A Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) pediu explicações à Marinha, à Polícia Marítima (PM) e à Polícia Judiciária (PJ) sobre a operação de resgate do navio mercante Odysseus, de bandeira da Libéria, que quando se encontrava ainda em águas internacionais lançou um pedido de socorro, por terem sido detectados a bordo dois homens estranhos armados. Conforme o DN já noticiou, o caso está a ser investigado pela PJ, com suspeita de se tratar de uma situação de narcotráfico internacional.O alerta foi recebido na quarta-feira, três de setembro, no Centro do Controlo do Tráfego Marítimo (CCTM), da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), tendo a Marinha acionado uma equipa com elementos da PM e dos Fuzileiros, tendo a operação já decorrido em águas territoriais portuguesas.."Sequestro" de navio ao largo do Algarve não se confirma. Suspeita de tráfico de droga em investigação.A Associação dos Inspetores e Chefes da Polícia Marítima (AICPM) entende que o envio do grupo de fuzileiros, do Destacamento de Ações Especiais (DAE) é "ilegal" por se tratou de uma "operação policial a bordo de um navio estrangeiro no mar territorial (Lagos)". A ser assim, de facto, configuraria um atropelo à lei, que exclui as Forças Armadas de operações policiais, a não ser em apoio e sob comando de uma força de segurança. É o que acontece, há vários anos e com sucesso, com as operações da PJ de combate ao tráfico de droga em alto mar, que contam sempre com o apoio da Marinha e da Força Aérea, com militares treinados para o efeito, navios e aeronaves."Trata-se de uma ação que a AICPM repudia, e que atenta contra a Constituição da República Portuguesa, os Tratados e Convenções ratificadas e a Lei. Infelizmente assistimos a um incidente digno de um Estado do Terceiro Mundo ou de uma ditadura Militar, já que foi a própria Marinha, que com jubilo, publicitou nos órgãos de comunicação social a violação da Constituição e da Lei. Portugal é um Estado de direito e a Constituição e a Lei, merecem ser cumpridas e respeitadas", reclama a associação.Em comunicado, os representantes dos inspetores e chefes apelaram à intervenção da secretária-geral do SSI, Patrícia Barão, que tem competências de articulação entre polícias e as Forças Armadas, bem como de dirimir conflitos de competências. Questionada pelo DN, a porta-voz do gabinete declarou que a secretária-geral "encontra-se, desde quinta-feira, a acompanhar a situação de perto, tendo solicitado a todas as entidades intervenientes as informações necessárias para a clarificação dos factos em apreço".As explicações da MarinhaDe acordo com as informações oficiais que vieram a público, as entidades que intervieram nesta operação foram a Marinha, através da DAE, a Polícia Marítima e, posteriormente, a PJ.Fonte autorizada da PJ confirmou ao DN que não participou na operação de abordagem do navio, sendo a sua intervenção apenas no plano da investigação criminal. Esta fonte lembra que só a Marinha tem meios, experiência e militares treinados para operações em alto mar, como as que faz frequentemente em apoio da PJ no combate ao narcotráfico.Em relação a este caso concreto esta fonte, que está a acompanhar o processo, tem a informação de que a PM comandou a operação e que a DAE agiu de acordo com as suas valências em apoio. Segundo as informações recolhidas pela PJ, apesar de a abordagem ao navio ter sido em águas territoriais, na altura em que foi feito o pedido de socorro ainda estava em alto mar, a cerca de 30/40 milhas. A Armada, por seu lado, questionada pelo DN sobre as alegações da AICPM garante que "a operação foi integralmente conduzida pelas estruturas de Comando da Polícia Marítima, com apoio de capacidades da Marinha".Em comunicado anterior, aliás, já tinha sido essa a descrição sobre a sua resposta ao alerta. "Na sequência deste pedido e da posterior entrada do navio nas águas territoriais portuguesas, o Capitão do Porto de Portimão acionou os meios da Autoridade Marítima Nacional, designadamente da Polícia Marítima, e solicitou o apoio da Marinha, tendo sido efetivada a entrada a bordo, durante a manhã de hoje e a cerca de 6 milhas náuticas da costa portuguesa, por uma equipa constituída por elementos de ambas as entidades, visando a recuperação das condições de segurança do navio e da sua tripulação. Foi assegurada a coordenação com as entidades com competência em razão da matéria e, neste momento, o navio navega em segurança com destino a Sines", escreve