Agentes à paisana da Polícia Municipal de Lisboa a arrastar, algemado, um homem suspeito de venda ambulante ilegal - uma contra-ordenação. Especialistas de segurança interna ouvidos pelo DN manifestam dúvidas sobre legalidade de ações desta polícia  (imagem de uma reportagem do canal Now).
Agentes à paisana da Polícia Municipal de Lisboa a arrastar, algemado, um homem suspeito de venda ambulante ilegal - uma contra-ordenação. Especialistas de segurança interna ouvidos pelo DN manifestam dúvidas sobre legalidade de ações desta polícia (imagem de uma reportagem do canal Now).

Ministério Público abre inquérito à atuação da Polícia Municipal de Lisboa

Procuradoria-Geral da República confirmou ao DN a existência de um inquérito que investiga as operações da Polícia Municipal de Lisboa retratadas em reportagens do canal Now.
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"Confirma-se a existência de inquérito a correr termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. O inquérito, no qual se investiga a atuação da Polícia Municipal de Lisboa, foi instaurado na sequência de reportagens jornalísticas".

Esta foi a resposta que a Procuradoria-Geral da República (PGR) finalmente deu às questões que o DN está, desde 24 de julho, a colocar-lhe em relação às referidas atuações da Polícia Municipal de Lisboa, retratadas em várias reportagens do canal Now.

Nessas reportagens, esta polícia, que é uma polícia administrativa e está -- como um recente parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, homologado pelo Governo, acaba de mais uma vez sublinhar -- impedida de efetuar investigação criminal, efetua ações encobertas nas quais detém de forma vigorosa pessoas que estavam a proceder a venda ambulante alegadamente não autorizada e introduz-se, apresentando-se como "turistas", em residências que alegadamente funcionavam como restaurantes clandestinos. Vários especialistas em segurança interna citados pelo DN no noticiário que o jornal tem vindo a publicar sobre o assunto consideram que há indícios de ilegalidade nas ditas operações e até de comissão de crimes, como abuso de poder, usurpação de funções, introdução em lugar vedado ao público e outros.

Agentes à paisana da Polícia Municipal de Lisboa a arrastar, algemado, um homem suspeito de venda ambulante ilegal - uma contra-ordenação. Especialistas de segurança interna ouvidos pelo DN manifestam dúvidas sobre legalidade de ações desta polícia  (imagem de uma reportagem do canal Now).
Governo esconde parecer da PGR sobre Polícia Municipal que contraria Moedas
Agentes à paisana da Polícia Municipal de Lisboa a arrastar, algemado, um homem suspeito de venda ambulante ilegal - uma contra-ordenação. Especialistas de segurança interna ouvidos pelo DN manifestam dúvidas sobre legalidade de ações desta polícia  (imagem de uma reportagem do canal Now).
Polícia Municipal: Governo homologa parecer que contraria Moedas, IGAI abre averiguação

No entanto, a PGR não esclareceu quais os crimes cujos indícios determinaram a abertura do inquérito nem quando ocorreu a instauração. A informação da abertura do inquérito coincide com a publicação, em Diário da República, do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que mais uma vez estabelece a interdição de investigação criminal por parte das polícias municipais e torna claro que, ao contrário do que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, tem vindo a afirmar repetidamente, os agentes das polícias municipais de Lisboa e Porto, malgrado serem de origem agentes da PSP, não têm o estatuto funcional de polícias de Segurança Pública enquanto estão em comissão de serviço como polícias municipais.

Como o DN já havia noticiado, também a Inspeção-Geral da Administração Interna abriu uma averiguação a estas atuações da Polícia Municipal de Lisboa, mas apenas depois de o jornal lhe ter enviado os links das reportagens em causa. Este órgão de fiscalização das polícias alegou que não tinha recebido quaisquer participações em relação às ditas atuações.

Foram igualmente conhecidas esta quinta-feira as reservas do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical da PSP (ASPSP), às referidas atuações da PML. Em declarações à Antena 1, o presidente deste sindicato, Pedro Oliveira, reputa de ilegal o efetuar de detenções por agentes da PML à civil, como se verifica ter acontecido numa das operações retratadas no Now.

