Os compromissos assumidos no Programa do Governo — a convergência do Complemento Solidário para Idosos (CSI), em 2029, com o montante atual do salário mínimo (870 euros) — chutarão a despesa com esta prestação para além de mil milhões de euros, mais do que quadruplicando o gasto de 2023, diz o Conselho de Finanças Públicas (CFP). Mas, adverte este órgão independente, “esta hipótese pode até ser otimista”, dada a “dimensão do universo dos potenciais beneficiários” — ou seja, o número de idosos que têm rendimentos inferiores ao valor base do CSI.Para 2025 (quando o valor base do CSI é de 630,67 euros mensais), o CFP, no relatório divulgado esta segunda-feira, projeta um gasto a rasar os 600 milhões (577 milhões de euros), num “desvio de cerca de 42% face ao orçamentado [406,8 milhões] e num aumento de 178 milhões de euros face a 2024.”A estes valores globais, alerta o CFP, há ainda que somar “a despesa com os benefícios adicionais de saúde (BAS), nomeadamente com medicamentos gratuitos (…) que até maio de 2025 já totalizava 16,2 milhões de euros”. E o Conselho conclui: “Estes possíveis desenvolvimentos constituem um risco acrescido para a despesa.”Este risco para as finanças públicas já tinha sido noticiado pelo DN em maio, quando, a partir de cálculos próprios, o jornal concluiu que, tendo o número de beneficiários do CSI aumentado muito para além das previsões apresentadas pelo primeiro governo Montenegro, “a promessa de aumentar o valor de referência da prestação até 820 euros em 2028” iria custar “mais de mil milhões a partir desse ano, quase quintuplicando a verba de 2023”. Na mesma notícia, o DN notava tratar-se de “um agravamento notável nas contas do Estado” que não parecia “ter sido previsto pelo Governo — ou até pelo Conselho de Finanças Públicas (...)”. Governo não esclarece estimativa de despesaNa altura, o DN tentou, sem sucesso, obter do ministério das Finanças um esclarecimento sobre a estimativa do Governo para o gasto com CSI em 2025 e com a despesa total, para a Segurança Social, com esta prestação a partir de 2028. Foi igualmente impossível, até agora, obter do ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social qualquer informação sobre a dotação orçamental para 2025 atinente aos benefícios adicionais de saúde do CSI — dotação essa que, como o DN noticiou em julho (quando reportou, com base em dados fornecidos pela Autoridade Nacional do Medicamento/Infarmed, que a despesa com esses benefícios já crescera mais de 68% desde que em junho de 2024 o primeiro executivo de Luís Montenegro decidiu a gratuidade total dos medicamentos prescritos, ou seja, mais 50% que o previsto para o OE2024 pelo último governo Costa) não consta do OE de 2025 nem dos relatórios de execução orçamental da Segurança Social. O CFP revela agora que a despesa com os benefícios adicionais de saúde (BAS) nos primeiros cinco meses de 2025 foi de 16,2 milhões — ou seja, uma média de 3,24 milhões mensais, que a manter-se resultará numa despesa anual de 38,8 milhões. A ser assim, tratar-se-á praticamente do dobro da de 2024, uma vez que — citando o relatório do CFP — "De acordo com informação disponibilizada pela Segurança Social referente aos BAS, em 2024 foram processados 20,7 milhões de euros em reembolsos de medicamentos". Face a 2023 traduz-se no décuplo do gasto, pois nesse ano, diz o relatório do CFP, "o processamento desta despesa [que então não incluía a gratuidade de medicamentos] era de aproximadamente quatro milhões de euros".“Não coloca em risco o equilíbrio orçamental”, garantiu Miranda SarmentoRecorde-se que fazer chegar o valor de referência do CSI a 820 euros em 2028 (igualando-o ao salário mínimo fixado para 2024) foi uma das promessas da AD nas legislativas de 2024, aliás formulada logo em novembro de 2023, no Congresso do PSD, por Luís Montenegro, que falou de “um rendimento mínimo garantido para os pensionistas”. Logo na altura o líder do PSD foi questionado sobre o custo dessa medida, tendo o então responsável pelo cenário financeiro do programa eleitoral e atual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, garantido à CNN que “não passaria das dezenas ou poucas centenas de milhões de euros”, “não colocando em risco o equilíbrio orçamental”. Opinião diferente parece ter o