a Autoridade Marítima e a Marinha.O comandante-geral da Polícia Marítima e Diretor-Geral da Autoridade Marítima, a quem SSI também pediu explicações, não tomou até ao momento posição. O vice-almirante Nuno Ferreira, anterior comandante naval da Marinha, tomou posse no passado dia nove de julho e está hierárquica e disciplinarmente sob tutela do Chefe de Estado-Maior da Armada, mas dirige uma força de segurança, pois a PM é assim considerada legalmente e tem assento no SSI. Esta ligação permite, na prática, a que, sempre que é necessário, a Marinha apoia as operações da PM, com recursos materiais e humanos, o que resulta numa capacidade de projeção mais eficaz e de maior dimensão.O "labirinto" do controlo do marOs conflitos de competências na segurança marítima, não só entre os polícias da PM e a Marinha; mas também entre ambos e a Unidade de Controlo Costeiro da GNR, são antigos e nunca foram solucionados, servindo para agudizar guerras entre entidades que pouco ou nada servem para o bem comum. Mas não só.Uma sistematização feita pelo DN (ainda sem alterações substanciais, a não ser a extinção do SEF que tinha também competências na matéria) demonstrou que Portugal tem cinco entidades distintas, de três ministérios, com poder de autoridade de Estado na vigilância das zonas marítimas; 10 (eram 11 com o SEF) de sete ministérios diferentes, com competências no domínio do mar; coordenadas por oito organismos que foram sendo criados ao longo dos últimos 20 anos..Oito "coordenadoras", 7 ministérios e 5 "autoridades de Estado". O "labirinto" do controlo do mar. Um "modelo esquizofrénico" e "labiríntico", como assinalou, na altura, Ana Miguel dos Santos, ex-deputada do PSD e jurista especializada em Defesa Nacional, num país que tem "jurisdição sobre cerca de metade das águas marinhas da União Europeia (UE)" e, como está assinalado na Estratégia Nacional para o Mar, aprovada em 2021, tem "responsabilidade acrescida" nas "questões ligadas à governação do oceano", incluindo "garantir a segurança, soberania, cooperação e governação".Exercem autoridade de Estado na vigilância das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional cinco entidades de três ministérios (Estratégia Nacional de Gestão de Fronteiras, de 2017): 1- GNR, através da Unidade de Controlo Costeiro (UCC), até às 12 milhas (mar territorial), mas pode ir até às 24 milhas do "espaço contíguo", se necessário.2- Marinha - todas as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional (até às 200 milhas da ZEE), podendo também intervir também em alto mar, fora da jurisdição quando esteja envolvido um navio com bandeira portuguesa3- Polícia Marítima, no mar territorial, sona contígua e ZEE, até às 200 milhas.4- Força Aérea Portuguesa (FAP), pode vigiar todas as zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional (até às 200 milhas da ZEE).São 10 as principais entidades com competências no domínio do mar, repartidas por sete ministérios (DL 86/2007): Defesa, Saúde, MAI, Ambiente, Economia e Mar, Justiça e Finanças.1- ASAE2- Autoridade Aeronáutica Nacional (AAN) / Força Aérea Portuguesa (FAP)3- Autoridade Marítima Nacional (AMN) / Polícia Marítima (PM)4- Autoridade de Saúde Nacional5- Autoridade Tributária6- DGRM ( Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos)7- GNR8- Instituto da Água9- Marinha10- Polícia JudiciáriaSão oito os organismos coordenadores:1- Centro Nacional de Coordenação (CNC) EUROSURO CNC, criado em 2013, está instalado na Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR é responsável pela cooperação e coordenação da troca de informações entre todas as autoridades competentes pela vigilância das fronteiras externas a nível nacional, bem como com os CNC de outros países e com a Frontex.A operacionalização do CNC -EUROSUR ( sistema europeu de vigilância de fronteiras, aprovado pelo parlamento europeu em 2013 ) contempla a partilha de dados e a designação de Oficiais de ligação das autoridades nacionais com competências em matérias de fronteiras, com vista a assegurar a partilha atempada da informação entre as respetivas autoridades.No CNC, de acordo com o protocolo que está em vias de ser assinado, estão presentes a FAP / Autoridade Aérea Nacional; a Marinha / Autoridade Marítima Nacional; a Autoridade Tributária e Aduaneira; a DGRM; a GNR; a PSP; a PJ; e o SEF.2- Centro Nacional Coordenador Marítimo (CNCM)O CNCM, criado em 2007, prevê integrar representantes da Autoridade Marítima e da Polícia