Garranos, saloias e serpentinas. Dos laboratórios aos santuários, há uma rede que cuida das raças nacionais
Garranos, saloias e serpentinas. Os nomes presentes no título desta reportagem pertencem a três das 64 raças autóctones de Portugal, animais domésticos que ao longo de várias gerações, por vezes séculos, mantiveram um conjunto uniforme de características genéticas, morfológicas e de adaptação ao ecossistema e região geográfica onde vivem e se reproduzem. A lista é maioritariamente composta por espécies pecuárias – 53, todas em risco de extinção (ver lista mais abaixo) –, que historicamente deram (e ainda dão) resposta às necessidade alimentares da população (e a outras, como as de vestuário, trabalho agrícola e lazer), mas também inclui 11 raças de cães, pela sua ligação ao mundo rural e a atividades como a pastorícia, a guarda e a caça.
Os cavalos Garranos, por exemplo, estão ligados à região noroeste de Portugal. De caráter dócil, fáceis de ensinar e bastantes resistentes, são ideais para transporte de carga em caminhos de montanha, logo perfeitamente adaptados à sua zona geográfica natural.
As saloias, que foram buscar o nome à região e comunidades rurais e agrícolas a norte de Lisboa, são ovelhas e destacam-se pela aptidão leiteira, estimulada pelos produtores no fim do século XIX quando a lã começou a perder valor.
Já as serpentinas são cabras reconhecidas pela capacidade de adaptação a ambientes mais extremos, tirando proveito disso para ocuparem zonas invadidas por matos e, assim, além da carne e do leite que fornecem, assumem um papel importante na limpeza dos terrenos florestais e agropecuários, minimizando os riscos de incêndio.
Estas características específicas das três raças que usámos como exemplo, somadas a mais 61 que o país identificou como autóctones, ao longo de décadas, fazem de Portugal um dos países “mais ricos do mundo em biodiversidade”. “Somos reconhecidos por isso. Pelas características do nosso país, pelos povos que por cá passaram, temos animais domésticos muito diferentes em regiões muito próximas. Originalmente foram ficando aqui animais bem adaptados a microclimas específicos e a diferentes funções, que deram corpo a esta enorme biodiversidade. Alguns países invejam-nos imenso. Por quilómetro quadrado somos dos países com maior biodiversidade de animais domésticos. Selvagens não temos muitos, mas domésticos sim.”
Quem o diz é Nuno Carolino, 57 anos, investigador principal do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), com atividades na área da caracterização, conservação e melhoramento genético animal. Formado em Engenharia Zootécnica na Universidade de Évora, e com um doutoramento em Ciência e Tecnologia Animal e um mestrado em Produção Animal, na Universidade Técnica de Lisboa, Nuno Carolino tem sido um dos principais impulsionadores dos planos de proteção das raças autóctones nacionais. Embora saliente que Portugal teve “o mérito de não perder nenhuma raça”, reconhece que algumas sofreram “uma forte erosão genética”, pelo que o trabalho de conservação das espécies é contínuo e implica a intervenção do próprio Estado.
Perante o perigo de extinção de algumas espécies, fundamentais para a alimentação da Humanidade e para a fertilização dos solos agrícolas, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) realizou, em 2007, uma conferência internacional sobre recursos genéticos animais da qual resultou um plano global de ação, que Portugal subscreveu juntamente com mais de uma centena de países. A assinatura dessa declaração comprometeu o país a desenvolver estratégias para a conservação e melhoramento genético – que culminaram em 2014 com a homologação do Plano Nacional para os Recursos Genéticos Animais – e um dos compromissos que daí resultou foi a instituição de um Banco de Germoplasma Animal (BPGA), inaugurado a 1 de setembro de 2010.
A gestão dos efetivos e livros genealógicos das raças cabe às diferentes associações de criadores, mas o Estado é responsável pela supervisão desse processo, através da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), e, em conjunto com o INIAV, tem de “assegurar a manutenção de germoplasma [nomeadamente sémen, embriões e amostras de DNA] de todas as raças nacionais de animais domésticos”, de forma a “garantir a sua conservação a longo prazo”, bem como “a sua disponibilidade para utilização nos programas de seleção e conservação das raças envolvidas”.