"Se o serviço à civil implicou detenções, e se o agente não estiver devidamente uniformizado, isso realmente vai contra a lei", afirma o sindicalista.

Os agentes da PML (dirigidos pelo subintendente Tiago Mota, ao fundo) a tocar, fazendo-se passar por turistas, à campainha de uma casa onde alegadamente funciona um restaurante ilegal. (imagem da reportagem do canal Now)
Os agentes da PML (dirigidos pelo subintendente Tiago Mota, ao fundo) a tocar, fazendo-se passar por turistas, à campainha de uma casa onde alegadamente funciona um restaurante ilegal. (imagem da reportagem do canal Now)

Câmara e comandante da PML recusaram esclarecer operações agora em investigação pelo MP

O facto de os agentes da PML atuarem, em várias das operações em causa, à civil, e o fundamento legal para tal, é uma das questões em relação às quais o DN aguarda, desde 16 de julho esclarecimento da parte da Câmara Municipal de Lisboa e da Polícia Municipal de Lisboa.

Reproduzem-se aqui as questões então enviadas para a autarquia e que até agora, 22 dias depois, não mereceram resposta.

1. Existindo, em três das situações retratadas nas reportagens, relacionadas com venda ambulante e restaurantes ilegais, atuação dos agentes da Polícia Municipal sem uniforme, fazendo-se passar por "turistas", solicito identificação da norma legal que o permite, e quem deu a ordem para que essa atuação decorresse nestes termos.

2. Como foi planeada a ação relacionada com venda ambulante e qual o seu objetivo. 

3. Tendo sido detidos indivíduos no decorrer da ação em causa, qual o motivo da detenção? Tratando-se de flagrante delito, qual o crime em causa? 

4. Essa ação foi coordenada com o Ministério Público?

5. Essa ação foi coordenada com alguma polícia de investigação criminal?

6. Considera a Polícia Municipal que a exibição da atuação na Rua Augusta, em que indivíduos foram algemados de forma vigorosa e conduzidos algemados, de cabeça baixa, no meio da rua, observou os princípios de proporcionalidade e de adequação?

7. Considera a Polícia Municipal adequado permitir a um meio de comunicação social o registo vídeo da referida ação, da algemagem de indivíduos e respectiva condução, sem sequer cuidar de que este meio de comunicação social não identificasse os detidos? 

8. No que respeita à ação relacionada com restaurantes, há um local ao qual os agentes se dirigem à paisana, acompanhados da equipa de reportagem, sendo-lhes franqueada a porta depois de a repórter ter dito "we need food". Qual o enquadramento legal desta ação?  A Polícia Municipal leva a cabo ações encobertas concertadas com órgãos de comunicação social?

9. Nesta última ação, os agentes da PM, após identificarem-se, permitiram que a equipa de reportagem se introduzisse no local filmando tudo, inclusive zonas com camas e crianças, assim como que captasse a interação entre os agentes e as pessoas que ali estavam. A PM permitiu, além disso, que a equipa de reportagem "interrogasse" as pessoas que estavam a ser sujeitas a fiscalização. Gostaria de ser elucidada sobre a legalidade desta atuação dos agentes.

10. Tendo em vista o descrito, gostaria de saber se a Polícia Municipal abriu inquéritos disciplinares aos agentes envolvidos nestas ações, e se a IGAI já tem conhecimento destas atuações.

O DN tentou obter a reação do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, mas este não atendeu o telefone nem respondeu a mensagens.

Ainda esta terça-feira, o edil tinha, no Twitter/X, comentado um requerimento do grupo parlamentar do PS à ministra da Administração Interna requerendo esclarecimentos sobre o comportamento da PML nas referidas reportagens, que os socialistas reputam de "abusivo e ilegal", acusando o PS de "não querer que a Polícia Municipal prenda os criminosos em flagrante delito".

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