Maior mobilidade da população, concentração em espaços interiores, a chegada do outono/inverno e o consequente tempo frio, bem como o início do ano letivo vão levar ao aumento de infeções por SARS-CoV-2. "É natural e expectável", afirma ao DN Carlos Antunes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ainda é cedo, no entanto, para fazer projeções para a estação que se aproxima, mas "a evolução recente indica o fim de um período, o da diminuição" de infeções, aponta o matemático. "A evolução dos últimos dias sobre o número de casos diários estabilizou e subiu ligeiramente. Está agora na ordem dos 2700, em termos médios", refere..O país encontra-se numa fase de "relativa estabilidade", diz o pneumologista Filipe Froes, havendo uma situação "muito mais controlada", face aos anos anteriores. Há, contudo, uma tendência crescente de aumento de infeções, verificando-se uma subida ligeira do índice de transmissibilidade, que regista agora 1,02. "O R(t) apresentou um valor acima de 1 a nível nacional e na maioria das regiões, o que indica uma tendência crescente de novos casos", refere o boletim epidemiológico semanal da DGS, divulgado na sexta-feira..O valor deste indicador subiu em todas as regiões, com os Açores a ter o maior aumento com um R(t) de 1,26. É de esperar que outras regiões sigam este exemplo, diz Carlos Antunes, tendo em conta que este vírus "tem uma certa sazonalidade", sendo "natural que persista mais durante algum tempo no meio ambiente" com a descida das temperaturas. Isto numa altura em que se começa a registar uma mudança de comportamento, com uma maior mobilização das pessoas em espaços interiores, o que "é propício e vantajoso para o vírus aumentar a sua transmissão"..Carlos Antunes não acredita que a subida de casos terá a mesma dimensão da do ano passado. "A imunidade populacional é maior face ao que tínhamos em 2021. A cobertura e a proteção vacinal é maior", justifica. E, apesar da transmissibilidade da subvariante BA.5, que predomina em Portugal (94% dos casos), "provavelmente teremos uma onda muito menor do que tivemos em 2021"..Covid-19: Portugal vai receber cerca de 600 mil vacinas adaptadas na próxima semana.Sendo certo que vamos ter um novo aumento de infeções, é necessário estar de olhos postos no impacto da doença, defende o pneumologista Filipe Froes. "A evolução progressiva do SARS-CoV-2 ao longo deste período pandémico permite-nos não valorizar a incidência como já o fizemos no início, porque havia uma relação direta entre a incidência e a gravidade. Agora focamo-nos, sobretudo, na gravidade", explica. Esse deve ser "o grande objetivo" nesta "fase de transição", considera o ex-coordenador do gabinete de crise para a covid-19 da Ordem dos Médicos.."O que temos de monitorizar não é só o aumento de casos, mas a gravidade em termos de internamentos, em especial ao nível dos cuidados intensivos e mortalidade", destaca. Mas não só. "Temos de continuar a monitorizar com muita precisão as evoluções deste vírus". Até porque, afirma, "estamos a lidar com um vírus respiratório, que mantém as características de um camaleão". "Está sempre em evolução constante", nota..Existe, atualmente, domínio de circulação da BA.5, mas não se sabe quais as variantes ou subvariantes do SARS-CoV-2 que vão surgir. "Uma coisa é certa: elas vão existir", avisa Froes. "É inevitável"..E diz mais: "O vírus vai continuar a evoluir e a apresentar mutações. Faz parte da sua natureza". Portugal pode mesmo ser a porta de entrada para uma nova variante, segundo o pneumologista. A culpa é da prevalência da atual subvariante.."Como vai mais adiantado do que outros países em relação à circulação da BA.5, Portugal pode ser uma das portas de entrada na região europeia para uma nova variante ou subvariante, nomeadamente vindas do continente asiático ou do continente africano e beneficiando da elevada saturação da população portuguesa para a subvariante em curso", explica o também consultor da DGS..Esta linhagem da Ómicron, muito transmissível, representa 94% dos novos casos, um valor que vai, no entanto, começar, progressivamente, a diminuir, acabando por ser substituída por outra, refere Froes. "Se, com a circulação global que há, existir alguém que traga uma nova subvariante pode encontrar em Portugal um terreno propício, na medida em que há uma elevada saturação da BA.5, que faz com que ela vá decrescendo, progressivamente, criando condições para o aparecimento" de novas linhagens..O cenário mais provável será o de uma variante "de maior transmissibilidade, não necessariamente associada a maior gravidade"..Para Filipe Froes, é necessário continuar a manter "uma elevada monitorização, vigilância