Lusitanos, palhinhas de sémen e “um tesouro”
O núcleo principal do BPGA está localizado no Vale de Santarém, no Polo de Inovação da Fonte Boa. Nuno Carolino faz parte da comissão de gestão e acompanhamento deste banco e abre as portas da instalação ao DN. O banco está dividido em salas. Na primeira, Nuno Carolino levanta a tampa de uma arca frigorífica repleta de sacos de congelação que contêm um número impressionante de amostras de ADN: mais de 50 mil, a maioria de cavalo Lusitano, a mais famosa das raças autóctones nacionais, sendo que alguns destes equídeos já foram vendidos acima de um milhão de euros, como revelou o criador Diogo Lima Mayer numa reportagem publicada pela revista Sábado, em 2023.
O cavalo Lusitano, de resto, foi um impulsionador deste tipo de conservação genética. “Ele nasce em mais de 30 países e, se não houvesse esse controlo, tornava-se complicado certificar a sua filiação. Em Portugal, obrigatoriamente, para um cavalo ser considerado de uma determinada raça tem de ser confirmado quem é o pai e a mãe. Esse controlo de filiação faz-se por análise de ADN e é um dos serviços que prestamos. Temos aqui 50 mil amostras, de várias gerações de equinos, e ainda vamos receber outras tantas, que estão armazenadas noutro laboratório do INIAV, em Alter do Chão. Em cada uma consta um número laboratorial que está relacionado com um animal e à sua identificação oficial. Num primeiro momento, as amostras, quando inseridas no sistema informático, servem para atestar a paternidade. Mas, depois, ficam aqui guardadas para sempre.”
A utilização deste tipo de material genético ajuda, até, a resolver questões criminais, como revela Nuno Carolino ao DN. “É uma tecnologia usada pela ciência forense. Aqui chamamos-lhe o CSI-Animal. O INIAV já ajudou as autoridades a resolver problemas com roubos de animais e disputas entre criadores. Quando o tribunal pede a nossa intervenção, recolhe-se normalmente sangue dos animais, mas pode ser pelo, ou sémen, ou tecido. O material genético chega aqui, é extraído o ADN, e depois sofre um processo de replicagem das zonas desse ADN que queremos trabalhar. O que resulta desta metodologia de controlo de filiação é como uma impressão digital genética, que é própria de cada indivíduo, não se repete. Podemos assim dizer, com certeza absoluta, que animal é aquele. E dizer também quem são os seus pais, com uma certeza superior a 99,99%, cruzando com os dados que já temos guardados e com os livros genealógicos que são geridos pelas associações de criadores, os quais guardam informação tanto sobre os animais, como dos seus detentores”, explica o investigador.
Outras duas salas do BPGA estão ocupadas com cerca de seis dezenas de contentores de alumínio, de diferentes tamanhos. Todos estão numerados e divididos por espécies. Reservam no interior centenas de palhinhas coloridas com doses de sémen, tratando-se, por isso, de material genético com o qual se pode iniciar um processo reprodutivo, através de inseminação artificial, ao contrário do que acontece com o ADN.
No exterior das palhinhas estão inscritas informações como a data e local de recolha, o nome do animal, a espécie e a raça. Estas doses de sémen são conservadas a temperaturas muito baixas (196º negativos), com recurso a azoto líquido, que tem de ser verificado a cada dois dias por um funcionário e reposto sempre que necessário.
A recolha do material genético para guardar no banco é proposta à DGAV pelas associações de criadores, que se encarregam das despesas se o processo for aprovado, mas os encargos com o armazenamento e conservação são assegurados pelo BPGA.
Nuno Carolino aproxima-se de um contentor de maiores dimensões e anuncia: “O que temos aqui é um tesouro.” Tratam-se de amostras de material genético antigo, algumas com mais de 50 anos, e que permitem recuar no tempo e recuperar características das raças autóctones nacionais que possam ter-se perdido, pois a utilização de um bovino, por exemplo, numa certa altura pode ter estado mais orientada para a produção de leite e noutra para a de carne, sendo que essas mudanças influenciam geneticamente os vitelos que vão nascer.
Ter 50 anos de memória genética guardada é como se fosse uma máquina do tempo: permite ir ao passado e trabalhar o desenvolvimento futuro das raças, “tornando-as mais competitivas, mais produtivas”. É também uma resposta para uma eventual crise sanitária que possa afetar uma delas.
Atualmente, o BPGA guarda 354 mil doses de germoplasma. Tem ADN de 31 raças autóctones, sémen de 41 e embriões de cinco (a colheita é mais dispendiosa e difícil, logo menos frequente). Por uma questão de segurança, existem também alguns duplicados noutros polos mais pequenos do BPGA. Estes são números que Nuno Carolino espera aumentar. No âmbito do PRR estão previstas verbas para modernizar os equipamentos de conservação e instalar naquele espaço o Laboratório de Genética Molecular. Há também a ideia de melhorar o edifício, que já recebe muitas visitas de escolas, tornando-o um ponto de divulgação das raças autóctones. “Se não for uma conservação ativa, fica mais caro”, admite o investigador.