Conselho de Finança Públicas. Como um especialista em Segurança Social ouvido em maio pelo DN: “O risco de os valores crescerem bem acima do limiar dos mil milhões é elevado. Aliás, só uma fé quase religiosa em que as pessoas não vão pedir a prestação — por ignorância ou iliteracia, por não saberem que têm direito ou não saberem como pedir — é que justifica projeções moderadas da despesa. Caso o Governo decida fazer uma campanha de divulgação do CSI, como se fez quando a medida foi criada, em 2005, poderá ter uma surpresa muito grande.” Esta prestação não contributiva (não resultando de descontos dos beneficiários), recorda o CFP no seu relatório, foi criada em 2005, no primeiro governo Sócrates, "como uma prestação extraordinária de combate à pobreza dos idosos". A sua criação, prossegue o CFP, "procurou introduzir diferenciação, acautelando a existência de fontes de rendimento alternativas nos recursos monetários globais de cada idoso. À data, esta diferenciação era tida como fundamental para aumentar a eficácia no combate à pobreza e evitar uma 'estratégia financeiramente insustentável' assente no aumento generalizado do valor das pensões mínimas". O aumento progressivo das pensões mínimas até atingirem o valor do salário mínimo foi um objetivo defendido durante muito tempo pela esquerda. Mas especialistas em combate à pobreza como Carlos Farinha Rodrigues argumentaram que aumentar todas pensões mínimas não era uma forma adequada de combater a pobreza dos idosos, já que, explicava ao DN em 2016, "sendo as pensões muito baixas, as pessoas que as recebem podem não ser pobres (...). Esses valores tão baixos podem corresponder a uma decisão racional das pessoas, que escolheram não descontar muito." Para Farinha Rodrigues, a forma correta de combater a pobreza nos idosos passava por medidas com condição de recursos (aferição do rendimento global) como o CSI.Desincentivo às contribuições?Quando o valor base do CSI converge para o do salário mínimo — objetivo que, anunciou o primeiro-ministro, se prefigura para a legislatura seguinte — haverá, como frisa o CFP, cada vez mais idosos a reunir os critérios de elegibilidade para a prestação. "De acordo com dados da Segurança Social", lê-se no relatório do CFP, existem cerca de dois milhões e 26 mil pensionistas que, em 2024, recebiam uma pensão inferior a 600,7 euros por mês, o valor de referência para o CSI à data. Acresce também que os aumentos anunciados do valor de referência ultrapassam a atualização do valor das pensões médias, potenciando o aumento do universo de beneficiários." Poder-se-á, assim, estar perante uma despesa semelhante ("financeiramente insustentável"?) àquela que resultaria do aumento generalizado das pensões mínimas. Isto porque as atuais projeções do CFP, e decorrente risco estimado para as finanças públicas, têm em conta o número de beneficiários da prestação em julho, que era de 229 mil, assim como o valor médio da mesma (cerca de 200 euros). Naturalmente, um aumento muito expressivo no número de idosos abrangidos faria explodir a despesa.Mas, como o DN já notara em maio, o incremento para o CSI nos moldes prometidos levanta, além das questões de sustentabilidade financeira, também questões de equidade e de “sentido” do próprio sistema previdencial. Nomeadamente no que respeita àquilo que o especialista em segurança social ouvido pelo DN apelida de “desincentivo às contribuições”. Fator a que a ex-deputada do CDS-PP Cecília Meireles se mostrou, logo em novembro de 2023, sensível, falando, no programa Linhas Vermelhas da Sic-N, de “questões de justiça relativa que não são fáceis de gerir”. Explicou Cecília Meireles, citada pelo Expresso, que “um beneficiário de uma pensão não contributiva pode vir a ter um rendimento de 820 euros, através do CSI, se a sua família não tiver outros rendimentos, mas um pensionista com carreira contributiva completa pode não chegar a esse valor se, por exemplo, o seu marido ou mulher tiver um rendimento superior.” .Despesa. Complemento Solidário para Idosos dispara para 1000 milhões em 2028 .Complemento Solidário para Idosos já esgotou 64% do orçamentado para 2025.Despesa com medicamentos gratuitos para beneficiários do CSI cresce 68% .Governo mexe no CSI e espera abranger 24 mil novos beneficiários