“Não prescindo dos meus direitos de cidadania, nem de dizer o que penso, nas esferas e nos temas que considero relevantes”, diz o diretor nacional da PJ nesta entrevista que maca os 80 anos da PJ. Há sete anos em funções, tem a sua polícia mais forte que nunca, com a carreira de investigação reforçada em 62% de quadros. Com a “garra” dos novos inspetores, peritos e nova tecnologia, os resultados vão aparecer, garante Luís Neves. A Polícia Judiciária (PJ) celebrou dia 20 de outubro 80 anos. Que significado tem esta data?Temos muito orgulho no passado que construímos e no momento de grande maturidade e vitalidade em que nos encontramos. São 80 anos sempre ligados à Justiça, com independência, autonomia e uma lgação permanente ao poder judicial, ao Ministério Público. Sempre com uma grande responsabilidade por investigarmos a criminalidade mais gravosa, aquela que afeta mais seriamente o país e as pessoas.Temos muito orgulho nos colegas que nos antecederam, no conhecimento, na coragem e na disponibilidade que sempre demonstraram. Antigamente, os polícias viviam para a polícia. Era um verdadeiro sacerdócio, uma entrega total. E é assim que tem de continuar a ser. Também por isso sentimos orgulho. Não renegamos o passado. Pontualmente, uma coisa ou outra pode ter corrido menos bem, mas nesta atividade não se pode esperar que tudo corra sempre como esperamos.Quando olha para todo esse passado, o que é que acha que se deve cortar e o que é que se deve salvaguardar?Não penso que se deva cortar seja o que for. Talvez o único aspeto negativo tenha sido o período de desinvestimento que a PJ sofreu e do qual estamos agora a sair..Qualquer dirigente público tem o dever de lutar pelo apetrechamento da sua casa: pela afetação de meios humanos, pelas condições para os seus trabalhadores, pelas condições salariais, legais e de dignidade necessárias ao exercício de uma função difícil, como é a nossa.. Qualquer dirigente público tem o dever de lutar pelo apetrechamento da sua casa: pela afetação de meios humanos, pelas condições para os seus trabalhadores, pelas condições salariais, legais e de dignidade necessárias ao exercício de uma função difícil, como é a nossa. De resto, temos orgulho no trabalho que fazemos: na disciplina, no rigor, no saber, na experiência e na entrega. É por isso que somos acarinhados e respeitados de forma generalizada.Fizemos a transição do tempo da ditadura para o pós-25 de Abril como uma instituição de grande exemplo. Continuámos a trabalhar, fomos independentes antes e depois, e naquele período conturbado não nos deixámos intoxicar. O nosso lema foi sempre legalidade, espírito de missão e trabalho. É isso que nos honra e por isso não renego nada da história da instituição.Depois desse período, tivemos outro muito relevante: o ataque ao Estado de Direito numa democracia ainda jovem, protagonizado por organizações terroristas de extrema-esquerda. Fizemos esse combate com grande coragem, brio e rigor. . Esse período foi particularmente relevante para a PJ?A confiança num poder jovem e ainda em dificuldades foi essencial. O poder político da época afetou-nos, mas também nos atribuiu responsabilidades importantes, nomeadamente no âmbito da cooperação internacional — uma função que já vinha de longe, mas que se reforçou depois do 25 de Abril, quando herdámos essa competência de outra estrutura que, felizmente, foi extinta.Poucos anos depois, nos anos 80, enfrentámos o terrorismo interno de extrema-esquerda radical — com destaque para as FP-25 de Abril e outros grupos satélite. Foram responsáveis por assassinatos, extorsões, assaltos e pela morte de inocentes, incluindo agentes da PJ. .Tivemos quadros que caíram, foram ameaçados e perseguidos. Foi um período muito relevante, porque a democracia conseguiu sustentar-se com a investigação criminal e com a Polícia Judiciária como um dos seus pilares.. Tivemos quadros que caíram, foram ameaçados e perseguidos. Foi um período muito relevante, porque a democracia conseguiu sustentar-se com a investigação criminal e com a Polícia Judiciária como um dos seus pilares.Eu não vivi diretamente esse tempo, entrei para a polícia em 1995, mas cresci com essas histórias e com o conhecimento que os colegas me transmitiram. Fui colocado e formado numa grande instituição, a antiga Direção Central de Combate ao Banditismo (DCCB), hoje Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT), onde ainda trabalhavam muitos desses colegas. Esse foi um marco histórico muito importante.Nestas oito décadas que o casos destacaria?Conheço muitos, mas não todos — e omitir alguns seria injusto até do ponto de vista histórico. O que posso dizer é que, de forma estruturada, a Polícia Judiciária sempre esteve na primeira linha no combate ao terrorismo e ao extremismo politicamente motivado, designadamente contra os crimes de ódio, no combate à criminalidade especialmente violenta e altamente organizada. .Luís Neves parte para o terceiro mandato à frente da PJ. Somos uma polícia que atua com toda a celeridade naquilo que são os designados crimes de cenário – homicídios, raptos e sequestros, crimes de natureza sexual, assaltos à mão armada, incêndios, entre outros. São crimes em que é necessário dar uma resposta pronta à comunidade para a efetiva reposição de um sentimento de segurança coletiva.Nos outros