SIRESP. Suspeitas de corrupção e abuso de poder investigadas pela PJ
A Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária (PJ), num inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) realizou nesta quinta-feira várias buscas domiciliárias e não domiciliárias, estas últimas na Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), na empresa Siresp, S.A. e a mais três empresas, entre as quais a Altice, relacionadas com contratos do SIRESP, a rede de comunicações de emergência do Estado.
Em causa, segundo o comunicado do Ministério Público, estão suspeitas de corrupção, tráfico de influência, recebimento ou oferta indevida de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poder e prevaricação, relacionadas com a contratação pela SGMAI de um consultor técnico para o SIRESP com ligações anteriores a uma das maiores empresas fornecedoras daquela rede de comunicações de emergência do Estado.
Conforme o DN tinha noticiado, "para afastar riscos de conflito e interesses", a ex-ministra da Justiça e da Administração Interna, Francisca Van Dunem, entendeu afastar o referido consultor no passado mês de março, depois de lhe terem chegado informações (da anterior presidente da SIRESP, SA, Sandra Perdigão Neves) sobre alegados favorecimentos do consultor à sua antiga empresa, quando estava a aconselhar o Governo quanto aos requisitos técnicos para o caderno de encargos do concurso, entretanto a decorrer, para o novos fornecedores de serviços do SIRESP.
Fonte oficial do Gabinete confirmou na altura ao DN que a governante tinha pedido ao Ministério Público (MP) que averiguasse "se existe algum ilícito criminal na contratação da empresa" que indicou este consultor e que em 2021 fez contratos com o ministério no valor de mais de um milhão de euros.
"A principal preocupação do governo é pôr de pé o concurso público, num ambiente em que não subsistam quaisquer conflitos de interesses", sublinhou Van Dunem, acrescentando que tinha sido ordenada a "substituição de um consultor com ligações passadas a uma das empresas que faz parte do consórcio que garante a operação do sistema".
O consultor em causa é Hélder Santos, um engenheiro de comunicações que foi o representante da Motorola em Portugal de julho de 2013 até abril de 2018 - quando esta já era fornecedora do SIRESP -, ano em que se tornou consultor de "comunicações críticas" no MAI.
Integrava a "Equipa Multidisciplinar de Comunicações Críticas da SGMAI desde 2018 e, além de participar nas atividades relacionados com a rede SIRESP, tem também participação no projeto 112pt".
Segundo fonte oficial do MAI foi a "empresa SKSOFT que indicou o engenheiro Hélder Santos como consultor junto da SGMAI, no âmbito do contrato de prestação de serviços de software em vigor".
Este contrato, de acordo com o site base.gov.pt, que regista os contratos públicos, é de "aquisição de serviços de consultoria na área das comunicações críticas TETRA 2021 a 2023", no valor de 110 mil euros assinado pela SGMAI em 2021. A tecnologia Tetra é a usada na rede SIRESP e é a tecnologia da Motorola.
A SKSOFT, com apenas 5000 euros de capital social e tendo só dois sócios, mãe e filho, assinou em 2021 sete contratos com a SGMAI, no valor de um milhão e 146 mil euros (sem IVA).
Hélder Santos contestou, entretanto, o seu afastamento que considera ilegal, tendo em conta que quando foi contratado o seu curriculum e ligações à MOTOROLA eram públicos.
Exige que lhe seja paga a totalidade do contrato, que só devia vencer em setembro de 2023 e cuja remuneração o MAI terá cessado em abril passado. O processo de contencioso ainda decorre, mas não no Centro de Arbitragem Administrativa, conforme tinha sido escrito (ver nota no final).
Recorde-se que o afastamento de Hélder Santos foi o culminar de um braço de ferro entre o anterior secretário de Estado da Administração Interna, Antero Luís, que tutelava a SGMAI, e a anterior presidente da SIRESP, S.A., com acusações mútuas de favorecimento.
Antero alegava que Sandra Perdigão Neves favorecia nas suas propostas a Altice, a outra grande fornecedora de serviços do SIRESP e sua empresa de origem, onde tinha sido diretora de operações antes de presidente a SIRESP; esta, por sua vez, acusava o governante de favorecer a Motorola.
Apanhada no meio desta "guerra" no curto período em que assumiu a pasta da Administração Interna, Francisca Van Dunem, procuradora-geral adjunta, decidiu por termo à contenta afastando Helder Santos e não renovando a comissão de serviço a Sandra Perdigão Neves.
"Prevê-se a não renovação da comissão de serviço da atual presidente, em face da intenção já anunciada pelo executivo de eliminar todas as situações que favoreçam uma leitura de conflito de interesses, no concurso público a lançar em breve", confirmou na ocasião o MAI.
O concurso público internacional está a decorrer, com um caderno de encargos feito com base na recomendações da ANACOM (Autoridade Nacional para as Comunicações) a quem Van Dunem tinha pedido um parecer.
A tecnologia Motorola foi mantida, mas ficou prevista a sua evolução do Tetra (apenas voz) para novas tecnologias que incluem vídeo e imagens (e que eram umas das reivindicações da anterior presidente da SIRESP, SA).
O Ministro José Luís Carneiro garantiu que o caderno de encargos "integra as recomendações do Tribunal de Contas, da Comissão Técnica Independente dedicada aos incêndios de 2017 e da ANACOM, promovendo as regras da concorrência, da isenção, da imparcialidade e independência na prossecução do interesse público".
O júri do concurso é presidido por Luís Correia, doutorado pelo Instituto Superior Técnico (IST) em engenharia eletrotécnica e consultor para operadoras de comunicações móveis e da ANACOM.
(Atualizado às 18h55 do dia 21/10 com a retificação relativamente ao CAAD". "Não existe atualmente nenhuma convenção de arbitragem que atribua competência ao CAAD nem nenhum processo a correr entre a empresa SKSoft e a SG do MAI. No dia 18, a SKSoft requereu ao CAAD que diligenciasse junto do MAI para aferir da sua vontade em subscrever compromisso arbitral (ao abrigo do artigo 9 do Regulamento). Se o MAI não aceitar expressamente (até hoje nunca aceitou) o CAAD nunca poderá julgar o caso", explicou ao DN fonte oficial do CAAD.