Na imagem, de uma reportagem do canal Now, agentes da Polícia Municipal de Lisboa à paisana a efetuar detenções na Baixa da cidade, numa operação que está em investigação pelo Ministério Público. A polémica sobre o que podem ou não podem fazer os polícias municipais iniciou-se a 17 de setembro de 2024 com um discurso do comandante da Polícia Municipal de Lisboa (PML) no qual este reivindicou competências de órgão de polícia criminal, seguindo-se a afirmação do presidente da Câmara, Carlos Moedas, de que dera ordens à PML para efetuar detenções. Logo em setembro de 2024 a ministra da Administração Interna pediu um parecer sobre o assunto à auditora jurídica do ministério, o qual nega a legalidade da ordem -- mas acabaria por pedir outro parecer.
Na imagem, de uma reportagem do canal Now, agentes da Polícia Municipal de Lisboa à paisana a efetuar detenções na Baixa da cidade, numa operação que está em investigação pelo Ministério Público. A polémica sobre o que podem ou não podem fazer os polícias municipais iniciou-se a 17 de setembro de 2024 com um discurso do comandante da Polícia Municipal de Lisboa (PML) no qual este reivindicou competências de órgão de polícia criminal, seguindo-se a afirmação do presidente da Câmara, Carlos Moedas, de que dera ordens à PML para efetuar detenções. Logo em setembro de 2024 a ministra da Administração Interna pediu um parecer sobre o assunto à auditora jurídica do ministério, o qual nega a legalidade da ordem -- mas acabaria por pedir outro parecer.

Polícias Municipais: MAI tinha desde outubro 2024 parecer negativo sobre ordem de Moedas

Mal Carlos Moedas anunciou publicamente, em setembro de 2024, ter ordenado à Polícia Municipal que efetuasse detenções, ministério da Administração Interna pediu um parecer interno, que recebeu a 8 de outubro e que nega legalidade da ordem. Mas acabaria por pedir outro parecer.
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Polícias municipais não são forças de segurança nem órgãos de polícia criminal; os agentes destas polícias apenas podem efetuar detenções em situações de flagrante delito de um crime punível com pena de prisão, tendo de entregar de imediato o detido a uma autoridade judiciária ou a um órgão de polícia criminal. 

Esta é, como noticiado pelo DN, a principal conclusão do mais recente parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a natureza das polícias municipais (já existia outro, de 2008, com a mesma conclusão), homologado pelo ministério da Administração Interna (MAI) no final de julho. Um parecer que deu entrada no ministério em abril de 2025 e que torna claro que a ordem que o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, disse em setembro de 2024 ter dado à respetiva polícia municipal está destituída de legalidade. 

O que até agora não se sabia era que havia afinal outro parecer sobre o mesmo assunto e com as mesmas conclusões -- que o MAI detinha desde outubro de 2024. 

Trata-se de um parecer solicitado pela então ministra Margarida Blasco à auditora jurídica do ministério apenas quatro dias depois das referidas declarações de Moedas (efetuadas a 23 de setembro). Datado de 8 de outubro de 2024, o documento, assinado pela procuradora-geral-adjunta Luísa Verdasca Sobral, e agora enviado pelo MAI ao DN a pedido do jornal, vinca a natureza das funções “estritamente de polícia administrativa” das polícias municipais de Lisboa e Porto e o facto de estas estarem na “na dependência administrativa, funcional e hierárquica do respetivo presidente de câmara” — sobre o qual se lembra que não possui, desde 1977, autoridade de polícia — negando-lhes “a natureza de força de segurança” e por conseguinte sendo-lhes vedadas “as competências próprias dos órgãos de polícia criminal”. Ou seja, exatamente o que diz o parecer do Conselho Consultivo da PGR.

Assim, à pergunta que o parecer assume ter sido colocada pela ministra — “Considerando as funções, atribuições e competências em que estão investidos os agentes das polícias municipais de Lisboa e Porto (…), dispõe das competências próprias dos órgãos de polícia criminal?” — a resposta é não. 