casos, designadamente nos tráficos – pessoas, droga e armas –, na cibercriminalidade e na criminalidade económico financeira a nossa atuação preventiva e repressiva é focada no combate aos fenómenos criminais.Há cinco anos, em 2020, tinha dois anos no cargo, disse-nos em entrevista que as suas prioridades eram o cibercrime e o combate à corrupção. Falámos do caso Rui Pinto, da questão do hacktivismo, da morosidade dos inquéritos e da necessidade de reforçar meios. Também mencionou os crimes de ódio, dizendo que a PJ estaria sempre na linha da frente. Em 2025, o que mudou nessa perspetiva? O que conseguiu nestes cinco anos?As prioridades mantêm-se, porque temos de direcionar os meios para aquilo que é realmente essencial. E, felizmente, desde então, a Polícia Judiciária começou a recuperar. Estamos numa fase de recuperação de meios. Quando há escassez, temos de definir prioridades com clareza — e foi isso que fizemos.Entretanto, nunca a PJ teve tantos meios…Nunca disse que tínhamos todos os meios. Temos mais meios, sim, estamos a recuperar e a preparar o futuro.Mas disse várias vezes que a PJ estava a ser reforçada e que, finalmente, seria possível combater a corrupção com mais eficácia — que “nada seria como dantes”.E é verdade.Então o que é que conseguiu, de facto, neste período, em particular no combate à criminalidade económico-financeira e à corrupção? Continua a haver o problema da celeridade das investigações?Ainda há atrasos, sim, mas estão identificados. E estamos a trabalhar conjuntamente com o MP para os mitigar.E as causas também estão identificadas?Sim, a principal causa foi a falta de meios humanos na investigação criminal – inspetores – e nas perícias informáticas e digitais.Mas nos últimos anos, a Unidade de Combate à Corrupção foi das mais reforçadas. Em termos de meios, a situação melhorou bastante.É verdade, mas os resultados não são imediatos. Os profissionais precisam de tempo, inserção, estabilidade e conhecimento.Compreendo, mas quem lê notícias sobre o reforço da PJ e dessa unidade quer perceber: e os resultados?Há resultados, sim. Por exemplo, na área económico-financeira há investigações relevantes em que, pela primeira vez, se conseguiram detenções, acusações e julgamentos dentro dos prazos legais. Sem que os detidos tivessem de ser libertados por excesso do prazo de prisão preventiva.Pode dar exemplos? Na diretoria do Porto, por exemplo, houve várias investigações em que isso aconteceu. No passado, nunca tinha sucedido.Hoje quando as denúncias deste tipo de crimes chegam à PJ começam logo a ser investigados e não vão para uma “fila de espera” como no passado.Mas permita-me dizer o seguinte: muitos dos que acusam o sistema de falta de celeridade deviam responder a uma pergunta simples: quando tiveram capacidade política para afetar meios ao Ministério Público e à PJ, o que fizeram? Porque parece, às vezes, que só nos davam recursos para investigar determinados tipos de criminalidade..Em vários momentos da história do país, houve decisões — ou indecisões — que afetaram diretamente a nossa capacidade de resposta nesta esfera. Estamos a pagar por erros crassos cometidos no passado.. Em vários momentos da história do país, houve decisões — ou indecisões — que afetaram diretamente a nossa capacidade de resposta nesta esfera. Estamos a pagar por erros crassos cometidos no passado. Não é a PJ que decide os meios que tem, nem o Ministério Público. Isso resultou de opções políticas.Mas conseguem medir as pendências, ou seja, o número de inquéritos em atraso e a evolução das acusações?No passado recente, o DCIAP e as procuradorias regionais do MP fizeram um mapeamento identificando os inquéritos prioritários — quer em razão das matérias, quer da antiguidade. Estou em condições de afirmar que, desse conjunto, dois terços já estão resolvidos. .Diretor nacional da PJ: contra factos não há argumentos. Cinco pontos sobre a audição de Luís Neves. E os atrasos nas perícias informáticas e digitais, que eram um grande problema?Esse era, de facto, um ponto crítico. Íamos fazer buscas a escritórios, bancos, autarquias, empresas e regressávamos com quantidades enormes de informação digital: computadores, discos, telemóveis, pendrives — um verdadeiro “camião de papel” em formato digital..Quando iniciámos funções em 2018, tínhamos 15 elementos em todo o país dedicados a este tipo de perícias — alguns eram assistentes operacionais que ajudavam por curiosidade e dedicação. Hoje temos quase uma centena de quadros nesta área.. Quando iniciámos funções em 2018, tínhamos 15 elementos em todo o país dedicados a este tipo de perícias — alguns eram assistentes operacionais que ajudavam por curiosidade e dedicação.Hoje temos quase uma centena de quadros nesta área. Fizemos uma aposta com muito sacrifício — deixámos de comprar outras bens igualmente essenciais para investir em software e hardware e formação.A PJ realiza, em média, 2622 perícias digitais por ano. Com o apoio do Laboratório Digital Forense, 78% das perícias recebidas em 2025 já se encontram concluídas, algo que nunca tinha acontecido. Este marco é histórico. Nada será como dantes. Há um ano inaugurámos o Laboratório de Perícias Tecnológicas e Informáticas, que é de altíssimo nível e comparável aos melhores dos nossos congéneres europeus. A Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) tem