Ex-juiz negacionista é acusado de rapto do filho de 10 anos. A mãe está desesperada e o caso está em tribunal
O ex-juiz Rui Fonseca e Castro, conhecido por posições negacionistas e extremistas, é acusado de raptar o próprio filho, de 10 anos. A criança, que mora no Brasil com a mãe, estava a passar férias com o pai. No entanto, no dia combinado do regresso, 21 de janeiro, Rui Fonseca e Castro não levou a criança ao aeroporto para ir ter com a mãe e voltar para casa. Em comunicado, o ex-magistrado diz que está em curso uma “campanha de difamação”.
Ao DN, Erica Hecksher, mãe da criança, conta que recebeu no dia anterior uma mensagem do ex-marido a informar que o menino não voltaria ao Brasil e que entraria com um “processo de alteração do regime de exercício do poder parental, juntamente com um processo de promoção e proteção”. O ex-juiz, expulso da magistratura por ter cometido diversas infrações, informou ainda que as comunicações deveriam ser feitas “exclusivamente entre os advogados”.
Imediatamente, Erica Hecksher, efetuou uma queixa na Polícia de Segurança Pública (PSP) e contratou uma advogada, que deu de imediato entrada numa medida cautelar no Tribunal de Viana do Castelo. O DN teve acesso ao documento, assinado pela juíza Ana Paula da Cunha Barreiro. “O Ministério Público teve vista e configura a situação descrita um caso de rapto internacional de criança ao qual é aplicável o regime da Convenção de Haia de 1980, da qual são signatários Portugal e o Brasil”, escreve a juíza.
No entanto, Cunha Barreiro argumenta que “a competência para intervir na fase inicial, com o objetivo do regresso célere da criança ao Estado da sua residência habitual, pertence à autoridade administrativa, denominada Autoridade Central”, como consta na Convenção de Haia. O tribunal competente é a Autoridade Central, responsável por “introduzir ou favorecer a abertura de um procedimento judicial ou administrativo que vise o regresso da criança”.
O procedimento está em tramitação, com cooperação das autoridades brasileiras e portuguesas, mas sem previsão de término. Enquanto isso, a mãe está preocupada com a situação da criança, que manifesta vontade de não ficar com o pai.
“Ele quer ficar comigo”, alega a mãe
A advogada que cuida do caso está enviando uma média de três e-mails por dia para que o processo seja mais ágil e a mãe está preocupada com a demora para uma decisão. “Eu já fiz de tudo e está um jogo de empurra. O processo está tramitando, mas o meu filho quer vir para mim”, explica.
Esta tarde, a brasileira iria à PSP registar uma nova ocorrência, porque a criança relatou que o pai está violento. “Ontem à noite liguei para o meu filho, mas ele respondeu por escrito que não podia falar”, conta a brasileira. O DN teve acesso à conversa entre mãe e filho. A criança explica que o pai ficou irritado e “quase quebrou a película” do telemóvel. Em conversas com os irmãos e colegas da escola, a criança também relata que não quer ficar com o pai. “Ontem ele me perguntou baixinho se é amanhã que vou buscá-lo”, conta. “Estou enlouquecendo, mas tenho que ser forte por ele”, acrescenta.
Erica destaca ao DN que “nunca privou os filhos da convivência com o pai”, e que costuma viajar para Portugal duas vezes por ano. A viagem foi paga pelo ex-juiz. Vieram três pessoas: Erica Hecksher, o filho menor, agora em posse do pai, e o filho mais velho de 19 anos, que compareceu na data combinada no aeroporto e voltou para o Rio de Janeiro.
Sem o menor, a brasileira decidiu ficar em Portugal para recuperar a criança. No momento, está a viver em casa de uma amiga e, como não voltou ao Brasil no dia previsto, está sem trabalhar. A brasileira criou uma recolha de fundos online para poder viver durante os dias em que permanecerá em Portugal, enquanto espera para voltar a estar com o filho, e ainda para poder pagar a passagem de regresso ao Brasil.
Erica ainda afirma que teme pela criança, alegando que o ex-marido já foi violento com ela e com os três filhos, além de ser conhecido em Portugal por posições extremistas. Atualmente, Rui Fonseca e Castro é líder do movimento Habeas Corpus e presidente do partido Ergue-te, tendo ligações com outros grupos extremistas como o 1143, do neonazi condenado Mário Machado.
Erica Hecksher também relata que o ex-marido “tem influência” e que isso pode prejudicá-la. “Ele matriculou meu filho na escola, mas não sei como, ele tem muita influência”, explica. Ao mesmo tempo, pontua que não foi até Ponte de Lima, onde está a criança, por ter medo de Rui Fonseca e Castro e do que pode fazer com o menor nesta situação.
O que diz o pai
Na sua conta do Telegram, Rui Fonseca e Castro publicou um comentário sobre este caso, que classificou como “ uma grave campanha de difamação” contra si.
“Tendo tomado conhecimento de que contra mim teve início uma grave campanha de difamação, manipulativa e que não olha a meios para atingir os seus fins, venho antecipar-me mediante a apresentação da verdade factual.
Durante o período de férias do meu filho de dez anos de idade, constatei que o mesmo estava em perigo no Brasil, onde residia com a mãe. O risco verificado era de grande gravidade e, caso nada fosse feito, susceptível de vir a fazer periclitar a sua própria vida.
Perante o terrível cenário, vi-me colocado na posição de ter que tomar uma decisão muito difícil, mas inevitável, que consistia em encetar medidas decisivas para a protecção do meu filho, que necessariamente incluíam a sua permanência em Portugal. Recorri à minha advogada e instauramos um processo de alteração do exercício do poder paternal e um de promoção e protecção. Sobre o primeiro recaiu um despacho a declarar o tribunal internacionalmente incompetente, do qual estamos a recorrer, em virtude de manifesto erro de julgamento. O processo de promoção e protecção foi admitido no Ministério Público, aguardando-se a tramitação subsequente.
O meu filho está feliz e já começou a frequentar a escola em Portugal. Nunca antes esbocei a mais leve inclinação para tomar medidas tão drásticas e fi-lo apenas no exclusivo e superior interesse do meu filho. Têm sido muitas as noites em claro, mas fiz e estou a fazer o que é necessário.
A vida do meu filho será em Portugal até cessar o risco existente no Brasil ou até haver uma decisão judicial em contrário, que seja definitiva ou não passível de suspensão”.
amanda.lima@dn.pt