Um santuário com sotaque do Uruguai
Entre os compromissos assumidos no Plano Nacional para os Recursos Genéticos Animais, no qual também colaborou Nuno Carolino, está a participação e apoio de entidades públicas a projetos que visem a proteção e divulgação das raças autóctones. Na Madalena, freguesia do concelho de Tomar, mais concretamente na aldeia de Cem Soldos (famosa por ser palco do festival Bons Sons, dedicado à música portuguesa), abriu ao público no dia 30 de novembro a Quinta dos Templários, que se apresenta como “Santuário de Raças Autóctones Portuguesas, com o objetivo de preservar e divulgar o património animal do país”. À frente do projeto estão Verónica Carneiro, 48 anos, e Horacio Paz, 54, um casal natural do Uruguai e que veio viver para Portugal há sete anos.
Verónica tem dupla nacionalidade, por via de um avô que emigrara do Porto. “Cresci a ouvir as histórias dele sobre Portugal. Era muito engraçado e repetia-me muitas vezes esta frase: ‘Tu nasceste no Uruguai, mas as tuas raízes são portuguesas. Nunca te esqueças disso’.”
Ao DN, Verónica recorda que bastou uma viagem de férias a Portugal para o casal tomar a decisão de vir, de vez, para o país. “Ficámos apaixonados e resolvemos vender tudo lá e investir aqui. Começámos por abrir um Alojamento Local, em Ferreira do Zêzere, e foi aí que demos conta de que muitas crianças que vinham das cidades, tanto de Portugal como do estrangeiro, ficavam surpreendidas quando viam o ovo e a galinha ou uma planta de tomate. Surpreendeu-nos porque, no Uruguai, mesmo nas cidades, esse contacto com o campo faz parte do nosso dia a dia. Foi assim que pensámos em ter uma oferta que também fosse mais pedagógica para quem nos visitasse. Com o tempo descobri que há mais de 50 raças autóctones em Portugal, só de espécies pecuárias, e que algumas correm risco de extinção. E, então, surgiu a esta ideia de fazer algo para ajudar a preservá-las e divulgar esta riqueza do património genético português, que muitos desconhecem. Tornou-se quase uma missão de vida”, revela Verónica.
Com o passar dos anos o espaço em Ferreira do Zêzere tornou-se pequeno e o casal buscou alternativas com terrenos mais amplos. A solução surgiu na freguesia da Madalena, que é presidida por Luísa Henriques (PS). “Quando a Verónica nos apresentou o projeto ficámos logo muito entusiasmados. Ter este santuário na nossa freguesia é uma mais-valia, não só para nós, mas para todo o território, até do ponto de vista turístico. Temos apoiado naquilo que podemos. Somos uma freguesia rica culturalmente, que tem bastante associativismo e, por isso, podemos fazer contactos e pontes com outras organizações para estimular mais parcerias com a quinta”, sublinha a autarca ao DN.
Luísa Henriques recorda também outra ideia que reteve dessa primeira conversa com Verónica e Horacio. “Fiquei admirada pela força deste casal, que veio do estrangeiro proteger uma coisa que é nossa, quando nós, portugueses, não o fazemos.”
Além da força de vontade, foi preciso alguma coragem e aprendizagem, até porque no Uruguai nenhum dos dois tinha qualquer ligação à área de conservação e reprodução animal: Horacio é capitão de Mar e Guerra reformado e Verónica trabalhava como advogada penalista, especializada em Direitos Humanos. Foi na busca de conhecimento e informações precisas sobre os passos a dar, para tornar o santuário uma realidade, que obteve apoio de diversas instituições, ao ponto de Verónica considerar que o seu projeto tem “três padrinhos”: Pedro Vieira (chefe de divisão do Gabinete de Recursos Genéticos da DGAV), Amândio Carloto (engenheiro ligado a associações de gado ovino e caprino) e Nuno Carolino, que também nos acompanha nesta visita ao santuário.