hoje quase o dobro dos elementos que tinha quando cheguei. Mas é preciso perceber que, neste tipo de criminalidade, o conhecimento e a experiência são essenciais. Ninguém chega hoje e amanhã domina matérias como direito urbanístico, branqueamento de capitais, offshores, contratação pública, direito bancário, isto entre outras. Isso exige tempo e estabilidade permanência na mesma área. No passado, por falta de recursos humanos, houve grande rotatividade de funcionários na UNCC. E isso não é desejável: investigações complexas, com muitos volumes e factos, não podem depender de inspetores em permanente rotação. Só agora estamos a atingir um patamar de estabilidade que nos permite trabalhar com consistência e os resultados certamente aparecerão. . Ou seja, estabilizar as equipas era fundamental. Sente que essa nova dinâmica, com mais meios e especialização, já está a funcionar como um fator de prevenção ou dissuasão da corrupção?Espero que sim. Espero que esta capacidade reforçada também produza um efeito de prevenção geral na sociedade — que as pessoas olhem para os casos e percebam as consequências.Infelizmente, muitos processos chegam a julgamento anos depois de os crimes terem sido cometidos, e isso tem efeitos negativos no desfecho que todos desejaríamos.Quando os casos chegam ao tribunal as testemunhas já não se lembram de tudo, o ânimo das pessoas é outro..Veja: nós temos de investigar a corrupção como investigamos um homicídio. Num homicídio, a investigação começa quando a PJ tem conhecimento dos factos e vai ao local onde o crime ocorreu. Na corrupção deveria ser igual.. Veja: nós temos de investigar a corrupção como investigamos um homicídio. Num homicídio, a investigação começa quando a PJ tem conhecimento dos factos e vai ao local onde o crime ocorreu. Na corrupção deveria ser igual.Na polícia, há uma expressão antiga: “não se investigam sapatos de defunto” — porque já é tarde, já não há nada a fazer. .80 anos. A Polícia Judiciária contada pelas páginas do DN desde a ditadura ao “verão quente” . É o mesmo com certos crimes económicos. Se só começarmos a investigar anos depois, muitos elementos já desapareceram: telemóveis, computadores, documentos, prova testemunhal…Por isso, tem de haver fixação de prioridades. Ou seja, não deixar as coisas arrastarem-se.Exatamente. E garantir que aquilo que chega de novo é acompanhado em tempo útil, como qualquer investigação deve ser. É esse o nosso foco.E em relação aos crimes de ódio, que resultados alcançou a PJ uma vez que está sempre a referi-los como prioritários?Trata-se de um fenómeno particularmente grave e preocupantemente crescente, sobretudo nas camadas mais jovens. Temos vindo a assistir nos meios digitais à difusão de propaganda assente na manipulação, nas fake news, de mensagens de ódio que visam a diversidade do ser humano, fenómeno que estamos a combater.Sete anos depois de ter tomado posse, está satisfeito com o percurso feito ou há coisas que gostava de ver acontecer mais depressa?Um diretor nacional e a sua equipa devem preocupar-se sobretudo com a gestão da instituição, com a afetação de meios e as relações internas e externas. Gostava que as coisas avançassem mais depressa..De 2018 até ao final de 2024 o crescimento da carreira de investigação aumentou 62%! Passámos de 1223 profissionais para 1987. Entraram quase 800 novos investigadores em seis anos.. Mas posso dizer que estou feliz com o percurso da PJ. De 2018 até ao final de 2024 o crescimento da carreira de investigação aumentou 62%! Passámos de 1223 profissionais para 1987. Entraram quase 800 novos investigadores em seis anos.Temos mais pessoas em todas as áreas: mais inspetores, mais peritos científicos, mais técnicos, mais seguranças, porque todos dependemos uns dos outros. Recrutámos gente jovem, de grande qualidade, e temos o desafio de passar-lhes a experiência institucional dos mais antigos — algo que só se aprende no dia a dia.E esse contacto entre gerações? A nova geração está disposta ao mesmo tipo de entrega e sacrifício que a antiga?Essa é uma questão e debate mundial na gestão das polícias, tema para o qual estamos apostados em encontrar soluções. Como tirar o melhor dos profissionais que, legitimamente, querem também estudar, treinar e ter tempo para a sua vida pessoal..Antigamente, os polícias viviam a instituição como um sacerdócio — dormiam, almoçavam e jantavam na PJ. Hoje as coisas são diferentes, e ainda bem. É positivo que assim seja.Sim, mas esta nova geração tem de trazer também outras vantagens e qualidades. Consegue identificar nelas características importantes para o trabalho da PJ?.São mais arejados, mais abertos, com outros estilos e mentalidades. Os mais antigos não eram assim. Esta geração é muito mais próxima do digital, o que facilita imenso o trabalho e a adaptação. É muito motivador ver a simbiose entre a experiência dos mais antigos e a energia dos mais novos.. São mais arejados, mais abertos, com outros estilos e mentalidades. Os mais antigos não eram assim. Esta geração é muito mais próxima do digital, o que facilita imenso o trabalho e a adaptação. É muito motivador ver a simbiose entre a experiência dos mais antigos e a energia dos mais novos.E o que é que motiva, no fundo, esta nova geração?Motivam-se com o espírito de missão que é ser PJ. Ser PJ é procurar resultados, apoiar as vítimas, estar do lado certo das coisas, é contribuir para a realização da Justiça.