Domingos Xavier Viegas é investigador e especialista no estudo de incêndios florestais.
Domingos Xavier Viegas é investigador e especialista no estudo de incêndios florestais.FOTO: Adelino Meireles / Global Imagens

"Os grandes incêndios estão a ser cada vez maiores" e este ano é "particularmente grave"

Domingos Xavier Viegas afirma que os dados indicam que em termos meteorológicos, 2025 é "comparável" ao ano dos fogos de Pedrógão Grande. O investigador defende ainda que a tendência será para piorar.
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O investigador Domingos Xavier Viegas esteve à conversa com o DN. Considerando que 2025 pode ficar na história dos piores anos ao nível de fogos, o especialista no estudo de incêndios florestais afirma que as chamas estão mais fortes e defende que o Governo devia ter "uma palavra, uma intervenção, um aparecer, um dar a cara" nesta altura.

Além disso, Domingos Xavier Viegas diz que, muitas vezes, "as pessoas não têm a perceção do risco e subestimam-no". Com isto, deixa um alerta: "O que está a acontecer agora no centro e no norte do país pode acontecer em qualquer parte."

Tanto este ano, como no ano passado, os incêndios têm sido muito localizados na zona interior do centro-norte de Portugal. Isto deve-se a quê? Há uma mudança no tipo de incêndios no país?

Se compararmos, 2024 foi um ano completamente diferente deste. Até meados de setembro, tínhamos uma área ainda muito pequena. Era mais baixa dos últimos quase 30 anos. Depois tivemos, em dois ou três dias, um incêndio próximo de Albergaria-a-Velha, em que arderam cento e tal mil hectares. Isto mostra como as coisas podem mudar de direção rapidamente. Este ano está a ser particularmente grave, na medida em que tivemos, no princípio do ano, uma quantidade de precipitação muito elevada, de modo geral, por todo o país. Facilitou, digamos, o crescimento da vegetação fina que, a partir de junho, quando deixou de chover, foi secando. Claro que parte dela foi cortada, mas outra não, e alguma até voltou a crescer. O que estamos a ter é que essa vegetação está, nesta altura, seca e disponível para suportar, não só a emissão, como a propagação dos incêndios.

Isso acontece, de um modo ou de outro, por todo o país. Claro que em algumas regiões, mais do que em outras, algumas foram mais afetadas por esse período de seca, mas o país teve essas condições. Depois, nestes últimos dois ou três meses, desde junho até agora, não tem chovido e as condições de secura têm vindo a agravar-se. As temperaturas têm sido muito altas e os indicadores que estamos a acompanhar na região centro, com dados do IPMA vão no mesmo sentido: este ano está a ser um dos dois ou três piores anos desde o início do século. Temos referência aos anos de 2005, 2013, que já foram anos muito maus. Este ano é comparável, ou até pior, que 2017 nos indicadores meteorológicos. Aqui na Universidade de Coimbra temos também a vantagem de dispor de dados que são emitidos praticamente diariamente no terreno, da humidade da vegetação e de diferentes componentes, que nos indicam também que este ano estamos em valores muito, muito baixos. Os valores de humidade da manta morta são inferiores a 4 ou 5%, à volta disso, e dos arbustivos à volta dos 50%, o que também é muito baixo. Nestes anos todos, são dos valores mais baixos de que temos registo.

Isso deve-se a alterações climáticas ou é apenas conjuntural?

É difícil dizer estritamente que é uma coisa ou outra. É o conjunto de várias situações. Mas, claramente, estes períodos de altas temperaturas, com menor precipitação, podem ser atribuídos a alterações climáticas, embora haja uma variabilidade interanual muito grande. Há anos em que, digamos, o comportamento é um, e noutros anos é outro. O que se verifica é que, com o aumento da temperatura, tem vindo a haver cada vez mais estes períodos de ondas de calor, como aquela que estamos a viver agora. E têm vindo a ser ondas de calor mais prolongadas, com menor precipitação, que é bastante distribuída de uma forma mais irregular ao longo do ano. Este ano, em particular, estamos a ter esta situação que já descrevi antes: uma concentração de chuva muito elevada, no inverno, e agora uma série de meses sem chuva. Não sei exatamente qual a previsão dos próximos dias, algumas indicam que se irá manter, outras que se irá agravar. Mas, em relação aos incêndios, se não houver chuva – e tem de ser abundante – por uma parte importante do território, infelizmente a situação não se deve alterar muito. Mesmo que a temperatura baixe, a humidade de algumas camadas de combustível é muito baixa e não deve recuperar tão depressa.

