Dia 20 de abril, arranca a nova telescola. Todo o conteúdo transmitido foi decidido com o apoio da Direção-Geral

Educação

Nesta sala de aula, meia hora é o tempo de ensinar todo o país pela TV

Luzes, câmara, ação. O 3.º período deste ano será como nenhum outro, principalmente para os alunos até ao 9.º ano de escolaridade, que a partir do dia 20 de abril contam com transmissão de aulas pela RTP Memória. Fomos assistir às gravações e conhecer os rostos da nova telescola.

"Como te sentes? Muito cansado?", ouve-se a pergunta da professora de Educação Física, Elisabete Neves, nas profundezas de um estúdio de televisão. Há um mês que o coração bate mais depressa. Bate, bate, bate, agitado. Ora é tempo de ir ensinar à distância, ora é tempo de a encurtar através da internet. Bate, bate, bate, tanto porque o tempo escasseia e é preciso mudar a educação de um país. Ora utilizamos a plataforma Zoom, ora vamos pela Microsoft Teams, amanhã lá se testa a Google Classroom. "Relaxa", pede a professora. No ecrã atrás de si, ergue-se a Escala de Borg, uma tabela que mede "a perceção de esforço". Esta nunca foi tão elevada para professores, para que o coração das escolas não pare de bater por todos, sem exceção. É por isso que Elisabete e mais outras dezenas de professores estão aqui. Silêncio, que vai começar as aulas na televisão.

Estamos nos estúdios de gravação da RTP, em Lisboa, mais propriamente no local onde tinha lugar o programa Preço Certo, suspenso por medidas de contingência contra a covid-19. É um entra e sai de professores, desde o início desta semana. Tempos assim, aqui, nunca ninguém os presenciou. Só na delegação de Vila Nova de Gaia, entre 1965 e 2000, onde era gravada a célebre e extinta Telescola, criada com o objetivo de escolarizar zonas do país onde o ensino não chegava.

Agora, nasce uma nova versão desta escola na televisão. Chama-se #EstudoEmCasa, estreia dia 20 de abril na RTP Memória, que transmitirá aulas de todas as disciplinas do 1.º ao 9.º ano, todos os dias úteis da semana.

Desta vez surge pela necessidade de chegar àqueles que moram onde um computador e internet não têm morada. São cerca de 50 mil, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), e estes milhares tornaram-se o calcanhar de Aquiles do ensino à distância que todos os estabelecimentos de ensino foram obrigados a cumprir.

Meia hora de aula com quadros, vídeos e até alunos que ensinam

Ainda a ideia não era um rascunho, já a professora Teresa Sousa a apontava como uma solução. "Eu disse: 'eles têm de pôr aulas na televisão'. Achei que era uma solução para o problema que estávamos a viver, porque a televisão é o meio mais democrático que temos, portanto, seria o veículo certo", disse. Aos 51 anos (e cerca de 25 de profissão), com a memória de infância da Telescola ainda fresca, tornou-se um dos rostos desta nova versão.

Podem decorar-lhe a cara, porque Teresa (até agora conhecida apenas entre os seus alunos de 11.º ano de uma escola de Cascais) vai ser a companhia de todos aqueles que ligarem a RTP Memória. Esta quinta-feira de manhã, gravava as suas primeiras aulas de Matemática e Físico-Química de 9.º ano. "É o regressar a tantos anos de carreira no ensino básico", conta.

Num pequeno cenário de três assoalhadas, senta-se numa secretária com papel, lápis e canetas, para receber orientações da realizadora. Repete várias vezes ter os nervos à flor da pele, com medo do engano e da traição das tecnologias que tem preparadas: vídeos sobre átomos e protões, bem como uma apresentação interativa onde as contas serão feitas em tempo real. "Se alguma coisa falhar, vamos assumir o erro, não parámos", ordena a realizadora. E falhou, mas tal como lhe foi pedido, Teresa não parou e continuou a falar com os alunos que imaginara do outro lado das duas largas e altas câmaras que a seguiam no estúdio.

Nos bastidores, os técnicos de imagem e realização comentam o sucesso que têm sido as gravações. "Chegam aqui e fazem tudo à primeira, falam muito bem. Há profissionais de televisão que não têm este talento", ouve-se. Teresa é alertada para o passar do tempo no relógio, a segundos do apito final da aula. Todas terão uma duração máxima de meia hora. Termina a aula com um retrato de família do físico dinamarquês Niels Bohr e despede-se dos alunos que não vê. Batem-se palmas. "Muito bem, professora", congratulam.