É uma questão de espírito de missão, de contribuir com o seu esforço para termos um país melhor. É ter compromisso com os valores da instituição.Temos também muitos jovens inspetores, sobretudo na área do cibercrime, e outros, com notas altíssimas em universidades muito prestigiadas. Colocam-nos questões, desafiam-nos, querem melhorar.Recentemente, a PJ foi distinguida pela primeira vez com um prémio de excelência da Europol. Concorríamos com dois projetos em áreas diferentes e ganhámos um deles — relacionado com o combate à pornografia infantil, que está a ser replicado noutros países europeus. Isso é muito motivador. Mostra a garra dos mais novos e a força da equipa.Temos também excelentes especialistas de polícia científica, nas áreas do ciber, do digital e da informática. É uma área onde existe um problema mundial, debatido entre os nossos congéneres: a dificuldade de reter talento.Por causa da concorrência do setor privado, certo?Sim, exatamente. Pela nossa limitada capacidade de retenção. Felizmente, nos últimos tempos, conseguimos resolver parte das questões salariais da instituição, o que nos confere maior potencial quanto à retenção destes profissionais.. E esse foi também um dos momentos marcantes dos últimos anos?Sem dúvida. Tivemos uma lei orgânica em 2008 que nos deixou em perda — perda de cargos de liderança, de chefia e de rendimentos. Durante anos, o poder político prometeu repor os salários e não o fez.Pouca gente sabe, mas há décadas os vencimentos da PJ estavam indexados aos dos magistrados. De um dia para o outro, disseram-nos que passávamos a ter uma carreira distinta, sem essa indexação e que iriam encontrar uma solução para repor o justo valor dos nossos salários.Desde então, até à aprovação em 2023 do Suplemento de Missão da Polícia Judiciária, perdemos 38% do poder de compra. E nunca ninguém disse isso publicamente. Só olhavam para o facto novo, mas esqueciam-se do essencial: a perda real que os nossos profissionais sofreram.Ninguém dizia também que, nos concursos da PJ, apenas entre 4% e 6% dos candidatos são admitidos. Que há oito provas eliminatórias. Que esta é uma carreira de risco para toda a vida — não é um risco momentâneo. Nós prendemos, buscamos, confrontamos os suspeitos uma, duas, três, quatro vezes, vamos aos julgamentos. Lidamos com traficantes de droga, de armas, de seres humanos, homicidas. São pessoas que se fixam em nós.É uma disponibilidade permanente e total. Trabalho altamente penoso..Esse suplemento veio finalmente restituir o respeito aos trabalhadores da instituição — juntamente com o reforço de pessoal e a renovação das instalações.. Esse suplemento veio finalmente restituir o respeito aos trabalhadores da instituição — juntamente com o reforço de pessoal e a renovação das instalações.A PJ não tem problemas em atrair candidatos. Conseguem sempre ultrapassar o número de vagas, certo?Exatamente. Apenas 4% a 6% dos candidatos é que entram — o que mostra a exigência do processo e a atratividade da PJ.Na semana passada ficámos a saber que os inspetores da PJ vão ter de continuar nos aeroportos em apoio da PSP, criando uma situação inesperada até para os próprios, segundo o sindicato. A direção da PJ não foi informada a tempo de avisar os seus inspetores? O que este atraso vai implicar na vossa organização?Como sempre a PJ e os seus profissionais estarão sempre do lado da solução e na defesa dos superiores interesses do país. Seguramente serão encontradas soluções que permitam compatibilizar estes interesses com os interesses pessoais da nossa gente. Estamos todos genuinamente empenhados em, uma vez mais, prestarmos o nosso contributo ao País. Esta herança do SEF, também pelo facto de terem ficado com a exclusividade da investigação dos crimes relacionados com tráfico de seres humanos e imigração ilegal, tem tido impacto nas investigações da PJ? Pode dizer se há mais resultados neste aspeto?Recebemos mais de 1000 inquéritos do SEF, muitos deles literalmente parados, por falta de meios humanos que à data eram conhecidos no SEF razão pela qual nos encontramos numa fase de reajustamento interno.. É um facto que o diretor nacional da Polícia Judiciária é hoje uma figura pública, reconhecida e interventiva. Já teve momentos marcantes, como a intervenção na conferência dos 160 anos do Diário de Notícias, e também posições firmes sobre direitos humanos e imigração, incluindo na Assembleia da República. Acha que essa visibilidade faz com que as pessoas vejam a PJ de outra forma? É algo intencional da sua parte?O que aqui importa é que estive sempre na primeira linha a defender os superiores interesses da Polícia Judiciária e a nossa missão é em primeira linha defesa dos direitos humanos..Já o disse e repito: não prescindo dos meus direitos de cidadania, nem de dizer o que penso, nas esferas e nos temas que considero relevantes.. Faço-o enquanto diretor nacional, mas também enquanto cidadão. Já o disse e repito: não prescindo dos meus direitos de cidadania, nem de dizer o que penso, nas esferas e nos temas que considero relevantes. Esclarecer os cidadãos com dados objetivos e claros faz parte da esfera de ação da PJ. É o que fazemos quando enfatizamos a problemática dos crimes de ódio..