Neste momento, a Quinta dos Templários conta com 14 raças diferentes, mas a meta é poder ter todas (exceto os canídeos) até final de 2026. O foco está na reprodução de animais de excelência. A aquisição é feita através das associações de criadores, que identificam os melhores reprodutores – “100% puros”, garante. Cada raça está representada por um casal e o ciclo de reprodução é programado para ter lugar apenas uma vez por ano, tentando evitar que os partos aconteçam no inverno. Machos e fêmeas ocupam áreas separadas na quinta, cada uma com aproximadamente três hectares, separadas por uma estrada de terra batida e vedações. “Vivem em total liberdade, todos juntos e em harmonia, ao contrário do que acontece em algumas quintas pedagógicas em que os animais ficam fechados.” Na fase de acasalamento, são juntos num espaço próprio e cada casal ocupa uma box. Todos têm nome. À entrada da zona de reprodução está o Cristiano, bode de raça Serrana, que foi batizado em honra de Cristiano Ronaldo por ter sido adquirido no mesmo dia em que o internacional português fez um golo à França. Por estes dias, Cristiano está afastado da namorada, a Cassandra, pois esta engravidou e sempre que isso acontece, para evitar acidentes, os animais são separados.
Ao percorrer o curral vamos conhecendo o Pietro, a Clementina, o Clemente, o Rafael, a Mandarina, a Benedita, a Violeta e outros animais, que podemos alimentar à mão. Essa interação, a possibilidade de poder tocar e dar de comer aos animais, é outro aspeto em que este santuário difere das quintas pedagógicas municipais, onde tal não é permitido. “É aqui que nasce o encanto de quem nos visita, sejam crianças ou pessoas mais velhas. A essa vertente mais lúdica juntamos a pedagógica. Explicamos o nosso trabalho e o facto de nos centrarmos especificamente em raças nacionais. Plantamos a semente para perceberem como é incrível o património genético nacional”, diz Verónica.
O bode Templário virou pai de um rebanho de sapadores
Ao fundo do curral, à direita, estão dois exemplares caprinos da raça Bravia (a mais próxima geneticamente da cabra selvagem do Gerês): a Âmbar (que está grávida) e o Templário. Este bode é hoje uma espécie de estrela do santuário.
“Numa noite, quando estava na zona dos machos conseguiu saltar a vedação e ir para junto das fêmeas. Nessa noite, engravidou todas as cabras da quinta, menos a Âmbar”, recorda Verónica. Hoje, a façanha sexual do Templário arranca sorrisos ao ser partilhada (na conta de Instagram da quinta teve até direito a um post próprio), mas na altura levantou um problema, pois os filhos daquele bode seriam cruzados e isso batia de frente com o que a quinta preconiza: a reprodução de animais de raça 100% puros. Ainda assim, os filhos do Templário continuam a habitar naquele espaço, irmãos de um lado e irmãs do outro, sendo facilmente identificados por Nuno Carolino, que repara em pormenores como a dimensão da cabeça ou a cor e extensão da pelagem para notar os cruzamentos de raças.
A verdade é que do que parecia ser um revés brotou outro projeto na cabeça de Horacio e Verónica. “Vamos juntar todos os filhos do Templário e formar um rebanho de cabras sapadoras, um ‘corpo de bombeiros’, cujos serviços poderão ser alugados por quem tiver interesse em limpar os seus terrenos e evitar risco de incêndios.”
Ideias não faltam a este casal. O objetivo final é que os animais criados na quinta possam ser vendidos a criadores que procurem raças puras e geneticamente fortes, mediante um conjunto de condições: “Temos de ter a certeza de que estes animais vão cumprir a função para que foram criados, que é serem reprodutores. A última coisa que queremos é que vão parar a uma panela.”
Mas, até chegar a essa fase, é preciso encontrar formas de a quinta se tornar financeiramente sustentável. “É um projeto privado, um projeto de vida, mas fonte de rendimento ainda não é. Para já, estamos a investir o dinheiro que trouxemos do Uruguai. Além dos custos com a aquisição dos animais, temos os encargos com alimentação, o feno, os cuidados veterinários, etc., que, somados, podem chegar a três mil euros por mês. E como queremos mais animais, essa despesa irá subir. Temos procurado programas de apoio do Estado, mas como o nosso projeto é de preservação e divulgação não encaixa em nada, ao contrário do que acontece com explorações pecuárias tradicionais”, revela Verónica.
Assim, as formas para angariar receitas têm de ser diversificadas. A visita guiada à quinta (mediante marcação) é paga – 6 euros para crianças dos 4 aos 15 anos e maiores de 65; 10 euros por adulto; packs-família por 25 euros e descontos de 10% para grupos de 10 ou mais pessoas. Está também a ser montada uma loja para venda de licores, compotas e conservas artesanais, confecionadas com as ervas aromáticas e os frutos das árvores da quinta. No espaço estão já edificadas algumas estufas. A ideia é cultivar produtos biológicos para serem comercializados e também continuar a avançar com um projeto de forragem verde hidropónica (cultivo de biomassa vegetal em bandejas, sem solo, usando água rica em nutrientes, que germina rapidamente no espaço de sete a dez dias) para autoconsumo dos animais da quinta, mas também para ser vendida a outros criadores. Há ainda programas de apadrinhamento (50 euros ao ano, o que dá direito a uma visita mensal gratuita à quinta, bem como atualizações pessoais sobre o dia a dia do afilhado) e existe uma página na plataforma Gofundme que permite angariar doações.
