Supremo diz que mãe agiu de forma "premeditada" e recusa libertação. Saiba como tudo aconteceu

Advogados apresentaram um pedido de "habeas corpus" para a libertação da jovem que abandonou o filho num caixote de lixo em Lisboa por considerarem que a prisão preventiva é "ilegal". O STJ analisou os factos e recusou a libertação por considerar que a mulher agiu de forma premeditada.
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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o pedido de habeas corpus para a libertação de Sara, a mulher de 21 anos que deixou o filho recém-nascido num ecoponto em Lisboa.

Varela de Matos, candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, Dino Barbosa, advogado titular, e Filipe Duarte, advogado estagiário, entregaram na segunda-feira um pedido de libertação da jovem por considerarem a prisão preventiva "ilegal". Alegaram que a mulher devia ser suspeita de "exposição ao abandono", um crime que não contempla a prisão preventiva.

O Supremo Tribunal de Justiça considera, no entanto,"ao contrário do que consta do requerimento de habeas corpus apresentado, o ilícito imputado à arguida corresponde à prática do crime de homicídio na forma tentada e não de exposição, abandono ou infanticídio".

O acórdão, de 36 páginas, assinado pelos juízes relatores Nuno Gonçalves, Pires da Graça e Santos Cabral, refere ​​que em relação ao infanticídio "é determinante a perturbação pós-parto, que não se afigura compatível com a conduta da arguida documentada nos autos e que indica a sua premeditação dos factos". Nesse sentido, entende o Supremo, que que "não se afigura que a prisão preventiva da arguida seja ilegal".

O Supremo Tribunal de Justiça, como é referido no acórdão, conclui pelo indeferimento do habeas corpus por falta de fundamento. "Não se encontra a arguida em situação de prisão ilegal, inexistindo, por isso, abuso de poder seja suscetível de integrar o disposto no artigo 31º Nº 1 da Constituição da República, ou algumas das alíneas do nº 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal, que consagram o regime que delimita o âmbito da admissibilidade e procedência da providência contra a prisão ilegal e arbitrária".

No documento que apresentaram, os advogados fundamentam o pedido pelo facto de a criança ter sido socorrida e se encontrar "estável, sã e salva". Por outro lado, justificam a libertação pelas condições em que vive a jovem "detida pela PJ e que alegadamente terá cometido o ato".

Como tudo aconteceu?

No acórdão no qual consta toda a informação do processo é explicado como tudo acontece. A arguida após o parto "colocou o bebé e o material biológico proveniente do parto no referido saco de plástico e depositou-o mesmo no ecoponto amarelo".

A jovem, de origem cabo-verdiana, estava a viver na rua desde julho passado com um companheiro, junto à estação de Santa Apolónia, em Lisboa, e entrou em trabalho de parto no dia 5 de novembro. Depois da meia-noite desse dia, e sabendo que estava grávida de 36 semanas, "começou a sentir no seu corpo dores e contrações e sinais de estar em trabalho de parto".

O companheiro, que não é o pai da criança, com quem mantém uma relação amorosa há quatro meses, apercebeu-se que ela estava em sofrimento e, conforme refere o acórdão, por diversas vezes a questionou se estava bem e se pretendia ir ao médico, "tendo respondido sempre a arguida que se tratava de uma indisposição e que ficaria bem".

Com o agravar das dores, Sara percebeu que iria entrar em trabalho de parto e respondeu ao companheiro que iria dar uma volta não aceitando que este a acompanhasse. No interior da tenda, rebentaram-lhes as águas e decidiu ir à tenda de apoio onde guardavam roupas e alimentos "buscar um saco de plástico com o objetivo de nele colocar o bebé, conforme o plano que previamente traçara e que consistia nunca revelar a sua gravidez e o nascimento de um bebé com vida que pretendia matar", refere o acórdão.

Para não ser detetada, a rapariga decidiu afastar-se do local, caminhando em direção à discoteca Lux-Frágil, em Lisboa, que se encontra nas imediações. Cerca das 02:00, sentiu que o bebé estava prestes a nascer, o que aconteceu. Ela própria cortou o cordão umbilical, agarrou no bebé, na placenta e em todos os tecidos expelidos durante o parto, colocou-os no interior do saco que tinha levado para esse efeito.

Dirigiu-se aos contentores de lixo, não fechou o saco e depositou-o no ecoponto amarelo regressando à tenda, onde mudou de roupa, deitando a que tinha no lixo.

O companheiro perguntou onde tinha estado ao que a arguida respondeu: "tinha ido dar uma volta".

Viu o filho no ecoponto e deixou-o ficar antes de ser descoberto

A jovem acordou no dia seguinte, por volta das 12:00, e foi questionada pelo companheiro sobre uma bacia com água e vestígios de sangue, que se encontrava junto à tenda. A arguida respondeu que era do "período".

Depois de se arranjarem, decidiram dar uma volta a Alfama e no meio do caminho, junto aos ecopontos, encontraram um dos homens que costuma pernoitar ali contou-lhes que um outro sem-abrigo tinha visto um bebé no ecoponto. O companheiro ficou surpreendido e quis ir verificar a situação junto no local.

Perto das 13:00, o casal chegou a vasculhar os contentores. A determinada altura, a arguida, segundo refere o acórdão, "visualizou dentro do contentor amarelo o seu filho, mas nada disse e com o medo que o companheiro se apercebesse insistiu para que se fossem embora", o que acabou por acontecer.

Ao final do dia regressam à tenda, zona onde já estavam agentes da PSP em diligências e ficaram a saber que o bebé tinha sido recolhido e conduzido ao hospital com vida.

O companheiro falou com os agentes da PSP, tendo contado que horas antes tinham estado junto ao ecoponto. Ela optou por não falar com os agentes.

Companheiro questionou-a sobre o facto de a barriga estar mais pequena

Na noite de terça para quarta-feira, o companheiro insistiu com a jovem que explicasse o facto de ter as calças sujas de sangue. Mais uma vez, a explicação foi a de que estava com o período.

Questionou-a também sobre o facto de a sua barriga estar mais pequena. "Estava mais pequena porque eram gases", respondeu a arguida. Justificação que utilizou sempre que era confrontada com a aparência de se encontrar grávida, explica o acórdão do STJ.

O bebé foi encontrado ao final da tarde de dia 5 de novembro por três homens que costumam pernoitar naquela zona, ainda de acordo com o documento. Chamaram o INEM, que levou o bebé para o hospital, "despido e coberto de sangue".

A jovem disse à juíza que agiu assim "porque estava desesperada, não sabia o que fazer ao bebé, não tinha condições porque estava na rua e não pensou deixar a criança em local onde pudesse ser encontrada".

Foi com base nestes factos que a juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que ouviu a jovem, considerou que esta agiu sempre, desde que soube estar grávida, com o propósito de ocultar a gestação e após o nascimento tirar a vida ao bebé.

"Agiu a arguida de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que estas condutas são proibidas e punidas por lei penal", refere o acórdão, imputando-lhe, assim, a prática e autoria material na forma tentada de um crime de homicídio qualificado.

Atualizado às 18:19

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