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Os fogos que temos tido são mais violentos do que noutros anos? É possível fazer essa avaliação? 

Há dados objetivos que mostram que os incêndios estão-se a tornar cada vez mais graves. Por exemplo, em Coimbra, acompanhamos a precipitação que cai anualmente durante os 12 meses do ano. Vemos que, em comparação com os últimos 30 anos da década passada, tem vindo a cair cada vez menos chuva aqui nos registos de Coimbra. Cerca de 10% menos. Isso, ao longo de vários anos, leva a que haja uma secura do solo e naturalmente uma melhor secura também da vegetação e maior disponibilidade para arder. Outro dado objetivo que temos vindo a analisar é a área dos cinco maiores incêndios em Portugal em cada ano. E esses grandes incêndios estão a ser cada vez maiores ao longo destas três décadas, e a tendência é de crescimento dessa área média. Estamos a ter incêndios cada vez maiores. É algo que não é apenas esporádico, não é apenas conjuntural de um dado conjunto de circunstâncias, mas está a ser uma tendência que em boa parte, quanto a nós, é explicado pela mudança climática de que falávamos há pouco.

Esta semana, foi também noticiado que o Plano Nacional de Ação (PNA) para a floresta está atrasado e que a meta até 2024 não foi cumprida. Considera que podia ter sido feito mais na prevenção? Podiam ser tomadas outras medidas para tentar evitar este tipo de incêndios?

Reconheço que tem sido feita alguma coisa e que se está a fazer. Há uma dinâmica que não podemos desprezar, que infelizmente ainda não tem dado muitos resultados visíveis no terreno, mas que, como muita coisa que acontece nesta matéria que envolve a floresta e a gestão do território, são medidas que apenas ao fim de alguns anos poderão ver resultados. Mas devo reconhecer que se calhar começou-se tarde, e não se fez o trabalho com o ímpeto, com o investimento que seria desejável, daí que estejamos a ter estes poucos resultados. E há um outro aspeto em que me parece que devia ter mais empenho, é de facto de sensibilizar mais a população, porque o que nós estamos a ver não pode ser feito só pelas autoridades que dependem do Governo. Os cidadãos, toda a população tem de estar envolvida neste processo.

E continuamos a ver, em todo o território, aldeias, casas, povoações, etc, propriedades agrícolas e florestais, onde as pessoas têm as suas casas, como se nunca fosse acontecer um incêndio na zona envolvente. As pessoas não têm a perceção do risco e subestimam-no. Pensam que não lhes vai acontecer. O que os acontecimentos destes anos mostram é que o que estamos a ver agora no centro e no norte do país pode acontecer em qualquer parte. Aliás, já este ano tivemos incêndios graves no Alentejo e sabemos que o Algarve está sempre ‘disponível’ para arder. Todo o país pode arder. Eu estou em Coimbra, e olho à minha volta e vejo que coisas semelhantes podem acontecer aqui. Tudo isto pode acontecer por aqui. Era bom que houvesse sempre um maior despertar das populações para cuidar. Quando falo das populações, falo também muitas vezes das entidades públicas ou das empresas que têm, por vezes, fábricas e edifícios com grande valor, junto à floresta e que não têm em conta o perigo do que pode acontecer em caso de fogo.

Como avalia a resposta do Governo? Tem sido adequada? 

Penso que este é um tema que é transversal a várias instituições, desde políticas e outras instituições. Do ponto de vista político, deve transcender os governos no sentido partidário. É um tema que deve ser claramente abrangente e transversal e é algo que não são políticos que vão resolver. Os políticos têm, naturalmente, bastante responsabilidade, capacidade e poder. Perante estas situações, não creio que possa haver uma grande uma maior intervenção. Mas eu não tenho a pretensão de saber o que é que os membros do Governo estão a fazer. Agora, o que acho que podia haver mais vezes, era, de facto, uma palavra, uma intervenção, um aparecer, um dar a cara. Este é um problema que está claramente a afetar o país e está a afetar seriamente muitos dos nossos concidadãos. Creio que era importante haver essa expressão, vá lá, de proximidade e de solidariedade e de, enfim, sensibilidade perante este problema.

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