"Não seguimos guião nenhum. O único pedido que nos fizeram foi para sermos nós próprios, os professores que somos", conta Ana Bela Ruivo, professora de Educação Física, que faz parceria no cenário com a professora Elisabete Neves. Gravavam esta manhã as suas aulas de 7.º e 8.º ano (anos com aula conjunta). Ambas pertencem ao Agrupamento de Escolas de Alcanena, em Santarém, considerado o melhor agrupamento europeu para o estudo da ciência, de acordo com o STEM School Proeficient, atribuído pela União Europeia. Preparam-se para viajar 100 quilómetros quase todos os dias em direção aos estúdios a RTP.

Desta vez, Elisabete foi a professora encarregue de mostrar os exercícios no seu tapete. Ana Bela ficou sentada na secretária, ao seu lado, a carregar os vídeos - a forma que arranjaram para levar alunos para a sua aula. No ecrã, uma aluna e um aluno do seu agrupamento, surgem vestidos de fato de treino num pavilhão de educação física, a repetir uma série de exercícios. Ora abdominais, ora jumping jacks. "O nosso papel é mais importante a corrigir e é bom mostrar os alunos para que isso aconteça", explica Elisabete Neves.

Professores "devem estar descansados": a matéria é a mesma

O anúncio do #EstudoEmCasa foi recebido com entusiasmo pela comunidade educativa, que já apontava esta como uma opção viável para fazer chegar o ensino a mais alunos. No entanto, os diretores de escolas mostram reservas quanto a este complemento ao ensino. Na opinião do presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, "é urgente que o ministério faça chegar às escolas os conteúdos que vão ser transmitidos", correndo o risco de estar a criar um mecanismo de apoio que "pode não ser rentabilizado" pelos professores.

A professora Teresa Sousa tranquiliza a classe. "Haverá poucas diferenças. Porque temos de prever que há um aluno que, a meio do ano, muda de escola e ele não pode sair prejudicado na nova turma, se o professor estiver num ponto diferente da matéria", explica.

Todo o conteúdo transmitido foi decidido com o apoio da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), de forma a garantir "as bases" para quem transita para o próximo ano. "O que tentei fazer foi planificar aulas para preparar um aluno que transita para o 10.º ano, com o conteúdo necessário para conseguir entrar bem num ano tão exigente. No caso de não ter contacto com um professor [por falta de recursos], que tire daqui informações que lhe dê as bases para o seu 10.º ano", esclarece.

Também as professoras de Educação Física garantem ter tudo assegurado. Até as aulas de vólei vão acontecer. "O nosso grupo de professores da disciplina foi ao programa nacional e selecionou as matérias nucleares que era possível serem adaptadas. Não vamos jogar vólei com uma equipa, mas vamos explicar a técnica", diz Ana Bela Ruivo. "Vai parecer uma aula de aeróbica, com os movimentos que fazemos em vólei", acrescenta a colega Elisabete Neves.

E como devem os professores articular as transmissões televisivas com as suas aulas? Cada um com a sua prática, lembram os professores. Mas Ana Bela já sabe como vai ser com as suas turmas: "Temos um padrão de horário, com aulas síncronas e assíncronas. Dentro deste padrão, temos um dia em que eles veem a aula na televisão. Depois, na nossa aula síncrona, perguntamos como correu, se tiveram dúvidas."

A professora Teresa Sousa garante que "os colegas têm de estar tranquilos". "Quem não está tranquila sou eu", ri-se.

Além da transmissão em direto de conteúdos pedagógicos, o Ministério da Educação desafiou os professores a disponibilizarem aulas em vídeo através de cinco novos canais criados na plataforma Youtube, permitindo que fiquem acessíveis à comunidade educativa alargada. Na quinta e sexta-feira desta semana, estes docentes poderão participar numa sessão online, cujo objetivo é capacitá-los com as metodologias que melhor se adequam à plataforma. Para isso, contarão com o apoio de técnicos das entidades parceiras. Nestes canais será ainda possível rever os conteúdos transmitidos ao longo do dia na RTP Memória.

Para o pré-escolar, a iniciativa é outra. Também na RTP 2 haverá uma programação especial de manhã para crianças dos 3 aos 6 anos.

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