Marítima, da GNR , do Gabinete Coordenador de Segurança (Sistema de Segurança Interna), da Marinha, da Força Aérea, do SEF e da PJ.O CNCM surge no âmbito de um decreto regulamentar que "articula a ação das autoridades de polícia e demais entidades nos espaços marítimos", no qual é definido claramente a missão de cada um.Marinha e AMN defendem este diploma, mas a GNR deixou de participar no CNCM, por entender que o CNC Eurosur é que está atualizado.3- Sistema de Segurança Interna (SSI)O secretário-geral do SSI (criado em 2008), cargo atualmente ocupado pela procuradora da República Patrícia Barão, é responsável pela articulação entre Forças e Serviços de Segurança e as Forças Armadas, através do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, atualmente ocupado pelo General Nunes da Fonseca.4- Ponto de Contacto Nacional FrontexAtivo no SEF desde 2005, ano de nascimento da agência Frontex (deve agora passar também para a GNR) estabelece a "ligação entre a Frontex e todas as autoridades nacionais relevantes e com responsabilidade no domínio da gestão integrada da fronteira externa da União Europeia" e "centraliza a nível nacional, o fluxo de informação, relacionada com todas as atividades da Agência (Operações Conjuntas, Projetos-Piloto, Formações, Conferências, Workshops, Projetos técnicos, etc.)".5- Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI)Criado em 2017, está na dependência da secretaria-geral do SSI e é um centro operacional que coordena os pedidos de informação nacionais às autoridades policiais estrangeiras e vice-versa, incluindo os relacionados com as fronteiras marítimas.6- Conselho Coordenador Nacional (CCN)Regulamentado em 2002, o Sistema de Autoridade Marítima é o "sistema interdepartamental de natureza horizontal integra diversas autoridades públicas que exercem o poder de autoridade marítima".A coordenação nacional das entidades e órgãos integrantes do SAM é assegurada pelo Conselho Coordenador Nacional (CCN), composto pelos ministros da Defesa Nacional (que preside), da Administração Interna; do Equipamento Social; da Justiça; da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas; do Ambiente e do Ordenamento do Território; Autoridade Marítima Nacional; Chefe do Estado-Maior da Força Aérea; Comandante-geral da Polícia Marítima; Comandante-geral da GNR; Diretor Nacional da PSP; Diretor Nacional da PJ; Diretor Nacional do SEF; Presidente do Instituto Marítimo-Portuário; Diretor-geral das Pescas e Aquicultura; Inspetor-geral das Pescas; Diretor-geral da Saúde; Presidente do Instituto da Água. O CCN nunca foi ativado.7- Comando de Operações Marítimas (COMAR)Situado no comando naval, em Lisboa, faz a ligação com as agências congéneres e garante a comunicação com todas as unidades navais da Marinha. Aqui é reunida e tratada a informação gerada a partir dos vários sistemas que proporcional o retrato global da situação no mar. A Polícia marítima tem aqui assento permanente. Não estão presentes as forças e serviços de segurança com competências no mar.8- Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar (CIAM)No âmbito da Estratégia Nacional para o Mar, aprovada em junho de 2021, a CIAM, na dependência do Ministério da Economia e do Mar, deve "garantir a desejada articulação interagências, a nível nacional, e deve promover um reforço do papel do Centro Nacional Coordenador Marítimo (CNCM), do Centro Nacional de Coordenação (CNC) do EUROSUR e do Centro de Operações Marítimas (COMAR).Foram públicos alguns casos que provocaram acesa polémica entre militares da Marinha e da GNR, que tem vindo a adquirir capacidades com potência para navegar além das 12 milhas que a lei lhe confere, como foi o caso da controversa megalancha Bojador, adquirida em 2020.Problema: não tinha militares com formação para pilotar a embarcação e tiveram de ir receber formação em Espanha, isto quando, conforme frisaram na altura vários oficiais da Marinha, essas qualificações e experiência já existem naquele ramo e na PM.Várias personalidades, militares e civis, denunciaram e criticaram a "deriva marítima" da GNR, em maio de 2021.O então ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, saiu em defesa dos militares, valorizando o duplo uso na Marinha e a desnecessidade de duplicações com a GNR.Outro exemplo do conflito foi a polémica criada com o avião que a GNR pediu à Frontex (a Agência de Fronteiras europeia) para patrulhar o mar dos Açores, sem consultar a Força Aérea e a Marinha.