Esta resposta não parece porém ter sido suficiente para que o Governo de Luís Montenegro acabasse com a confusão criada pelas afirmações de Carlos Moedas, já que a ministra Margarida Blasco requereu de seguida — a 18 de outubro — um outro parecer ao Conselho Consultivo da PGR, o qual, entregue no início de abril de 2025, só veio a ser conhecido publicamente no final de julho, após o DN noticiar que estava há quatro meses a aguardar análise do MAI. Como o jornal noticiou em primeira mão, este parecer veio confirmar, com particular veemência, o que constava no parecer do mesmo órgão de 2008. 

E, como se constata agora, o que a auditora jurídica junto do MAI, Luísa Verdasca Sobral, já dissera.

“Inequívoca clareza”; “jurisprudência claramente pacífica”

Sendo que esta ex-chefe de gabinete do secretário de Estado da Justiça no governo de Passos Coelho (2011/2015), indicada para o cargo de auditora jurídica do MAI em outubro de 2023 pelo Conselho Consultivo da PGR, foi até bastante assertiva na explicitação dos fundamentos da sua apreciação.

Lê-se no documento: “Resulta inequívoco que o legislador, no elenco diferenciador consignado nesse regime específico, para os município de Lisboa e Porto, manteve, por exigências constitucionais e legais, a natureza de serviços municipais especialmente vocacionada para o exercício de funções de polícia administrativa, organizada na dependência do respetivo presidente da câmara (…)”.

Afirma-se também. “É claramente pacífica a jurisprudência nesse sentido” — sendo indicados mais de 10 acórdãos recentes (de 2020 a 2023) do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a matéria.

Um desses acórdãos, de 2022, diz respeito às competências das polícias municipais quanto à fiscalização do trânsito, e adverte para o facto de que, se nessa fiscalização os agentes se depararem com um possível crime — no caso, tratava-se da suspeita do crime de condução do veículo em estado de embriaguez —, devem remeter o caso para as orgãos de polícia criminal.  

“A Polícia Municipal tem competência para a fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, mas está excluída da participação de acidentes de viação que envolvam procedimento criminal, logo as Polícias Municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, sendo vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal”, reza o acórdão referido.

São igualmente citadas no parecer da auditora opiniões de constitucionalistas como Jorge Miranda e Rui Medeiros — "As polícias municipais (...) são complementares, e não substitutivas da polícia e das forças de segurança” — para além, claro, do parecer de 2008 do Conselho Consultivo da PGR: “As polícias municipais intervêm na manutenção da tranquilidade pública e da proteção das comunidades locais, em cooperação com as forças de segurança, não dispondo, em regra, de competências no domínio da prevenção e da investigação criminal.”

Não há, assevera o parecer da procuradora-geral-adjunta, confusão possível entre os corpos policiais da PSP e os das polícias municipais de Lisboa e Porto, apesar de estas serem constituídas por agentes da PSP em comissão de serviço:  “Cremos que inexiste qualquer interpretação dualista diretiva ou cumulativa entre as estruturas orgânicas de comando da PSP e os presidentes da câmara municipal de Lisboa e do Porto, por via da inalterada e expressamente consignada natureza de serviço de âmbito municipal, especialmente vocacionado para o exercício de funções de polícia administrativa, organizada na dependência hierárquica do Presidente da Câmara.”

E recorda: “É entendimento pacífico que não existe um só conceito de polícia mas várias conceções de polícia, o que levou ao surgimento de diferentes perfis policiais – polícias judiciárias, de segurança, administrativas (geral e especiais).” 

Comandante de PML reivindica competências criminais

Resumindo: polícias há muitas. E não têm de fazer, nem devem fazer, todas o mesmo. 

Mas, sabe-se, aquilo que no parecer desta procuradora-geral-adjunta, como no posterior parecer do Conselho Consultivo da PGR, é afirmado como “pacífico” e “inequívoco” do ponto de vista legal e constitucional está longe de o ser para o presidente da Câmara de Lisboa, o qual tem vindo a insistir que tem sob as suas ordens “agentes da PSP iguais aos outros”, que quer pôr a fazer o mesmo que os agentes da PSP fazem.