(Veja o vídeo) Como o diretor da PJ desconstruiu a "desinformação" sobre crimes cometidos por estrangeiros . Talvez seja o dirigente do Estado que há mais tempo acompanha estas temáticas. Trabalhei 23 anos e meio na Unidade Nacional Contra o Terrorismo, na antiga DCCB, onde se tratavam estas matérias — e quase 12 desses anos foram já como dirigente, dessa unidade..Esclarecer os cidadãos com dados objetivos e claros faz parte da esfera de ação da PJ. É o que fazemos quando enfatizamos a problemática dos crimes de ódio.. Ao longo desse tempo, formei pensamento estruturado sobre estas questões. Acompanhei, por exemplo, os momentos trágicos de 2007, 2008, 2009, 2010 — que muitos esqueceram —, quando entraram em vigor, de forma súbita, as alterações ao Código de Processo Penal de 15 de setembro de 2007, decorrentes do processo Casa Pia. Essas mudanças levaram à libertação de milhares de indivíduos, muitos deles ligados ao crime violento.Foi um pico de criminalidade, entre 2008 e 2010 e mesmo nos anos seguintes que levaram muito tempo a debelar e a estabilizar. Foram tempos muito desafiadores para as polícias...Sim, foi um período dramático. O crime violento disparou e só depois começou a baixar progressivamente. Eu nunca desvalorizei isso — e quero sublinhar que não estou despreocupado com os números. Antes pelo contrário. Enquanto houver crimes, há um problema. Enquanto houver um fenómeno em crescimento, é um problema de todos, e a Polícia Judiciária não foge à sua responsabilidade de contribuir para o resolver.Mas as avaliações devem ser feitas com objetividade, não com irracionalidade. Foi isso que procurei fazer. Sempre que sentir que a minha opinião pode ser escutada e contribuir para a reflexão coletiva, eu falo e intervenho.Foi o que aconteceu nos 160 anos do Diário de Notícias. Quando fui convidado para aquele evento, não estava de modo algum planeado que tivesse aquele momento, que depois foi considerado marcante. Naquele dia , naquele momento não tive qualquer intenção de provocar fosse o que fosse, quis contribuir para o debate, apenas isso.Mas por que sentiu necessidade de dizer aquilo naquele momento específico? Porque senti que havia um foco demasiado extremado em determinados discursos, e isso liga-se também aos crimes de ódio de que falei há pouco.Nas redes sociais há hoje uma violência verbal tremenda, uma violência contra todas as formas de diversidade humana: de género, de raça, de religião, de opinião política. Vemos assomos de masculinidade tóxica que perseguem mulheres só por serem mulheres; ataques raciais, religiosos, ideológicos. Isso está a crescer e a transbordar para a violência quotidiana, individual e coletiva. E essa violência leva ao cometimento de crimes sérios, com mais violência na ação, com mais facas a serem utilizadas por vezes por membros da comunidade muito jovens. Ora, como diretor nacional, e tendo informação sustentada, tinha a obrigação de partilhar essa análise. Agradeço até ao Parlamento por me ter conferido a oportunidade de apresentar informação estruturada, que desmentiu muita manipulação e distorção que circulava com objetivos próprios.Enquanto cidadão — e porque tenho esta visibilidade e um passado que fala por mim —, senti a obrigação de dar o meu contributo.Falou-se, na altura, da importância da questão das nacionalidades. E eu disse: a polícia já tem essa informação toda. Quando — e se — for politicamente determinado, no quadro legal e de proteção de dados adequado, essa informação pode e deve ser utilizada.. E considera importante que essa informação seja conhecida e usada de forma transparente?Acho que é importante, sim.Para esclarecer e desmontar o que for possível, certo?Exatamente. Eu respondo isso de forma muito simples: quanto maior for a transparência na partilha de informação, melhor. .O cidadão precisa de dados concretos para formar a sua própria opinião — essa é a questão essencial.. O cidadão precisa de dados concretos para formar a sua própria opinião — essa é a questão essencial.Concorda, portanto, com essa divulgação?Sim, concordo. Mas há aqui duas dimensões. Para fazermos uma análise séria sobre a questão migratória — se aporta mais ou menos criminalidade — temos de saber exatamente quem está em causa. Se a pessoa que cometeu um crime é um estrangeiro que vive cá legalmente, que pediu autorização para residir, e, portanto, é imigrante; ou se é alguém apenas de passagem, que usa o território sem intenção de se fixar, mas apenas para aqui cometer crimes.E a PJ consegue hoje fazer essa distinção?