Vida e Futuro
02 agosto 2019 às 12h20

As abelhas nos telhados de Paris, Bruxelas, Berlim... a apicultura urbana é alternativa

Começou na capital francesa, no início dos anos de 1980, e hoje já se faz noutras cidades da Europa. Há estudos que indicam que este mel urbano pode ser uma alternativa à produção rural, já que as colónias sofrem aí grandes taxas de mortalidade.

Filomena Naves

Berço de ousadas correntes artísticas e do pensamento que foram decisivas para revolucionar a pintura ou a dança, a música e a arquitetura, as ideias e as sociedades, Paris tem este élan muito seu de ditar modas e tendências. Mesmo as mais inesperadas - e doces -, como esta, de instalar colmeias de abelhas mansas nos telhados para produzir mel: o miel de Paris. Chique e caro.

Esta história vem lá de trás, do século XIX, quando a sociedade de apicultores, sediada na capital francesa, instalou, em 1856, uma colónia de abelhas nos Jardins do Luxemburgo para apoiar a sua escola. Teria, no entanto, de passar ainda mais de um século para que alguém se lembrasse de produzir mel nos telhados da Cidade Luz.

Foi em 1982 que a Ópera de Paris tomou a decisão de albergar colmeias no topo do seu histórico edifício, no coração da cidade, com esse propósito, e as coisas correram tão bem que a ideia pegou. Desde então, as colmeias multiplicaram-se pelos telhados dos mais icónicos edifícios da capital francesa, do Louvre ao Palácio da Bolsa, do Quai d'Orsay ao Hotel Savoy, passando por outros talvez menos vistosos, e até anónimos. Certo é que o miel de Paris é hoje, na sua particularidade de produção em contexto urbano, um cobiçado produto gourmet.

Um Censos de 2017 apontava para a existência de mais de 700 colónias de abelhas melíferas nos telhados da capital francesa, e muitas outras cidades europeias, como Berlim, Bruxelas ou Copenhaga, já lhe seguiram as pisadas, dadas as vantagens desta produção urbana.

Além do produto em si, que acrescenta uma distintiva marca à imagem das grandes metrópoles europeias, incluindo um selo de sustentabilidade ambiental, que os respetivos poderes locais têm procurado reforçar incentivando a criação de canteiros com grande variedade de flores em todo o espaço urbano, os benefícios, até para as próprias abelhas, não ficam por aqui. Um deles, destacado nos estudos sobre esta atividade em contexto urbano, é o estar a tornar-se uma importante alternativa à apicultura em contexto rural, que enfrenta dificuldades de vária ordem em consequência do que parece ser um declínio generalizado das colónias de abelhas.

A causa da diminuição das populações de abelhas não é completamente conhecida, mas, na prática, acompanha um declínio generalizado dos próprios insetos que está bem documentado em países como a Alemanha ou a França - em Portugal essa avaliação ainda não está feita, estando em curso nesta altura os trabalhos de campo para a elaboração da primeira lista vermelha dos invertebrados. Só depois se poderá conhecer melhor esta realidade no país.

Diferentes estudos têm apontado causas distintas para o declínio das abelhas, que vão da toxicidade de pesticidas e herbicidas utilizados na agricultura ao ácaro varroa ou ainda ao fungo Nosema ceranae, ambos responsáveis por mortalidade nas colónias de abelhas, embora não estejam ainda completamente esclarecidos os seus mecanismos. É provavelmente na conjugação de alguns ou de todos estes fatores que reside a explicação para o declínio das abelhas e dos insetos em geral, mas na prática não se conhece o peso relativo de cada um deles, nomeadamente para as abelhas.

Um estudo para a deteção do Nosema ceranae em colónias de abelhas melíferas, que decorreu por todo o país entre 2010 e 2013, por exemplo, mostrou que "51% dos apiários deram resultados positivos para a presença do fungo", como explica ao DN Paulo Russo, professor do departamento de Zootecnia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), especialista em apicultura e um dos investigadores que participaram nos trabalhos. Mas isso, só por si, sublinha, não explica a situação.

A situação, como adiantou por sua vez ao DN o presidente da Federação Nacional de Apicultores de Portugal (FNAP), Manuel Gonçalves, é que "nesta altura a atividade está em crescimento, porque os custos de produção são inferiores ao rendimento". Mas a preocupação está lá. "Há grandes mortandades nas colónias, as perdas são exageradas", diz Manuel Gonçalves. "Os apicultores têm de fazer todos os anos um grande esforço para repor os apiários, e a produção de mel por colónia é hoje menor do que há 20 anos. Nessa altura, chegava aos 22 quilos por colónia, hoje fica-se pelos 15 quilos", conclui o presidente da FNAP.