epidemiológica clínica e laboratorial da situação que está a acontecer para, diariamente, irmo-nos ajustando à nova realidade"..Apesar de não existir ainda o conhecimento suficiente para ter uma maior capacidade de prever o futuro deste vírus, estamos mais preparados, diz. "De 2020 para agora, vemos que indiscutivelmente os níveis estão mais estáveis, a situação está muito mais controlada e está a acontecer já algum grau de previsibilidade", afirma..Para já, é expectável um novo aumento de contágios e o início do ano letivo vai potenciar este crescimento. "As aulas são sempre um fator determinante, quer no aumento de casos quer na diminuição", sublinha Carlos Antunes, que recorda o que se verificou quando, em maio/junho, terminaram as aulas . "A diminuição de casos foi determinante graças a esse factor. Muito mais preponderante foi o fator das aulas do que propriamente a existência de eventos ou festas populares", analisa o matemático, da equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que desde o início da pandemia faz a modelação da evolução da covid-19..Trata-se de um grupo populacional [os alunos] que convive em grande número e em espaços fechados, portanto, um potencial transmissor do vírus, refere, "apesar do dano para esta população ser reduzido, quase nulo"..É expectável um aumento de casos associado à proximidade do outono, que se pode traduzir, "numa primeira fase, em setembro, num aumento muito ligeiro" e poderá acentuar-se em outubro, "à medida que nos vamos aproximando das épocas mais frias"..Acresce ainda o facto desta população ter "uma taxa de vacinação inferior". Na faixa etária dos 5 aos 11 anos, por exemplo, a cobertura vacinal completa (duas doses) é inferior a 50%, de acordo com os dados do relatório semanal da Direção-Geral da Saúde (DGS)..Filipe Froes recomenda que as crianças que ainda não têm o esquema vacinal primário completo devem concluí-lo "para permitir não só uma maior proteção, mas, provavelmente, diminuir a circulação e a transmissão do vírus na comunidade, que também tem impacto noutros grupos etários e em termos sociais e económicos"..Com o índice de transmissibilidade a subir e o consequente aumento de casos, "podemos ter um outono/inverno com o SARS-CoV- 2 à semelhança do que temos com os outros vírus respiratórios, tendo em atenção que há mais desconhecimento deste vírus em relação aos outros e que temos maior capacidade de vigiar e de adaptar a nossa estratégia", prevê Froes..Estamos ainda na transição para uma "certa normalidade", em que a responsabilidade passa para o indivíduo, considera Carlos Antunes. "Estamos uma fase epidémico-endémica", analisa. "Em termos do dano do impacto é já endémica. Do ponto de vista da infeção ainda tem características epidémicas", explica.."Depende de nós o outono/inverno. Está nas nossas mãos", considera Filipe Froes. Tal como Carlos Antunes, o epidemiologista espera não ver Portugal passar novamente por uma nova grande vaga de covid-19, nem assistir a um regresso das restrições. Seria um "mau sinal". Significaria que "não tínhamos aprendido a importância da vigilância e das medidas de saúde públicas necessárias para combater a pandemia nesta fase final"..Só uma "situação excecional" poderia fazer regressar as medidas restritivas, mas não o confinamento, considera Carlos Antunes. É apologista, sim, de que se deve transitar já este inverno para uma fase de recomendação à população. E defende que se deve continuar a recomendar o uso da máscara..Aliás, Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, referiu ao Expresso que o Ministério da Saúde e a DGS deviam emitir um parecer técnico para explicar que as máscaras cirúrgicas "só devem ser usadas quando queremos proteger os outros, e que para proteção individual do portador têm de ser usadas máscaras FPP2.".Na próxima semana, Portugal irá receber cerca de 600 mil vacinas adaptadas à Ómicron, ministradas como dose de reforço, com o início da Campanha de Vacinação - em simultâneo para a covid-19 e gripe - marcada para quarta-feira (7 de setembro), de forma limitada, sendo depois o processo generalizado no dia seguinte. O objetivo principal é proteger as pessoas mais vulneráveis, começando com a população com mais de 80 anos. Para esta dose de reforço da covid-19 foram considerados como fazendo parte de grupos de risco as pessoas com 60 ou mais anos, residentes e profissionais de lares e unidades de cuidados continuados, pessoas com 12 ou mais anos com comorbilidades, grávidas com 18 ou mais anos com patologias e profissionais de Saúde. Prevê-se que a campanha de vacinação termine a 17 de dezembro, com capacidade de vacinar cerca de 280 mil pessoas por semana.