Tenho uma força de PSP, que são colegas dos outros, e têm de ficar parados à espera do colega que andou na mesma academia mas é superior, suponho, porque pode levar à esquadra”, afirmava ainda o autarca a 22 de julho de 2025, acrescentando: “A senhora ministra pediu um parecer, porque é necessário um parecer, porque eu quero que a Polícia Municipal, porque são PSP em Lisboa, possa  participar e possa ajudar (…). Eu estou aqui a dizer ao Estado central: quero-vos ajudar.” 

Mesmo após a publicitação do novo parecer do Conselho Consultivo da PGR e da assunção, pelo MAI de Maria Lúcia Amaral, de que este fora homologado (significando que vale como interpretação oficial da lei), Carlos Moedas veio a público insistir na necessidade de que a sua visão do que deve ser a polícia municipal vença, e que "a lei seja alterada".

Trata-se, curiosamente, de uma reivindicação que pela primeira vez foi afirmada publicamente pelo comandante da Polícia Municipal de Lisboa, o superintendente José Carvalho Figueira, no 133º aniversário desta polícia, a 17 de setembro de 2024.

No seu discurso nessa ocasião — que misteriosamente desapareceu do vídeo da cerimónia que está disponível online —o superintendente proclamou que a PML deve “constituir-se como uma polícia integral no âmbito das suas competências”, e ser “empoderada”, para “corresponder às necessidade de segurança da cidade e dos seus munícipes”

A seguir, o comandante da PML explicou em que consistiria tal empoderamento: “Os polícias municipais no exercício da sua missão e das suas competências, quando verifiquem a prática de crimes em flagrante delito, devem ter a competência para a prática dos atos processuais adequados e tendentes à detenção dos infratores. (…) A circunstância de as polícias municipais de regime especial se encontrarem limitadas à figura da entrega sob detenção acaba por exigir uma intervenção adicional de outros órgãos de polícia criminal, o que se traduz numa sobreposição de recursos ineficiente.”  

E terminou questionando: “Se não somos competentes como órgão de polícia criminal com capacidade de efetuar detenções em flagrante delito, poderá questionar-se qual a vantagem de os municípios de Lisboa e do Porto recrutarem polícias das fileiras da PSP.”  

Esta mágoa do comandante da PML (e do presidente da CML) pode ter-se consubstanciado em ordens/condutas ilegais — isso mesmo está a ser investigado pelo Ministério Público, que, como o DN noticiou, abriu uma investigação a ações daquela polícia, nomeadamente detenções "vigorosas" e operações "encobertas" (em que os agentes atuam à paisana) divulgadas em reportagens do canal Now. Também a Inspeção Geral da Administração Interna comunicou ao jornal ter aberto uma averiguação às mesmas ações. polº

Na imagem, de uma reportagem do canal Now, agentes da Polícia Municipal de Lisboa à paisana a efetuar detenções na Baixa da cidade, numa operação que está em investigação pelo Ministério Público. A polémica sobre o que podem ou não podem fazer os polícias municipais iniciou-se a 17 de setembro de 2024 com um discurso do comandante da Polícia Municipal de Lisboa (PML) no qual este reivindicou competências de órgão de polícia criminal, seguindo-se a afirmação do presidente da Câmara, Carlos Moedas, de que dera ordens à PML para efetuar detenções. Logo em setembro de 2024 a ministra da Administração Interna pediu um parecer sobre o assunto à auditora jurídica do ministério, o qual nega a legalidade da ordem -- mas acabaria por pedir outro parecer.
“Empoderar” a Polícia Municipal. Margarida Blasco pede parecer “urgente” à PGR
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Na imagem, de uma reportagem do canal Now, agentes da Polícia Municipal de Lisboa à paisana a efetuar detenções na Baixa da cidade, numa operação que está em investigação pelo Ministério Público. A polémica sobre o que podem ou não podem fazer os polícias municipais iniciou-se a 17 de setembro de 2024 com um discurso do comandante da Polícia Municipal de Lisboa (PML) no qual este reivindicou competências de órgão de polícia criminal, seguindo-se a afirmação do presidente da Câmara, Carlos Moedas, de que dera ordens à PML para efetuar detenções. Logo em setembro de 2024 a ministra da Administração Interna pediu um parecer sobre o assunto à auditora jurídica do ministério, o qual nega a legalidade da ordem -- mas acabaria por pedir outro parecer.
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