É possível darmos esse contributo.Mas estão a trabalhar nesse sentido?Estamos, sim. A Polícia Judiciária espera, em breve, ter o seu sistema de gestão de informação criminal com um upgrade muito significativo. Estamos a acrescentar campos que nos permitirão fazer esse tipo de análise com precisão.Mas a decisão de recolher dados apenas por nacionalidade — como foi pedida para o RASI — não distingue imigrantes de estrangeiros temporários.Tem razão, o RASI não faz essa distinção. Mas, do ponto de vista técnico, é possível fazê-lo. A PJ está perfeitamente capacitada para responder a qualquer desafio que lhe seja colocado nesse domínio.E, com base na informação que têm, mantém o que disse sobre a relação entre imigração e criminalidade? Houve alguma evolução desde então?Estive convosco em janeiro nos 160 anos do DN e depois na Assembleia da República, em abril. Na altura, partilhei centenas de dados e quadros com o Parlamento — que ficaram anexados à minha intervenção e à ata da audição. Esses dados correspondiam ao período em curso até então. Neste momento ainda não temos outros dados consolidados.Repetiria essa intervenção?Sem dúvida. A minha intervenção foi totalmente destituída de qualquer objetivo específico. Baseou-se em dados concretos, objetivos e reais. E do ponto de vista da investigação criminal, é possível combater a desinformação de forma mais eficaz? A PJ tem alguém a trabalhar especificamente nessa área?.Digo sempre isto: só com objetividade e rigor se pode combater a desinformação. E só com uma comunicação social séria, escrutinada e independente — como é o caso do Diário de Notícias — é possível separar o que é verdade do que é manipulação e mentira.. Acompanhamos essa temática com atenção. Digo sempre isto: só com objetividade e rigor se pode combater a desinformação. E só com uma comunicação social séria, escrutinada e independente — como é o caso do Diário de Notícias — é possível separar o que é verdade do que é manipulação e mentira.Por isso, informação atempada, verificada e responsável é a base de qualquer combate à desinformação.Que crimes do futuro mais o preocupam — e como é que a PJ se está a preparar para eles?Os crimes do futuro já estão aí. São sobretudo os que resultam da utilização cada vez mais intensa do meio digital pelos criminosos, sempre um passo à frente, sempre com inovação tecnológica. O crescimento exponencial na área do cyber exige muita atenção.Quando falamos em cibercrime, não estamos apenas a falar das burlas em massa que todos conhecem. Falamos também de ataques a infraestruturas críticas, da captura de bases de dados sensíveis dos países. É por aí que podem surgir as novas formas de guerra — a ciberguerra. Estamos a falar, portanto, não só de atividades criminosas com fins lucrativos, mas também de ações promovidas por atores estatais ou blocos organizados.Mas deixe-me dizer que estamos particularmente preocupados com todas as formas de crime organizado tentacular e com o crime violento.. E quanto à violência física direta? É que, apesar do avanço do crime digital, continuam a acontecer crimes muito violentos — na semana passada tivemos vários homicídios na zona de Lisboa. Como lê esta tendência?Infelizmente, penso que a violência física vai continuar. E preocupa-me especialmente o facto de estar a surgir cada vez mais entre os jovens. Essa violência tem muitas vezes origem, precisamente, na exposição à violência nos meios digitais, como já referi.Os jogos violentos, o isolamento, a ideia de que todos são inimigos — tudo isso contribui. .Temos tido vários casos de jovens radicalizados, quase todos investigados na área dos extremismos, em fases muito precoces da prática de crimes graves.. Temos tido vários casos de jovens radicalizados, quase todos investigados na área dos extremismos, em fases muito precoces da prática de crimes graves.Não podemos esquecer um caso recente: um cidadão português, jovem, do norte do país, preso por nós há pouco tempo, que esteve na origem da radicalização de jovens no Brasil — jovens que depois cometeram homicídios em escolas, tiroteios (mass shootings), abusos sexuais e mutilações de raparigas de 10, 12, 14 anos, tudo difundido em imagens pela internet. É uma espiral de violência que se alimenta do isolamento e da desumanização.E tem havido cada vez mais jovens detidos — muitos com 16, 17, 18 ou 19 anos — não só por crimes digitais, mas também por violação, agressão ou roubo violento. Está a confirmar-se essa tendência de os jovens serem mais violentos?Sim, é uma tendência que se está a agravar — e não é exclusiva de Portugal. É transversal ao mundo ocidental. Há mesmo um projeto em discussão na Europol sobre o uso deliberado de jovens inimputáveis por parte de organizações criminosas, para a prática de crimes graves.Há casos conhecidos na Europa em que menores de 16 anos cometem crimes extremamente violentos porque por lei não podem ser punidos.Mas essa utilização é um fenómeno novo? Isso não acontece já há algum tempo?É relativamente recente e está a piorar. Precisamos de encontrar soluções para enfrentar este fenómeno. Noutra vertente, entra uma questão fundamental que passa pelo primeiro pilar da Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo.Esse pilar aplica-se a todas as formas de extremismo e violência politicamente motivada, e é essencialmente preventivo. As pessoas associam “terrorismo” a bombas e massacres — muitas vezes à vertente mais grave -jihadista —, mas há outras formas de extremismo, de naturezas diversas, que têm de ser tratadas de forma multidisciplinar.Não é a polícia que tem de resolver tudo. A polícia é a último ratio. Quando um caso chega às polícias é porque tudo o resto falhou: a escola, a saúde, a família, o apoio social.Por isso, a pergunta que devemos fazer é: o que está a falhar na deteção precoce destes comportamentos desviantes? Ainda vamos a tempo de corrigir muitos deles com acompanhamento médico, psicológico, social e integração. Esta violência começa muitas vezes na família e nas escolas, e no meio social é aí — e não só na repressão — que temos de atuar primeiro.. Essa deteção precoce está a