Kariba nasceu no Zimbabué e está em zoos europeus há 40 anos. Será a primeira inquilina do santuário para elefantes no Alentejo.
Kariba nasceu no Zimbabué e está em zoos europeus há 40 anos. Será a primeira inquilina do santuário para elefantes no Alentejo.Pakawi Park

Dos zoos e circos às colinas dos Pardais. Como estão a chegar elefantes ao Alentejo para “vagar livremente”?

Nos concelhos de Vila Viçosa e Alandroal está a nascer o primeiro grande santuário europeu para elefantes. Projeto da organização Pangea quer dar nova vida a animais como Kariba, a primeira inquilina.
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A ideia é ter tudo pronto já em Dezembro, a tempo de receber o primeiro animal logo no início de 2026. Uma herdade na região do Alentejo, nos concelhos do Alandroal e de Vila Viçosa, foi selecionada para receber o primeiro grande santuário para elefantes na Europa, seguindo exemplos que já existem em outros continentes como África, América e Ásia (como, aliás, o DN já adiantara em 2022). É um terreno de 402 hectares, na freguesia de Pardais, que está a ser preparado para “cerca de 20 a 30 elefantes” viverem em “amplos habitats naturais”, “vagar livremente”, alimentarem-se de “vegetação diversificada”, “tomar banho e socializar em grupos compatíveis, com supervisão veterinária especializada e enriquecimento diário que incentiva comportamentos naturais”.

Quem o assegura é a Pangea, uma organização sem fins lucrativos, registada no Reino Unido e Portugal, e que visa recolher elefantes resgatados de jardins zoológicos e circos europeus. “Centenas permanecem em cativeiro em zoológicos e circos europeus. Proprietários que desejam o melhor para seus elefantes e consideram realocá-los precisam de uma alternativa viável. A Pangea auxilia zoológicos e circos que desejam melhorar o bem-estar ou abandonar a criação de elefantes e apoia governos na implementação de padrões de bem-estar mais rigorosos”, explica a organização, acrescentando os animais que terão prioridade no acolhimento: “elefantes mantidos em isolamento, aqueles em circos localizados em países onde o uso de animais selvagens foi proibido e indivíduos colocados em zoológicos enfrentando dificuldades financeiras, ou casos em que os governos desejam intervir e confiscar”.

Kariba nasceu no Zimbabué e está em zoos europeus há 40 anos. Será a primeira inquilina do santuário para elefantes no Alentejo.
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O rosto mais visível do projeto é Kate Moore, a diretora administrativa da Pangea, que, de acordo com a página oficial do projeto, conta com “20 anos de experiência na África e na Europa, com foco no combate ao tráfico de vida selvagem e em programas de resgate e reabilitação de animais selvagens”. Tem como parceiros as fundações Born Free e Brigitte Bardot, o fundo Olsen Animal e a World Animal Protection, que financiam parte dos projetos juntamente com, escreve a organização no seu site, “uma combinação de doações de alto valor, doações individuais e subsídios de fundações e instituições filantrópicas”. No projeto do santuário alentejano, estão ainda envolvidas as câmaras municipais de Alandroal e Vila Viçosa, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Universidade de Évora. DDiana d'Orléans, duquesa do Cadaval, surge como patrona real e a artista plástica Joana Vasconcelos como embaixadora.

O projeto foi apresentado esta quinta-feira, 6 de novembro. A artista plástica Joana Vasconcelos é a embaixadora.
O projeto foi apresentado esta quinta-feira, 6 de novembro. A artista plástica Joana Vasconcelos é a embaixadora.Pangea

A proteção dos animais também servirá outros propósitos. Através das parcerias com a DGAV e o ICNF, no âmbito de um programa dedicado à recuperação da biodiversidade, a adaptação dos animais ao novo espaço será monitorizada por equipas especializadas no terreno permitindo, assim, recolher dados para investigação e formação em conservação animal e ambiental.

Quinta-feira, dia 6 de novembro, na apresentação do projeto, Kate Moore explicou a razões de Portugal ter sido selecionado para acolher o santuário, após um estudo de “viabilidade à escala europeia”. “Foi pelas suas condições ideais de habitat e clima. A propriedade tem a melhor topografia, colinas muito suaves e boas para os elefantes poderem andar, um habitat muito diversificado e área privada e com muita água”, disse à agência Lusa, acrescentando que o espaço “não vai estar aberto ao público regularmente”, embora adiante que anualmente serão dias abertos a visitas “selecionando pessoas da comunidade local e outras que doem para o projeto, através de um sorteio ou lotaria”.

A tranquilidade após 40 anos em cativeiro

Essa é uma garantia extra para que Kariba, a elefanta que será a primeira inquilina do santuário possa, finalmente, abraçar uma vida plena. Nascida em 1985, no Zimbabué, leva já 40 anos em cativeiro. Segundo a Pangea, a família de Kariba foi alvo de uma ataque de caçadores de marfim e a elefanta acabou por retirada da natureza e enviada, ainda jovem, para um jardim zoológico na Alemanha. Em 2012, seria transferida para o parque Pakawi, na Bélgica, e passou dez anos com a companhia de Jenny, outra elefanta africana, esta resgatada de um circo. A morte de Jenny em 2022, e o isolamento de Kariba, motivou a procura de uma nova casa para a elefanta e a solução foi encontrada nos montes do Alentejo.

O santuário vai adotar, em exclusivo, o regime de Contato Protegido. Ao contrário do Contato Livre, em que animais e tratadores “compartilham o mesmo espaço, com os tratadores podendo tocar ou controlar os elefantes diretamente”, o Protegido é baseado em barreiras. Ou seja, “tratadores e elefantes são sempre separados por uma cerca ou muro, e todo o manejo é feito por meio de reforço positivo”. “O elefante tem a liberdade de se afastar, o que lhe dá controle sobre a interação”, acrescenta a Pangea.

Vista aérea da propriedade e celeiro que a vai servir
Vista aérea da propriedade e celeiro que a vai servirPangea

Se Kariba e futuros companheiros podem ganhar tranquilidade e uma nova vida, a região também espera retirar proveitos futuros. Inácio Esperança, presidente da câmara de Vila Viçosa, recordou que o projeto está inserido no processo de candidatura de Vila Viçosa a Património Mundial da Unesco e que poderá ter um papel importante no turismo, “não no de massas, mas no de estudo e de formação”, assim como no de pessoas interessadas em visitar o centro interpretativo e os espaços de interação virtual com a população, que o autarca diz fazerem parte do projeto e que ainda terão de ser construídos. Em declarações à Rádio Campanário, calcula que seja necessário um investimento na ordem de 1,5 milhões de euros, admitindo que seja procurado o apoio de fundos comunitários para esse efeito.

Os elefantes poderão assim tornar-se um inesperado polo de atração para o Alentejo, região onde já terão vivido à cerca de 100 mil anos, nomeadamente na Costa Vicentina, de acordo com a National Geographic. E a que se deve esta atenção especial da Pangea pelos elefantes? “São dos seres mais extraordinários com quem compartilhamos o planeta. Estão entre os animais mais inteligentes, sencientes e sociais da Terra e têm necessidades complexas. Caminham dezenas de quilómetros por dia, mantêm laços familiares profundos e vivem dentro de uma estrutura social complexa. Demonstram empatia e memória que rivalizam com as nossas”, justifica a organização.

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