Por outro lado, a Quinta dos Templários tem vindo a estabelecer protocolos com associações de criadores para fazer a divulgação das raças – algo que muitas estruturas, por serem pequenas, não conseguem fazer –, assim como com faculdades de veterinária, que podem vir ali estudar os animais. Os filhos de Verónica e Horacio também estão envolvidos. Ela estuda, precisamente, veterinária e ele seguiu gestão. O futuro da quinta pode passar pelas suas mãos.
O investigador Nuno Carolino olha com agrado para este tipo de iniciativas particulares, que complementam o trabalho desenvolvido pelas associações de criadores e instituições do Estado em defesa das raças autóctones. “A conservação deve ser feita por todos. Por isso, tanto eu como outros colegas tentamos incentivar a que mais guardiões apareçam. As questões da biodiversidade e da proteção das raças autóctones são agregadoras. Cada vez que tenho reuniões sobre o tema, até com responsáveis políticos, noto essa vontade, mas depois é preciso que se concretize. Esse é também um apelo que gostaria de deixar aos mais jovens, a estas gerações que têm presente a importância da biodiversidade para o planeta, para que, além de solidários com a causa, sejam também consequentes e a defendam com gestos concretos no seu dia a dia”, conclui o investigador.
Perguntas e respostas: classificação, conservação e risco
Como é que se define que uma raça é realmente autóctone?
“Antigamente dizia-se que quando alguém com poder para tal quisesse que uma raça passasse a ser autóctone, passava. Hoje em dia, utilizam-se critérios mais técnicos e mais científicos. Quando se apresenta uma proposta de reconhecimento de uma população animal como raça, são identificadas as suas características morfológicas, produtivas e genéticas. Também é verificado o distanciamento ou a proximidade genética com outras raças já existentes. Além disso, tem de constar um plano para a gestão de identidade da raça, uma espécie de caderno de encargos que os criadores, através de uma associação, têm de cumprir. A proposta é, então, submetida à Direção-Geral da Alimentação e Veterinária, que por sua vez poderá consultar ou não a Comissão Nacional para os Recursos Genéticos de Animais. Se não houver garantias de que esses animais têm características únicas, tanto morfológicas, como de comportamento, que se vão manter de geração em geração, então não é recomendável que seja reconhecido como raça”, explica Nuno Carolino, investigador principal do INIAV, ao DN.
O que é germoplasma?
Germoplasma é uma coleção de material genético de uma espécie que pode passar de geração em geração. Dessa coleção podem fazer parte amostras de ADN, doses de sémen e embriões, por exemplo. O BPGA guarda 354 mil doses de germoplasma: ADN de 31 raças autóctones, sémen de 41 e embriões de cinco: raças Alentejana e Mertolenga (bovinos), Bravia e Serrana (caprinos) e Churra Galega Mirandesa (ovino).
Como é que, em Portugal, se classifica que uma espécie está em risco de extinção?
Em Portugal, seguindo recomendações da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e critérios do European Regional Focal Point for Animal Genetic Resources (ERFP), “optou-se por se adotar não apenas um parâmetro (número de fêmeas reprodutoras) mas, adicionalmente, outros indicadores demográficos, genéticos e socioeconómicos que, em conjunto, possam avaliar com maior precisão o grau de ameaça de cada população”, segundo se lê no Estatuto de risco das raças autóctones portuguesas (atualizado em 2022). Sempre que o número de fêmeas exploradas em linha pura está abaixo do mínimo aconselhado pela FAO – 7500 bovinos, 10.000 ovinos e caprinos, 15.000 suínos, 5000 equídeos e 25.000 aves – a raça é considerada em risco de extinção. Nessa análise, em 2022, apenas sete raças escapavam ao patamar de risco no número de fêmeas, mas quando era aplicado o segundo conjunto de critérios – entre outros, o número de machos reprodutores, tamanho da população ou o material genético disponível no BPGA – todas apresentavam fragilidades. Ou seja, todas as raças pecuárias autóctones portuguesas correm risco de erosão genética (perda de diversidade) e de extinção.