falhar, não é?Se concluímos que há cada vez mais jovens a cometer crimes — e, entre eles, crimes violentos —, se há mais agressividade e mais uso de armas brancas, isso significa que a sociedade está a falhar na deteção precoce e na capacidade de encontrar soluções.O suspeito do homicídio de Cascais, por exemplo, tinha 23 anos.Sim, 23 anos.E sem antecedentes crimnais.Sem antecedentes, exatamente. No dia em que esta entrevista for publicada, começa o julgamento do homicídio de Odair Moniz, um caso que como repercussões que alarmaram o país. O que é que retira dessa investigação — o que deve e o que não deve repetir-se?Falo pela Polícia Judiciária: fizemos o nosso trabalho, investigámos, e agora é o tempo da Justiça e dos tribunais. São eles que decidem e avaliam as provas produzidas sobre o que aconteceu naquele dia fatídico. Uma parte da investigação, relacionada com a alegada falsificação do auto de notícia, acabou arquivada. Esse episódio preocupa-o — sobretudo pela forma como o caso foi inicialmente comunicado, gerando depois tumultos?Da parte da PJ, o que peço sempre — e repito-o a todos os novos inspetores que recebo — é legalidade, verdade e justiça. Os processos são o que são, mas têm de ser conduzidos com honestidade e seriedade.No dia em que isso falhar, o cidadão perde a confiança nas instituições. E a confiança dos cidadãos é o maior património que uma polícia pode ter. .A verdade tem de imperar em qualquer investigação.. O trabalho quotidiano da PJ tem que ter sempre presente o respeito pela lei e pelas pessoas — sejam suspeitos ou vítimas, independentemente de quem sejam. A verdade tem de imperar em qualquer investigação.Até porque é isso que legitima a vossa ação — e o uso da força.Exatamente. Se o cidadão não confia na polícia, confia em quem?Procuramos construir diariamente um património de respeito e confiança..Quando vamos para a rua, precisamos que o cidadão colabore, confie, fale connosco, não tenha medo de interagir nem de prestar informações.. Quando vamos para a rua, precisamos que o cidadão colabore, confie, fale connosco, não tenha medo de interagir nem de prestar informações. Queremos uma instituição adulta, assente na verdade e na seriedade, sem desvirtuar a realidade dos factos.. E os inspetores sentem essa confiança da população? Mais do que antes?Penso que essa confiança nunca foi quebrada. Sentimos carinho, respeito e admiração por parte das pessoas no cumprimento da nossa missão.Em relação à averiguação preventiva ao primeiro-ministro. Quando se fala nestas averiguações — sobretudo quando se arrastam no tempo —, isso é sinal de uma democracia saudável, com escrutínio entre poderes, ou pode tornar-se uma forma de pressão da Justiça sobre o poder político?Os poderes estão distribuídos por diferentes pilares e devem respeitar-se mutuamente. Já devia estar concluída?O senhor Procurador-Geral da República já respondeu a essa questão, e revejo-me plenamente no que foi dito.Mas ainda não está concluída.Não, é público que ainda não está concluída. No dia em que houver uma decisão sobre esse instrumento jurídico, todos saberão.No passado fim de semana a PSP fez a maior apreensão de sempre de droga em território nacional e, segundo o Público, não informou a PJ que assim o obriga nestes casos. Qual é a sua interpretação?Essas questões resolvem em sede própria e nunca publicamente.Posso garantir que estamos, como sempre, muito empenhados no combate ao tráfico de estupefacientes, sobretudo na vertente internacional, com grandes resultados. .Somos, de facto, o contrapeso dos grandes grupos criminosos organizados e de ações criminais de dimensão global.. Somos, de facto, o contrapeso dos grandes grupos criminosos organizados e de ações criminais de dimensão global.Desde os anos 80 que fazemos esse trabalho, com resultados amplamente reconhecidos. E é com orgulho que digo que foi nesse período, sobretudo na área do tráfico marítimo, que fortalecemos as relações com as Forças Armadas — nomeadamente com a Marinha Portuguesa e a Força Aérea —, a quem deixo uma nota de profundo reconhecimento e agradecimento.Temos décadas de combate, com equipas muito experientes e uma forte componente de cooperação policial internacional, tanto multilateral como bilateral. Há coisas que só se fazem com base na confiança — e o fator humano, entre os nossos profissionais e os de outros países, é essencial.Portugal, através da Polícia Judiciária e de outros parceiros, tem contribuído de forma decisiva para enfrentar este fenómeno que, hoje, é talvez a principal ameaça à Europa. Grande parte da criminalidade violenta tem raízes no tráfico de droga: homicídios, raptos, extorsões, e até problemas políticos.Basta ver os casos da Bélgica e da Holanda, onde a chamada “macro-máfia” se instalou há décadas, criando sérias dificuldades às autoridades. Ou a Suécia, antes considerada modelo de segurança e paz social, e que hoje enfrenta uma crise profunda provocada pelo tráfico de droga.Temos à porta em Portugal uma situação semelhante à dos países mais afetados pela criminalidade associada ao tráfico de droga?Não, não estamos à porta de situações dessas — mas estamos preocupados. .Temos vindo a reforçar, quer em meios humanos, quer na eficácia da cooperação policial internacional, quer na proatividade. Deixámos de andar atrás do prejuízo.. Temos vindo