (recusado pelo Supremo), sem concertação de posições com a então defensora legal de Sara, Ana Maria Lopes, as perplexidades não ficam por aqui.
A mãe e irmãos de Sara têm já representação legal para os assistir na pretensão de obterem a guarda do bebé nascido a 5 de novembro, nas pessoas das advogadas Sofia Drumond de Matos e Filipa Fidalgo Simões. Estas, contactadas pelo DN no sentido de esclarecerem se existe patrocínio do Estado cabo-verdiano, responderam: "Cumpre dizer que não patrocinamos a Embaixada de Cabo Verde, como tal, não recebemos desta nenhum mandato, nem quaisquer quantias, sejam a que título for."
À pergunta do jornal sobre se Sara Furtado está de acordo com a pretensão da família em obter a guarda do bebé, as causídicas não responderam, invocando "segredo profissional".
Em entrevista ao programa da RTP1 Sexta às Nove, transmitido a 6 de dezembro, a mãe de Sara disse já ter visitado a filha e adiantou mesmo pormenores sobre a conversa que tiveram e o estado de espírito da reclusa. Mas não fez qualquer referência à existência ou não de representação jurídica desta nem à respetiva posição sobre o destino a dar ao bebé e se coincide com a da família. Também não adiantou qualquer intenção no sentido de poder receber a filha na sua residência no caso de alteração de medida de coação - mas tal não foi, aparentemente, perguntado.
Ana Maria Lopes, que para o recurso procurou alternativas de domicílio para Sara, reparou: "Por parte dos familiares parece não ter havido uma oferta para a acolher em casa. Uma das coisas que levou o juiz a decretar prisão preventiva foi a ausência de suporte."
A advogada considera que "tendo passado já tanto tempo o melhor se calhar é agora esperar pela revisão automática da medida de coação, que ocorre ao fim de três meses de prisão preventiva e pode ser iniciativa do tribunal ou de quem representar Sara."
Ana Maria Lopes adianta ainda que quando fez o requerimento ao tribunal para nomeação de novo representante oficioso para Sara o juiz "extraiu certidão e enviou-a para o Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, para processo disciplinar."
Até ao fecho deste texto, o DN não conseguiu obter do Conselho Regional de Lisboa da OA confirmação sobre a receção do pedido de nomeação de advogado oficioso para Sara ou da certidão referida.