a reforçar, quer em meios humanos, quer na eficácia da cooperação policial internacional, quer na proatividade. Deixámos de andar atrás do prejuízo.Em todas as áreas, os inquéritos são apenas um instrumento de trabalho. O momento anterior à investigação criminal é determinante: passa pela proatividade, pela antecipação, pelo conhecimento das redes e dos alvos de alto valor, pela partilha de informação atualizada, tanto a nível internacional como interno. Essa cooperação é fundamental para o combate a qualquer forma de crime.Tem aumentado a pressão do tráfico proveniente da América Latina através da entrada nos portos portugueses. Até que ponto essa ameaça pode transformar o modo de vida em Portugal?Portugal está inserido no espaço europeu. Quando falamos de tráfico de estupefacientes, falamos de um fenómeno que atravessa esse espaço comum. Atrás da droga vem todo o crime violento, o branqueamento de capitais, a corrupção — porque os valores envolvidos são astronómicos.Esta é uma preocupação constante. A anterior política criminal já deixou de tratar o tráfico apenas como uma matéria de prevenção — passou também para a esfera da repressão. Isso exige de nós uma atenção redobrada: antecipar, tratar e difundir informação, cooperar internamente e a nível internacional, e utilizar meios naturalmente intrusivos, próprios desta área de atuação.Sentem-se apoiados pelas entidades que também devem contribuir para a prevenção — nomeadamente nos portos, em termos de controlo de funcionários e de combate à corrupção?Temos esse apoio, sim em toda a estrutura a começar pela sua diretora geral, Helena Borges. A Autoridade Tibutária presta-nos um apoio muito sério e efetivo e queria aproveitar a oportunidade para registar, agradecer e felicitar todos aqueles que exercem funções difíceis nessa área das alfândegas pela excelente missão que cumprem. O plano europeu de alianças dos portos, que visa reforçar a cooperação, está atrasado, certo?Ainda está atrasado, sim. Mas representa um grande avanço, porque vai permitir que todos trabalhem de forma harmonizada, com modelos comuns. Na Europa Central há portos de águas profundas, sobretudo na Holanda e na Bélgica, que são hoje os mais pressionados.Portugal tem quatro portos de águas profundas — Sines, Setúbal, Lisboa e Leixões...Exatamente. E é impossível fugir à globalização. Todos os dias, milhões de contentores circulam entre territórios e continentes. Há uma necessidade de celeridade nesses transportes — muitas das mercadorias são perecíveis, e a rapidez é vital para a economia.Temos de compatibilizar esses dois planos: a economia e o comércio internacional, de um lado; e a deteção de quantidades astronómicas de droga, do outro. Daí a importância da partilha de informação e do trabalho conjunto.As alfândegas são estruturas essenciais na deteção e sinalização, e a troca de informação connosco tem de ser atempada. Nos últimos anos, a Europol passou a realizar, em paralelo com a reunião anual dos chefes de polícia, um encontro dos chefes das alfândegas — precisamente porque o comércio internacional é usado por redes criminosas não só para o tráfico de droga, mas também para fraude fiscal, contrafação e contrabando.Este ano vamos voltar a bater um recorde de apreensões de cocaína? Ainda não temos essa informação consolidada.É que nos últimos anos isso tem acontecido com frequência — todos os anos há um novo recorde.Basta, às vezes, uma grande apreensão para mudar tudo. No fundo, quem manda são eles — os criminosos. Nós temos de estar no sítio certo, no dia e hora certos, para jogar o jogo com eles. Podemos fazer uma grande apreensão em dezembro ou logo no início do ano; o importante é a organização, a gestão dos meios e, sobretudo, a cooperação interna e internacional efetiva..E posso dar uma notícia que ainda não foi divulgada: um quadro nosso volta a estar à frente do MAOC — é um coordenador português que regressa a essa função.. A Polícia Judiciária está hoje num patamar elevadíssimo de confiança. E posso dar uma notícia que ainda não foi divulgada: um quadro nosso volta a estar à frente do MAOC — é um coordenador português que regressa a essa função. É o mesmo que foi representante da União Europeia no combate ao tráfico de pessoas e que esteve colocado na Colômbia. É um reconhecimento do trabalho da PJ e da qualidade dos seus profissionais.Para terminar: quando deixar o cargo, em 2027 — se não continuar —, o que gostaria de deixar à instituição?Gostaria de deixar uma polícia dos direitos humanos, em que cada pessoa saiba que o seu trabalho deve respeitar a lei e as pessoas com quem interage. Uma instituição que funcione com verdade, com meios adequados, e que esteja organizada para o futuro. Uma instituição de base científica, que seja profissional e atue sempre com rigor e com elevados padrões éticos.Temos feito um percurso relevante, mas ainda estamos numa fase intermédia. O meu objetivo é deixar uma PJ sólida, com recursos para continuar a servir a Justiça e o país, e que seja uma instituição de relevo, também no plano internacional, contribuindo com rigor, profissionalismo e dedicação para uma sociedade mais justa. Esse é o meu único propósito.E acredita que teremos uma sociedade com menos discurso de ódio e menos violência?Acredito que temos de continuar a lutar todos os dias para a construir.